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HistóriaSuécia

2005: Nobel de Literatura para Harold Pinter gera polêmica

Augusto ValentePublicado 13 de outubro de 2012Última atualização 13 de outubro de 2018

Quase uma tradição, o anúncio da Academia Sueca em 13 de outubro de 2005 foi ferrenhamente combatido. Para alguns, a época do dramaturgo inglês já passara. Além do mais, Harold Pinter nunca fora mesmo "um dos grandes".

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 Harold Pinter
Harold PinterFoto: Getty Images

A concessão do Prêmio Nobel da Literatura ao dramaturgo britânico Harold Pinter, em 13 de outubro de 2005, gerou polêmica nos meios literários europeus. O crítico Denis Scheck, da rádio Deutschlandfunk, classificou a premiação como uma "ofensa à literatura mundial".

"É preciso considerar se não se deveria mudar o nome do prêmio para 'medalha dos saltimbancos'." Segundo o redator e tradutor, o júri "deu vexame", pois haveria numerosos autores vivos que "este ano saíram novamente de mãos vazias".

Sua colega austríaca Sigrid Löffler, editora da revista Literaturen, falou de "uma escolha bizarra". Ela disse que não teria escolhido Pinter "nem de longe". "Além do mais ele está démodé", criticou.

A opinião foi reforçada por Franz Wille, redator da revista Theater heute, publicada em Berlim. Segundo ele, Pinter estava praticamente ausente das programações teatrais alemãs, e portanto o Nobel estaria chegando com 30 anos de atraso. Nas décadas de 1960 e até 1970, seus textos forneceram importantes impulsos formais e temáticos, contudo "as últimas peças estão bem abaixo em termos de qualidade", afirmou o crítico.

Alegria para os amigos

O júri da Academia Sueca ressaltou, ao justificar a escolha, que o dramaturgo "revela os abismos ocultos sob a conversa vazia do dia-a-dia, penetrando no espaço fechado da repressão". Marcel Reich-Ranicki, um dos críticos literários mais populares da Alemanha, confirmou essa caracterização da obra pinteriana, como "a representação do cotidiano de indivíduos solitários, ameaçados por algum tipo de elemento ou poderes misteriosos e indefinidos".

Ranicki considerou a premiação "boa e correta", embora concordando que a homenagem "chega um pouco tarde demais" para o literato, na época com 75 anos. Trata-se de um "dramaturgo típico", que não teve apenas sucesso de crítica: "Sua obra não é escrita com as costas para o público".

Prêmio Nobel da Literatura em 2004, a autora austríaca Elfriede Jelinek declarou-se "felicíssima" com a escolha do colega inglês. "Mais um de esquerda e um dramaturgo maravilhoso. Já vou começar a festejar."

Elogios também vieram por parte da Academia das Artes de Berlim, da qual Harold Pinter era membro desde 1982. Referindo-se ao premiado, a instituição citou o diretor teatral Peter Zadek: "Suas peças são mistérios de advertência moral, comparáveis às tragédias gregas". Günter Grass e Imre Kertész, Prêmios Nobel de 1999 e 2002, respectivamente, também pertencem à Academia de Berlim.

Teatro e verdade

O discurso de Pinter por ocasião da entrega do Nobel, gravado em vídeo em 7 de dezembro de 2005 na Academia de Estocolmo, levou o título de Arte, verdade e política. Pinter começou com uma autocitação de 1958:

"Não há distinções rígidas entre o que é real e o que é irreal, nem entre o que é verdadeiro e o que é falso. Uma coisa não é necessariamente falsa ou verdadeira, ela pode ser tanto verdadeira como falsa. [...] A verdade no teatro é sempre fugidia. Você nunca a encontra, realmente, mas a busca é compulsiva. A busca é claramente o que motiva o empreendimento, é a sua tarefa. No mais das vezes, você tropeça na verdade no escuro, colidindo com ela ou apenas tendo o vislumbre de uma imagem ou forma que parece corresponder à verdade. [...] Essas verdades desafiam-se, recuam umas diante das outras, refletem-se, ignoram-se, provocam-se e são cegas umas para as outras."

O dramaturgo tentou ainda explicar seu processo criativo: "Muitas vezes me perguntam como minhas peças nascem. Não sei dizer. Nem posso resumir minhas peças, exceto dizendo que isso é o que aconteceu. Isso é o que eles disseram. Foi isso o que fizeram. A maior parte de minhas peças é engendrada por uma frase, uma palavra, uma imagem. A palavra dada é geralmente seguida por uma imagem. [...] A linguagem na arte permanece uma transição altamente ambígua, uma areia movediça, um trampolim, um lago congelado que pode ceder sob os pés do autor a qualquer momento."

Pinter apontou também os problemas do teatro político: "Tem-se que evitar o sermão a todo custo. Objetividade é essencial. As personagens têm que poder respirar seu próprio ar. O autor não pode confiná-las ou constrangê-las para satisfazer seu próprio gosto ou disposição ou preconceito. Tem que estar preparado para abordá-las sob uma variedade de ângulos, uma gama de perspectivas plena e desinibida; deve tomá-las de surpresa, talvez, ocasionalmente, e no entanto dar-lhes liberdade para seguir o caminho que quiserem."

Profeta da resistência antiamericana

Nascido em 10 de outubro de 1930 em Hackney, Londres, Harold Pinter foi autor de obras de enorme sucesso como Traição, A festa de aniversário e Volta ao lar, assim como dos roteiros cinematográficos para A mulher do tenente francês e Uma estranha passagem em Veneza. Ele faleceu no dia 24 de dezembro de 2008.

Ao lado dos elementos existenciais, absurdos ou metafísicos de sua obra – herdados da dramaturgia do irlandês Samuel Beckett (1906-1989) –, Pinter destacou-se pela luta contra a pena de morte, tortura, guerra e repressão. Certa vez declarou: "O futuro é o pretexto de todos os que não querem se envolver com o presente".

Para além de sua atividade literária, o dramaturgo londrino ficou notório por seu discurso de 10 de setembro de 2001, na Universidade de Florença. Na ocasião, condenara a política dos Estados Unidos, expressando "profunda repulsa" contra a superpotência, uma "máquina mundial brutal e maligna". E acrescentou, irado: "A resistência contra os Estados Unidos crescerá".

No dia seguinte – data do atentado contra o World Trade Center e o Pentágono – suas declarações tomariam caráter profético.