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A Alemanha poderia ser julgada por ecocídio?

18 de novembro de 2020

Na produção para TV "Ecocídio", o premiado diretor Andres Veiel mistura ficção e realidade ao colocar a Alemanha no banco dos réus em 2034 por políticas destrutivas para o clima.

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A mina de lignito Garzweiler, na Alemanha.
A mina de lignito Garzweiler, no oeste da Alemanha: sua expansão planejada levaria à destruição de cinco vilarejosFoto: picture-alliance/J. Tack

Em 2019, a Suprema Corte da Holanda se tornou o primeiro tribunal nacional de nível superior a estabelecer o dever legal de um governo de prevenir as mudanças climáticas no contexto de suas obrigações com os direitos humanos. Foi uma decisão histórica.

Ao lado do caso holandês, inicialmente aberto em 2013, existem hoje em dia centenas de processos semelhantes de justiça climática em andamento no mundo todo.

Mais recentemente, jovens ativistas de Portugal entraram com uma ação junto ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, para que 33 nações industrializadas sejam responsabilizadas por não reduzirem as emissões que causam as mudanças climáticas.

Os atores Edgar Selge, Friederike Becht, Nina Kunzendorf e Ulrich Tukur em imagem do filme "Ecocídio", de Andres Veiel.
No longa alemão, tema deve ser decidido pelo Tribunal Internacional de Justiça Foto: 2020 Julia Terjung/Zero one film

Agora, uma nova produção para a TV alemã resolveu levar um processo judicial semelhante para o mundo da ficção. Em Ökozid (Ecocídio), que se passa em 2034, uma coalizão de 31 países do Hemisfério Sul está processando a República Federal da Alemanha. E o Tribunal Internacional de Justiça deve determinar se o Estado alemão violou sua obrigação de proteger o direito à vida de todos os seres humanos ao deixar de agir contra as mudanças climáticas.

Política de proteção climática alemã no banco dos réus

É com tal enredo fictício que o diretor Andres Veiel investiga as políticas ambientais alemãs de 1998 a 2020. Para o projeto, iniciado em reação ao verão alemão preocupantemente quente de 2018, Veiel e sua equipe realizaram uma pesquisa muito detalhada sobre a política de proteção climática da Alemanha, conta ele à DW.

O cineasta é conhecido na Alemanha por seus projetos envolvendo pesquisas aprofundadas. Com seu documentário Black Box BRD (2001), por exemplo, Veiel retratou os contrastes entre as vidas e as mortes de um presidente do Deutsche Bank, morto por um carro-bomba em 1989, e o principal suspeito pelo ataque, um membro do grupo terrorista de extrema esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF, na sigla em alemão).

O cineasta Andres Veiel.
O diretor Andres Veiel queria explorar até onde os tribunais podem recorrer para alcançar a justiça climáticaFoto: Karsten Kampf

Já em Beuys, um documentário de 2017 sobre o artista Joseph Beuys, o diretor trabalhou na edição de centenas de horas de imagens de arquivo e mais de 20 mil fotografias.

Para o novo projeto para a TV, rapidamente ficou claro que um enquadramento ficcional seria mais apropriado do que tentar "competir com a BBC com outro documentário sobre o clima", disse Veiel, acrescentando que sua intenção era ir mais longe e explorar a questão: até onde os tribunais podem recorrer para alcançar a justiça climática?

Abandono do carvão pela Alemanha em 2038

Embora o filme se passe no futuro, o caso fictício do tribunal se refere às políticas da Alemanha na vida real. Em 2034, o país ainda terá quatro anos pela frente antes de concluir o desligamento de todas as suas usinas a carvão, prazo estabelecido por uma lei de 2020.

Considerada um "grande sucesso político para todos aqueles que se preocupam com o futuro climaticamente sustentável de nossos filhos e netos" pelo atual ministro do Meio Ambiente, a legislação foi fortemente criticada por ativistas por não agir com rapidez suficiente diante da emergência climática.

