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1990: Fim da Stasi

Publicado 15 de janeiro de 2020Última atualização 15 de janeiro de 2024

Em 15 de janeiro de 1990, cai em Berlim o principal bastião do regime da antiga Alemanha Oriental. Mas esse processo foi iniciado por gente corajosa longe do centro do poder.

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Assalto à sede do serviço de inteligência da Alemanha Oriental em 1990
Assalto à sede do serviço de inteligência da Alemanha Oriental em 1990Foto: picture alliance/AP Images/J. Finck

"Escudo e espada do partido" era a autoimagem com que trabalhava o Ministério de Segurança do Estado (MfS) da República Democrática Alemã (RDA), a antiga Alemanha Oriental, criado em 1950. Na prática, isso significava espionar, reprimir, decompor. O grupo-alvo principal era a sua própria população.

Apelidado pela população "Stasi" – abreviatura de Staatssicherheit (segurança estatal) – ele foi o sistema de alerta precoce e aparato de repressão mais importante do Partido Socialista Unitário (SED), a sigla política única da extinta Alemanha comunista.

A Stasi, no entanto, não conseguiu impedir a queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 e, com isso, seu próprio fim. Nove dias após a inesperada abertura de fronteira, a polícia secreta da RDA foi rebatizada Departamento de Segurança Nacional (AfNS). Novo nome, velho sistema: assim a esmagadora maioria dos 17 milhões de alemães orientais via a situação.

Em 15 de janeiro de 1990, a Stasi foi o tema dominante na reunião da chamada Mesa-Redonda Central em Berlim, onde representantes do antigo regime, sob o chefe de governo Hans Modrow, e ativistas de direitos civis discutiram em conjunto o futuro da abalada Alemanha Oriental.

Nesse dia, o movimento político alemão-oriental Novo Fórum convocava a uma manifestação em frente à sede da Stasi. "Traga cal e tijolos com você!", dizia um panfleto: tratava-se de murar simbolicamente o serviço secreto, invadir a enorme área "com imaginação e sem violência".

Um muro simbólico deveria cerrar a sede da Stasi depois da queda do Muro de Berlim
Um muro simbólico deveria cerrar a sede da Stasi depois da queda do Muro de BerlimFoto: picture-alliance/dpa/P. Zimmermann

Entre os milhares que aceitaram a convocação, estava Arno Polzin, de Berlim Oriental. O jovem de 27 anos diz que nunca esquecerá um detalhe: "O fato de se ter entrado ileso na área." Sem resistência, sem controles: pelo contrário. Quando o construtor de ferramentas entrou no complexo que estivera hermeticamente fechado há décadas, ele viu policiais uniformizados no último andar de um prédio.

Obviamente, eles não estavam lá para intimidar nem afastar os intrusos, disse Polzin em conversa com a DW. Em vez disso, teriam observado com "interesse e curiosidade" o que acontecia abaixo. Uma imagem simbólica, na visão de Polzin: "OK, aqui parece que não tem mais um perigo direto."

Com o assalto à sede da Stasi, o último e mais importante bastião do serviço secreto da antiga Alemanha Oriental chegou ao fim. Tudo começou, no entanto, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Berlim.

Erfurt: a iniciativa feminina

Na cidade de Erfurt, a artista Gabriele Stötzer já organizara com um grupo de mulheres a ocupação do edifício local da Stasi em 4 de dezembro de 1989. As fronteiras entre Leste e Oeste estavam abertas, mas as ativistas não confiavam naquela paz. "O Estado ainda não havia renunciado", conta Gabriele Stötzer à DW; polícia, Exército e Stasi ainda estavam armados: "Ainda havia uma treva sobre a RDA."

Apesar dessa difusa situação conflituosa e emocional, as mulheres juntaram toda sua coragem e quiseram entrar na Stasi – e a porta realmente se abriu. Elas explicaram suas intenções aos atordoados funcionários: "Você criaram dossiês para nós, eles são nossa propriedade. Queremos salvá-la agora. Queremos ver se vocês vão destruí-la."

