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A cidade paulista fundada para tratar a tuberculose

24 de março de 2019

Em 1874, o fazendeiro Matheus da Costa Pinto comprou terras na Serra da Mantiqueira e construiu uma escola, uma venda, uma capela e um hotel. Logo, a vila ficaria famosa por causa da pensão construída para tuberculosos.

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Paciente recebe medicação contra tuberculose
Paciente recebe medicação contra tuberculoseFoto: Getty Images/M. Safodien

"A partir do século 19, a região atraiu aventureiros e inúmeras pessoas portadoras de doenças respiratórias", conta a coordenadora do curso de História da Universidade do Vale do Paraíba, Ana Enedi Prince, autora da série de livros Tuberculose e História.

O primeiro estudo brasileiro a associar a cura da tuberculose com a Serra da Mantiqueira por causa do seu clima frio e seco, com pouca nebulosidade e muita insolação, havia sido publicado em 1880, mas, "no mundo, a climatoterapia já era considerada condição essencial para a cura da tuberculose", explica Prince.

Por volta de 1908, ao retornar de uma viagem pela Europa para estudar a profilaxia da tuberculose, o médico sanitarista Emílio Ribas teve a ideia de transformar o vilarejo paulista em vila sanitária para tísicos, como eram chamados os pacientes da doença.

Em 1926, a vila sanitária contra a tuberculose foi oficialmente reconhecida como Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão, nome dado ao município em referência ao primeiro proprietário das terras à margem do Rio Imbiri, o Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão.

"A partir da lei estadual que transformou o vilarejo em Prefeitura Sanitária, Campos do Jordão recebeu órgãos voltados ao tratamento e cura da tuberculose, como um posto de higiene, dispensário, pensões e sanatórios", conta Prince. "Aconteceram desapropriações de terrenos, por utilidade pública, para a construção de sanatórios, hotéis, parques, ruas, fontes de águas medicinais, quedas d'água e outros bens que deveriam formar a estância climatérica e de repouso".

Foto aérea de Campos do Jordão em 1940
Foto aérea de Campos do Jordão em 1940Foto: Inst. Geog. e Cartográfico SP

Segundo as pesquisas da historiadora, no auge da climatoterapia no Brasil, entre 1926 a 1941, somente as pensões de Campos do Jordão chegaram a receber 3.563 hóspedes tuberculosos, entre eles pacientes ilustres, como os escritores Monteiro Lobato, Manuel Bandeira e Nelson Rodrigues.

Altamente contagiosa e mortal, o mundo vivia nessa época uma epidemia de tuberculose. No Brasil, a enfermidade era responsável por quase 70% das mortes por infecções e não haviam remédios e vacinas contra a doença. O próprio bacilo causador da tuberculose só fora descoberto em 24 de março de 1882, dia escolhido pela Organização Mundial da Saúde como Dia Mundial do Combate à Tuberculose. 

"Campos do Jordão teve suma importância para a saúde pública brasileira no combate a essa terrível moléstia que assolou o país nos séculos 19 e 20", afirma a historiadora.

Suíça Brasileira

A construção da Campos do Jordão sanatorial, financiada tanto pelo governo estadual paulista como por entidades privadas e assistenciais, foi inspirada nas cidades sanatórios da Suíça e da Alemanha, onde esse tipo de profilaxia da tuberculose fora desenvolvido, em 1859. 

Associar o tratamento da tuberculose a cidades alpinas não tinha somente caráter médico, mas também turístico, o que trazia lucro para essas cidades sanatórios e ajudava a diminuir o preconceito social contra os tísicos, pessoas vistas como insalubres ou boêmias. Foi importado para Campos do Jordão, assim, não apenas a arquitetura europeia, mas principalmente os valores sociais e culturais da população alpina. Não é à toa que a cidade recebeu o apelido de "Suíça Brasileira" na década de 1950, em um congresso na Europa.

Pessoas em frente a uma pensão no século 20
Pessoas em frente a uma pensão no século 20Foto: Museu da Imigração SP

"Mas é importante destacar que ricos e pobres tiveram acesso ao tratamento em Campos do Jordão", ressalva Prince. "Fato é que, diante da grande quantidade de tuberculosos pobres e indigentes que começaram a chegar na cidade, surgiu, por iniciativa dos moradores jordanenses, uma associação beneficente e, posteriormente, foram criadas várias outras instituições que atendiam pacientes sem recursos." 

Enquanto as pensões funcionavam sob um rígido regime disciplinar que obrigava os hóspedes a seguirem as prescrições médicas, fazerem as refeições, tomarem banhos de sol e repousarem, os sanatórios funcionavam como internatos médicos em que os doentes eram tratados como pacientes e ficavam isolados. 

Com o desenvolvimento, nos anos de 1930, da vacina contra a tuberculose – a BCG, popularmente conhecida por deixar uma cicatriz no braço onde foi aplicada – e dos antibióticos contra a doença, a climatoterapia foi descartada pela medicina e os sanatórios e pensões para tísicos foram perdendo importância e se transformando em hotéis, pousadas e restaurantes. Muitos hóspedes e pacientes que se curaram da doença acabaram se mudando para a cidade.

A partir da década de 1960, o turismo voltado ao descanso e à natureza passou a ser incentivado na Serra da Mantiqueira. Casas de luxo foram construídas em Campos do Jordão e até o palácio de inverno do governador de São Paulo, o Palácio da Boa Vista, foi erguido na cidade, transformando-a em um dos principais destinos do turismo de inverno brasileiro.

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