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ConflitosTerritório Ocupado da Palestina

A polêmica estratégia de Israel de inundar túneis do Hamas

Andreas Noll
15 de dezembro de 2023

Para alcançar objetivo de eliminar grupo radical islâmico, Israel planeja bombear água do mar para a complexa rede de túneis. Estratégia, porém, pode matar reféns, desestabilizar edifícios e impactar na água do subsolo.

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Soldado israelense em túnel do Hamas escavado sob o hospital
Soldado israelense em túnel do Hamas escavado sob o hospital Al-Shifa, na Faixa de GazaFoto: Ronen Zvulun/REUTERS

Militares israelenses começaram a bombear água do mar para dentro de alguns dos túneis subterrâneos na Faixa de Gaza, segundo reportagens da emissora CNN e do diário americano The Wall Street Journal. A estratégia visa combater os terroristas do grupo radical islâmico Hamas, que usam uma complexa rede de centenas de quilômetros de túneis para se locomover e transportar armamentos. No entanto, o plano poderia trazer consequências também para a população civil.

Em 2015, alguns dos túneis na fronteira de Gaza com o Egito foram inundados por militares egípcios. Os Estados Unidos, por sua vez, adquiriram experiência militar em combates em sistemas de túneis extensos durante a guerra do Vietnã. A inundação extensiva de túneis, no entanto, não é algo difundido na história militar.

Segundo relatos da imprensa, as preparações para a inundação de túneis em larga escala se concentram na região em torno do campo de refugiados Al-Shati, no norte da Faixa de Gaza. Israel teria instalado seis bombas de água capazes de bombear mais de 100 mil litros de água marinha por hora nos túneis.

Quais são as possíveis consequências?

Os cálculos dos militares israelenses são bastante óbvios. Inundar os túneis forçaria os terroristas a virem à superfície. Entretanto, analistas alertam que isso também coloca em perigo as vidas dos reféns, que estão provavelmente sendo mantido dentro dos túneis.

Dos aproximadamente 240 reféns que o Hamas sequestrou durante os ataques terroristas em solo israelense em 7 de outubro, mais de 130 ainda estão em poder do grupo islâmico, classificado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia.

Túnel na fronteira de Gaza com o Egito utilizado para contrabando de armas e pessoas
Túnel na fronteira de Gaza com o Egito utilizado para contrabando de armas e pessoasFoto: Patrick Baz/AFP

Centenas de milhares de litros de água do mar no subsolo podem gerar consequências para a estabilidade de edifícios no enclave palestino densamente povoado, com mais de 2,2 milhões de habitantes.

Especialistas como Eilon Adar, do Instituto Zuckerberg para Pesquisas Hídricas da Universidade Ben Gurion, na cidade israelense de Berseba, chamam atenção para os danos adicionais causados pela injeção de água salgada.

"O impacto negativo na qualidade da água do subsolo iria durar por várias gerações", afirmou o cientista ao jornal Times of Israel. "A qualidade da água subterrânea e o estoque de água potável em Gaza já são considerados de baixa qualidade."

Quando surgiram os túneis em Gaza?

Após chegar ao poder naFaixa de Gaza em 2007, o Hamas deu início à construção de um enorme sistema de túneis que atravessa grandes áreas do enclave costeiro, de cerca de 40 quilômetros de comprimento e de menos de 12 quilômetros de largura.

Nos primeiros anos, os túneis eram utilizados para contornar áreas bloqueadas. Eles passavam debaixo da fronteira com o Sinai e eram usados para contrabandear armas, pessoas e alimentos entre o Egito e Gaza.

Mais tarde, o Hamas começou a escavar sistematicamente um sistema de túneis que cobre grande parte do enclave e segue uma lógica militar.

Com a destruição desse sistema que se aproxima de uma fortaleza, o grupo terrorista perderia o cerne de sua estratégia militar: mover-se sem ser notado pelas tropas israelenses. A capacidade de criar emboscadas, mas também de transportar suprimentos e armamentos, seria gravemente prejudicada. Isso, segundo os cálculos israelenses, poderia inclusive resultar no colapso militar do Hamas.

O quão extenso é o sistema de túneis?

Especialistas da academia militar americana de West Point disseram em um estudo se tratar de uma "cidade" no subsolo arenoso, com extensão total de 500 quilômetros. Os militares israelenses às vezes se referem aos sistema de túneis como o "metrô de Gaza".

