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A "PEC do troca-troca" e o descrédito dos partidos políticos

Jean-Philip Struck17 de fevereiro de 2016

"Janela da infidelidade" dá 30 dias para que deputados troquem de legenda sem risco de perder o mandato. Para especialista, medida escancara falta de compromisso com programa partidário e prioridade em projetos pessoais.

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Foto: picture-alliance/robertharding/I. Trower

O presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), deve promulgar nesta quinta-feira (18/02) a proposta de emenda constitucional (PEC) da "janela partidária", que vai permitir que deputados e vereadores deixem as legendas pelas quais foram eleitos em 2014 sem correr o risco de perder o mandato.

A "PEC do troca-troca" terá validade de 30 dias. Críticos se referem a ela como a "janela da infidelidade". Para cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil, a PEC é apenas mais um sinal da falta de credibilidade do atual Congresso brasileiro, o mais fragmentado da história, com 28 partidos, e que está tomado por brigas internas.

"É mais uma prova de que os deputados fazem leis a seu favor. Que tipo de compromisso um detentor de mandato espera manter se ele faz esse tipo de malabarismo oportunista? Não há nenhuma preocupação com o eleitor", afirma o cientista político Carlos Melo, do Insper.

É a mesma opinião do professor David Fleischer, da Universidade Nacional de Brasília (UnB). "Esse tipo de coisa só escancara que os partidos políticos brasileiros são meros veículos para projetos pessoais de políticos, não há compromisso com um programa ou ideologia. São poucas as agremiações com alguma identidade", afirma.

Quem ganha, quem perde

A medida não contempla senadores e detentores de cargos do Executivo, que já são livres para trocar de legenda sempre que desejarem. O troca-troca deve ser mais intenso na Câmara, que passa por um momento especialmente delicado, envolvida com discussões sobre o ajuste fiscal e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Líderes de bancadas estimaram que o troca-troca na Casa deve envolver entre 40 e 50 deputados, cerca de 10% do total. Segundo o texto da PEC, a janela não deve influenciar os cálculos de distribuição do fundo partidário ou de tempo de televisão de cada partido, ou seja, o deputado pode migrar, mas a sua nova sigla não vai ganhar mais recursos e publicidade.

Ainda não está claro como a janela deve afetar os partidos que se encontram no fogo cruzado da Operação Lava Jato e ficaram associados com escândalos de corrupção, como PT, PMDB e PP.

O PT, por exemplo, já perdeu quatro deputados e um senador em 2015. Eles migraram para o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. No entanto, para o deputado Pepe Vargas (PT-RS), a bancada do partido – a segunda maior da Câmara – não deve se alterar mais. "Quem queria sair já saiu", afirma.

Para o cientista político Paulo Kramer, que considera a janela "mais um remendo que piora a imagem da política", ela vai permitir que deputados que estão em siglas próximas do PT possam se afastar da órbita do governo à medida que Dilma perde popularidade. "Eles vão querer se afastar como antigamente se fugia dos leprosos", afirma.

Já Fleischer afirma que a janela também deve prejudicar o PMDB e o PSDB, envolvidos em disputas internas, enquanto outros menores, como a Rede, devem sair ganhando. Caciques do PMDB já apontam que o partido deve perder entre sete e oito deputados, mas a maioria por causa de desavenças regionais envolvendo as eleições municipais.

São casos em que um parlamentar fica insatisfeito com a legenda porque não emplacou sua candidatura à prefeito ou em que ele migra para outra sigla para assumir um diretório regional e assim controlar recursos do fundo partidário. O primeiro exemplo deve ocorrer no PP, em que o deputado Jair Bolsonaro (RJ) negocia sua mudança para o PSC para disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro.

A janela também levanta dúvidas se o rearranjo de forças na Câmara vai alterar a influência do governo na casa e a "balança" do impeachment. Atualmente, o governo demonstra confiança de que possui votos suficientes na Câmara para barrar o avanço do processo de impeachment. Como a janela também deve "sangrar" alguns partidos da oposição, enquanto outros só devem repor as perdas, a tendência é que o quadro não se altere tanto.

Brecha legal

O troca-troca partidário em cargos proporcionais, uma especialidade da política brasileira que persiste há décadas, foi oficialmente banido em 2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas na prática persistiu, mesmo sem a criação de janelas.

A resolução do tribunal determinava que quem trocasse de partido perderia o mandato, já que, pelas regras, ele era da sigla, e não do deputado. Só que muitas vezes a morosidade do tribunal em analisar os casos é tanta que os mandatos de alguns deputados infiéis chegam ao fim sem que eles sejam julgados.

A resolução também abriu espaço para uma exceção importante: os deputados continuaram livres para migrar para legendas recém-criadas. Com isso, novos partidos, muitas vezes sem um programa claro, passaram a receber deputados que estavam insatisfeitos com suas siglas e aproveitavam a brecha legal para sair.

O mais recente exemplo desse caso é o Partido da Mulher Brasileira, que foi lançado em setembro. Poucos dias após a sua criação, a legenda inchou e já contava com 20 deputados federais – sendo que apenas dois são mulheres.

Membros do Congresso que defendem a PEC afirmam que ela vai ajudar a combater o fenômeno do inchaço dessas siglas, apontado por eles como uma distorção. O próprio Calheiros citou o PMB quando justificou a aprovação da PEC, em dezembro. "Essa PEC será uma eficaz vacina contra essa deformação do sistema partidário", afirmou.

Especialistas concordam que as primeiras vítimas da janela na Câmara devem ser as siglas nanicas recém-criadas, como o PMB. A tendência é que muitos deputados que migraram recentemente sigam para legendas mais estruturadas.

A PEC foi aprovada em dezembro, mas permaneceu mais de dois meses engavetada por Calheiros. Para Melo, a demora em promulgá-la foi estratégica. "Se a janela já tivesse sido aberta em dezembro, o PMDB teria perdido mais deputados porque a briga interna na sigla estava mais intensa na época", afirma.

A promulgação também ocorre um dia após a eleição do novo líder do PMDB na Câmara, que mediu forças entre o grupo do presidente da Casa, Eduardo Cunha, e o grupo da sigla favorável a Dilma. Vários peemedebistas temiam que uma janela partidária já em vigor pudesse embaralhar ainda mais a correlação de forças na eleição, provocando o inchaço ou esvaziamento de algum desses setores com o objetivo de influenciar na escolha do líder.