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A geoestratégia americana

(ns)22 de março de 2003

Feira do Livro de Leipzig vira palco de debate sobre a nova ordem mundial. EUA estaria atrás de aliado substituto para a Arábia Saudita. Americano diz que seu país não tem mais imprensa livre.

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Estande na Feira de LeipzigFoto: AP

Com tantos escritores e intelectuais reunidos, a Feira do Livro de Leipzig, aberta quinta-feira, não podia senão se transformar em um fórum sobre a guerra no Iraque. Mas a discussão mais interessante deu-se na Igreja de S. Pedro da cidade. Seus participantes -- o jornalista Andreas Zumach, um profundo conhecedor das Nações Unidas, o escritor e jornalista americano Mark Hertsgaard e o diplomata Hans von Sponeck, que esteve à serviço da ONU vários anos em Bagdá -- fizeram uma análise objetiva e bastante critica da política mundial.

Para Andreas Zumach, a política dos Estados Unidos no Oriente Médio sempre seguiu o mesmo padrão, desde o início da década de 50: ter como aliado geoestratégico um país com ricas jazidas de petróleo e disposto a fornecê-lo a bom preço. O primeiro aliado teria sido a Pérsia, o atual Irã. A ditadura do xá não foi apoiada apenas pelos EUA como também pelos europeus. Em 1979, o país implodiu numa revolução e o regime foi varrido pela oposição islâmica.

EUA já apostaram no ditador de Bagdá

Saddam Hussein und Sohn
Saddam Hussein com seu filho Odai em 1990Foto: AP

O novo parceiro foi justamente Saddam Hussein. "Tudo funcionou durante dez anos, até que o ditador iraquiano guerreou contra o Irã com armas que nós, o Ocidente, lhe demos, inclusive as armas de extermínio que hoje ele é acusado de possuir. A vitória encorajou-o e ele ameaçou destruir Israel. Em 1979 aumentou o preço do petróleo, a fim de sanear a economia do país, completamente arruinada após a guerra contra o Irã. Foi aí que ele tornou-se um problema para os Estados Unidos", expôs Zumach.

A seguir veio a primeira Guerra do Golfo e 11 anos de sanções. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, a França e a Alemanha venderam aos países vizinhos ao Iraque armas no valor de mais de 100 bilhões de dólares. Por causa de Saddam Hussein, os EUA chegaram a desenvolver novas armas atômicas. E por sua causa surgiram novas doutrinas de segurança.

O papel da instabilidade saudita

König Fahd von Saudi Arabien
Rei Fahd, da Arábia Saudita. EUA contam com uma revolução no país, com a crescente influência muçulmana.Foto: AP

Em 1998, os EUA decidiram livrar-se de Saddam Hussein. O porquê, Andreas Zumach assim explica: "Porque os senhores em Washington partem da correta análise, de que a Arábia Saudita, seu parceiro na região desde a Guerra do Golfo, mais cedo ou mais tarde também irá explodir, como aconteceu com o Irã em 1979. E pelos mesmos motivos, ou seja, as crescentes tensões da ditadura em Riad com a oposição islâmica." Conseqüentemente, seria preciso arranjar um substituto para a Arábia Saudita e esse país seria o Iraque. "Como isso não é possível com o atual regime, ele é derrubado", conclui.

A maior parte dos norte-americanos não tem a menor idéia de que esses são os objetivos de uma política externa que não hesita em recorrer às armas sob o pretexto de salvar o mundo de uma ameaça, segundo Mark Hertsgaard, cujo livro America Explained procura explicar os Estados Unidos aos estrangeiros e acaba de ser lançado na Alemanha. "Nós não temos mais uma imprensa crítica, livre e independente nos EUA. Esse é o grande problema, que se vê mais claramente diante da crise do Iraque", lamenta.

A desinformação americana

Demonstration für den Irak Krieg in den USA
Garota de 11 anos em manifestação a favor da guerra do Iraque nos EUA.Foto: AP

Como exemplo, cita que 45% dos seus conterrâneos acreditam que Saddam Hussein estava diretamente envolvido nos atentados terroristas de 11 de setembro. "Os americanos acreditam nisso, porque a propaganda da Casa Branca transmitiu isso inúmeras vezes nas últimas oito semanas. E infelizmente a imprensa não tem a coragem de dizer que isso é falso", complementa.

Ao longo da discussão, os participantes traçaram uma imagem nada lisongeira da única superpotência que restou no século XXI: de um país altamente endividado, cuja liderança não conseguiu convencer a comunidade mundial por meios políticos, da necessidade de travar uma guerra contra o Iraque. Uma manifestação de fraqueza que, na opinião de Hans von Sponek, deveria levar a Europa a conscientizar-se de sua responsabilidade.

Isso não apenas para tratar de impor reformas no Conselho de Segurança, como também para reduzir a pobreza no mundo. A guerra no Iraque, lembrou o diplomata alemão que chefiou o programa Petróleo em Troca de Alimentos, custará aproximadamente 200 bilhões de dólares, enquanto a ajuda ao desenvolvimento de todos os países industrializados soma 50 bilhões de euros.