Nenhum país queima tanto lignito quanto a Alemanha. Também conhecido como carvão marrom, o lignito consiste na forma de energia mais barata que existe, mas também na mais poluente, com centenas de vilarejos sendo demolidos para dar lugar à mineração de carvão marrom.

O filme mostra que, embora um número significativamente maior de empregos esteja vinculado à migração para formas de energia renovável, as fortes relações tradicionais entre sindicatos de mineiros e governantes políticos permitiram que uma política energética poluente se prolongasse.

Políticos têm frequentemente argumentado que uma política de proteção climática mais consistente teria enfraquecido a posição da Alemanha como líder industrial.

"Mas o contrário teria acontecido", afirma Veiel. "Por meio dessa dependência míope e de curto prazo da energia convencional, incluindo usinas movidas a carvão, a Alemanha perdeu a janela de oportunidade para desenvolver tecnologias como hidrogênio ou eletromobilidade."

Enquanto isso, empresas californianas e chinesas assumiram a liderança nesses campos. "Perdemos anos em vários níveis. Devido a uma perseguição de lucro a curto prazo, as metas de longo prazo necessárias foram negligenciadas", lamenta o cineasta.

Os crimes do sistema contra o meio ambiente

Por meio de sua pesquisa para o filme, Veiel também ficou chocado com a "falha sistêmica da Alemanha" em lidar com a emergência climática. Não se trata de algo que aconteceu apenas uma vez sob este ou aquele governo, diz ele.

"Ano após ano, tem havido repetidas tentativas de enfraquecer e relativizar, ou mesmo anular completamente as exigências mais rígidas da Comissão Europeia."

Apesar de sua reputação internacional como a "chanceler do clima", há uma lacuna profunda entre as reivindicações e demandas de Angela Merkel e o que é realmente implementado, diz Veiel.

A chanceler federal alemã, Angela Merkel, ao lado do então ministro do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, em visita à Groelândia em 2007, a fim de inspecionar o impacto das mudanças climáticas nas geleiras.
Merkel em visita à Groelândia em 2007 para inspecionar o impacto das mudanças climáticasFoto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler

Um exemplo detalhado no filme mostra como a indústria automobilística encontrou uma maneira de promover seus modelos SUV recém-desenvolvidos como "amigáveis ao clima", embora os pesados veículos esportivos lançados pela BMW e pela Daimler em 2005 precisassem de até 50% mais combustível do que carros compactos comparáveis.

Quando a Comissão Europeia propôs a diretiva de rotular os carros para informar os consumidores sobre a eficiência de CO2 de determinado modelo, a Associação Alemã da Indústria Automotiva apresentou uma solução inteligente que foi aplicada pelo governo alemão contra a Comissão em 2009. O cálculo do limite de CO2 passou a ser feito com base no peso do veículo – modelos mais pesados tinham permissão para mais emissões –, fazendo com que alguns SUVs obtivessem uma classificação melhor do que carros compactos.

Criminalizando o ecocídio

Um número crescente de ativistas tem exigido que o ecocídio, que literalmente significa "assassinato do meio ambiente", se torne um crime sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Mas não se trata apenas de ativistas radicais: recentemente, até o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que faria um referendo sobre se o ecocídio deveria ser criminalizado pela lei francesa.

E esse é um dos aspectos retratados em Ökozid que dá esperança a Veiel: o fortalecimento da democratização das instituições supranacionais com direito a sancionar as ações dos governos nacionais que afetem todo o planeta, como a versão de 2034 do Tribunal Internacional de Justiça imaginada no filme.

"No momento, ainda se trata de utopia", diz o diretor. "Mas é algo que tem que acontecer e que virá."

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filme Ökozid (Ecocídio), em língua alemã, é exibido pelo canal público alemão Das Erste desta quarta-feira (18/11) até 16 de dezembro de 2020.