O Hamas utilizou pela primeira vez seu sistema subterrâneo para lutar contra Israel na guerra de 2014. À época, especialistas israelenses estimaram que o número de túneis seria de 1,3 mil. Israel afirmou ter destruído algumas centenas de quilômetros do sistema de túneis em 2021. Mas novas trilhas subterrâneas continuaram a ser escavadas. No conflito atual, as forças israelenses disseram ter encontrado mais de 800 entradas de túneis e destruído um grande número dessas estruturas.

Como são equipados os túneis?

As entradas do sistema de túneis são parcialmente localizadas em residências privadas, mesquitas e lojas, mas também sob locais protegidos, como hospitais. Reféns israelenses que foram libertos disseram ter sido levados durante horas por uma "teia de aranha" de túneis úmidos antes de chegarem à superfície. Alguns contaram que os terroristas do Hamas se movimentavam por entre os túneis em motocicletas.

Nos primeiros anos, os túneis eram equipados de maneira rudimentar, mas hoje em dia, muitos deles têm estruturas seguras de concreto. Além das linhas de energia, é possível haver canalizações separadas para água fresca e esgoto.  

Soldados israelenses observa entrada de túnel em Gaza
Forças israelenses disseram ter encontrado mais de 800 entradas de túneis em GazaFoto: Ronen Zvulun/REUTERS

De acordo com os especialistas, a construção de túneis com estruturas de apoio e bem ventilados custa em torno de 500 mil dólares (R$ 2,46 milhões) por quilômetro. Israel calculou em 2014 que o custo total dessas construções teria sido de 1,25 bilhão de dólares.

Qual a importância militar dos túneis?

Os túneis são locais de difícil retirada onde acredita-se que o Hamas armazene combustíveis e alimentos há muitas semanas. Há postos de controle e de comando da organização terrorista espalhados pela rede subterrânea. Os militares israelenses afirmam ter descoberto um desses centros debaixo do hospital Shifa.

Os túneis também tem o propósito de servir como local de armazenamento e de produção de milhares de projéteis utilizados repetidas vezes pelo Hamas em ataques a Israel. Os mísseis são retirados dos subterrâneos e lançados imediatamente.

O sistema de túneis é projetado de tal forma que as posições do Hamas em determinados pontos críticos podem ser alcançadas através do subsolo. Isso permite aos combatentes retrocederem rapidamente após atacaram forças israelenses na superfície.

Como Israel vem combatendo os túneis?

As forças israelenses vêm realizando bombardeios aéreos sobre essas estruturas. Já ocorreram diversas explosões de combustíveis ou de munições armazenadas nos subterrâneos que causaram a destruição de fileiras inteiras de casas na superfície.

Combater os túneis com bombardeios aéreos é extremamente difícil porque alguns elementos importantes se localizam a profundidades de até 70 metros e são complicados de serem alcançados até mesmo por bombas especiais que perfuram o subsolo.

Combatentes paramentados do Hamas com fuzis posam para foto dentro de túnel
Túneis possuem estruturas de concreto, linhas de energia e até canalizações separadas para água fresca e esgotoFoto: Ashraf Amra/AA/picture alliance

De acordo com as informações disponíveis, os túneis foram escavados em zigue-zague, de maneira semelhante a trincheiras. Esse desenho reduz o poder de destruição das ondas de choque.

O exército israelense formou sua própria unidade especial, as tropas Yahalom, para lutarem nos túneis com o apoio de cães. Robôs também são utilizados para detectar armadilhas e reduzir os altos riscos para os soldados, que rapidamente perdem a noção de tempo e espaço nos combates subterrâneos.

Os equipamentos das tropas Yahalom incluem armamentos especiais e munições que reduzem o risco de ricochetes nos túneis estreitos. Além disso, as unidades são equipadas com as chamadas "bombas-esponja", que produzem com rapidez uma espuma de endurecimento rápido que deixa seções do túnel impossíveis de serem atravessadas.

John W. Spencer, especialista em guerrilhas urbanas no Instituto da Guerra Moderna, nos EUA, afirmou que "nada que se utiliza aqui em cima funciona lá embaixo. São necessários equipamentos especiais para respirar, enxergar, navegar, comunicar e utilizar os meios militares. Especialmente, para atirar."