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EducaçãoBrasil

A dura realidade de alunos da rede pública na pandemia

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
1 de abril de 2021

Além de problemas para acessar a internet, estudantes enfrentam falta de apoio familiar e dificuldade de estudar sozinhos. A sensação que fica é de um ano letivo perdido, escreve o fundador do projeto social Salvaguarda.

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Escola fechada devido à pandemia
"Pandemia escancarou desigualdade tecnológica entre alunos das redes pública e privada"Foto: picture-alliance/dpa/M. Carmago

"Meu último ano de ensino médio foi completamente perdido."

Esta foi a resposta de uma aluna quando perguntei o que ela sentia sobre o fato de as aulas terem deixado de ser presenciais em 2020. Lembrando agora, ouvi de milhares outros a mesma constatação.

A mudança do modelo de ensino presencial para o online devido à pandemia de covid-19 escancarou a desigualdade tecnológica entre alunos das redes pública e privada. A falta de recursos necessários para manter os estudos no novo modelo tornou-se a preocupação principal, e muitas vezes a única, de muitos que estudam em escolas públicas. No entanto, sei que, infelizmente, este é apenas um entre muitos desafios. Num cenário hipotético em que todos tivessem acesso à internet e a um celular ou computador, ainda haveria obstáculos para manterem os estudos? A resposta é sim.

"Nunca aprendi a estudar sozinha, e isso só piorou com a pandemia e a junção com a convivência familiar pra atrapalhar tudo." Ouvi essa frase de uma aluna de uma escola pública do Maranhão. Ela sintetiza dois pontos muito relevantes no contexto pandêmico sobre os quais pouco, ou nada, foi falado: a importância do núcleo familiar e de saber estudar.

Pela primeira vez, a sala de aula foi substituída integralmente por algum cômodo da casa e isso ressignificou a relevância e a influência dos membros do núcleo familiar na vida escolar dos estudantes. Uma aluna me disse recentemente que recebe o apoio incondicional dos pais para que haja silêncio e lugar adequado para estudar em casa, apesar de nenhum deles ter sequer concluído o ensino médio. Segundo ela, eles sempre foram trabalhadores braçais – o pai já cortou cana e a mãe é faxineira – e justamente por isso sonham com um futuro com mais possibilidades para a filha. O apoio deles deu resultado: ela foi aprovada na Unicamp.

Já outros estudantes escutaram falas do tipo: "Vai na padaria para mim", "Vem lavar a calçada" e "Não ajuda em nada, só estuda" no momento em que, em dias normais, deveriam estar dentro de uma sala de aula. Um me contou que sua mãe diz que é importante estudar, mas é a primeira a não fazer silêncio quando ele pede. Nesses casos, o apoio em potencial que os pais poderiam oferecer aos filhos é limitado pela falta de informação e de proximidade deles com o universo dos estudos, tornando muito difícil entenderem que tipo de ambiente é necessário para manter a concentração, quanto tempo leva para entender cada assunto e que também existe o cansaço mental.

Há algumas realidades, infelizmente não poucas, em que os pais não podem ou não conseguem apoiar os filhos. Muitos estudantes precisam assumir um papel de protagonismo no sustento financeiro da família. Às vezes, os pais até tentam poupar os filhos dessa preocupação, mas estes logo percebem a frustração dos genitores por não saberem como pagarão contas tão básicas, como água ou luz. A crise econômica afeta diretamente as famílias e, consequentemente, os estudantes. Como se concentrar nos estudos quando se ouve os pais tentando pensar em uma forma de pagar as contas? Como continuar trilhando um caminho de investimento no longo prazo quando a incerteza de sobrevivência é atual?

De forma geral, noto claramente que, para os alunos que não têm a oportunidade e o privilégio de encontrar apoio no núcleo familiar, todos os desafios são amplificados e se concentrar para estudar parece impossível. Já os que encontram esse apoio têm todos esses desafios atenuados ou, até mesmo, extinguidos. Ou seja: o núcleo familiar pode ser um catalisador ou extintor dos obstáculos existentes.

Somada ao contexto familiar, o saber estudar é outra variável muito relevante. O modelo de ensino atual, infelizmente, é ultrapassado e não possibilita o protagonismo do estudante. Muitos, vão à escola sem entender como a instituição pode contribuir para o seu desenvolvimento pessoal e profissional e não conseguem enxergar a relação dos conteúdos ensinados com o mundo que conhecem. A metodologia atual, muitas vezes, constrói um aluno passivo no processo de aprendizagem.

"A gente fica tão acostumado a só copiar e ouvir que na hora de algo prático ninguém sabia muito o que fazer." É assim que uma aluna me descreveu sua vida escolar até antes da pandemia. No modelo online, todos se encontram dentro de suas casas e sem a segurança da zona de conforto que a sala de aula oferecia. No entanto, ele requer um certo protagonismo que simplesmente nunca foi desenvolvido neles. O que fazer? O que estudar? Como estudar? Como se organizar? Como pesquisar um assunto?

Simplesmente não fazem ideia. Nunca foram ensinados sobre isso. São tomados por um sentimento de impotência, incapacidade e solidão, como bem explicado por outra estudante: "Eu levei uns dois anos para aprender a estudar sozinha. Ninguém veio e me deu uma luz, sozinha fui tentando. E tô tentando até hoje."

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius de Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.