Em Erfurt, ativistas ocupam pacificamente sede local da Stasi
Em Erfurt, ativistas ocupam pacificamente sede local da StasiFoto: picture-alliance/dpa/Archiv Gesellschaft für Zeitgeschichte

Na ocasião, ninguém sentiu medo, afirma Stötzer. O objetivo delas era tão claro, sempre havia algo a fazer, elas procederam de forma planejada. Por mais louco que pareça, informaram o prefeito com antecedência de suas próximas ações. E a Promotoria foi solicitada a selar as salas da Stasi para preservar os arquivos. "Sabíamos que também se tratava de um grande tesouro, nosso tesouro."

A vida delas estava descrita nos dossiês com que a Stasi tentava controlá-las, "praticamente tirando de nós as nossas vidas, nos criminalizando". Aos olhos da Stasi, a jovem era inimiga do Estado desde a tenra idade. Seu delito: em 1976, protestara ao lado de outros ativistas dos direitos civis contra a expatriação do compositor Wolf Biermann. Por tal foi condenada a um ano de detenção na prisão feminina de Hoheneck.

Apesar desse castigo humilhante, ela se recusou a partir para o Ocidente e se manteve como artista autônoma na RDA. A Stasi continuou a monitorá-la. Gabriele Stötzer considera "genial" e "grandiosa" a forma como, mais tarde, ela e seus companheiros eliminaram pacificamente o serviço secreto, em 1989.

O incrível mensagem de Erfurt se espalhava por toda a RDA: "Elas entram, exigem os arquivos da Stasi, e ninguém atira". Fosse em Halle, Leipzig ou Gotha, a Stasi capitulava por toda parte.

Só em Berlim levou um pouco mais de tempo. Markus Meckel, ministro do Exterior da RDA por um breve período após as primeiras eleições livres, em 1990, diz ter uma explicação plausível para tal: a RDA sempre fora um Estado centralizador, e "lá ficava o centro do poder, também o aparato repressivo". E a Stasi só pôde ser removida "por o próprio governo ter se tornado instável e não ver nenhuma outra saída". Esse momento chegou em 15 de janeiro de 1990.

Ódio ao aparato estatal de repressão ficou demonstrado na invasão da sede da Stasi em Berlim
Ódio ao aparato estatal de repressão ficou demonstrado na invasão da sede da Stasi em BerlimFoto: picture-alliance/dpa

Depois do assalto

Três dias após o assalto à sede da Stasi, o último líder comunista da antiga Alemanha Oriental, Hans Modrow, desistia de sua resistência, ordenando que a agência de inteligência fosse dissolvida. A posterior abertura dos arquivos da Stasi foi "um grande mérito" da Câmara do Povo da RDA, avalia Markus Meckel. Uma façanha "que teve que ser imposta contra a vontade dos representantes do governo da República Federal da Alemanha".

Na época, o chanceler federal da Alemanha Ocidental Helmut Kohl preferia manter o material explosivo em sigilo. Para evitar isso, Arno Polzin e seus correligionários ocuparam pela segunda vez a fortaleza da Stasi em setembro de 1990, com sucesso.

O objetivo mais importante dos ativistas dos direitos civis da RDA foi alcançado: "Meu dossiê me pertence". Para isso, o legado da Stasi teve que ser arrancado dos "gabinetes de venenos". Polzin menciona ainda outro medo: que os serviços secretos da Alemanha Ocidental tivessem acesso aos arquivos "antes de os cidadãos da RDA terem a chance de saber o que eles continham".

Sem o engajamento dos ativistas dos direitos civis em diversos lugares e momentos, a dissolução da Stasi e a abertura dos arquivos sequer seriam imagináveis. E não está dado um ponto final na história, mesmo que, como decidido em 2019, os documentos da Stasi acabem no Arquivo Nacional da Alemanha, em médio prazo.

Markus Meckel considera boa essa solução, e enfatiza sua função exemplar para outros países do antigo bloco soviético que seguiram o modelo alemão. O último ministro do Exterior da RDA, atribui ao assalto à sede da Stasi, em 15 de janeiro de 1990, um significado histórico especial: "Foi um grande ato, que é importante e deve ficar registrado."

Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.