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A queda de braço institucional em El Salvador

Alba Amaya cn
11 de fevereiro de 2020

Para forçar liberação de empréstimo, presidente do país invade Congresso com militares. Deputados acusam mandatário de tentar um "golpe de Estado". Justiça exige respeito à Constituição, e impasse parece longe do fim.

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Militares armados ocupam Congresso de El Salvador
Presidente colocou militares no Congresso para pressionar parlamentaresFoto: picture-alliance/AP/S. Melendez

Um dia após o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, comandar uma invasão militar ao Parlamento para tentar aprovar um empréstimo à força, a Corte Suprema de Justiça (CSJ) e o Congresso do país intensificaram nesta segunda-feira (11/02) os esforços para alcançar uma solução pacífica à crise institucional provocada pelo ato considerado por deputados "uma tentativa de golpe de Estado".

A Corte Suprema ordenou que o presidente "se abstenha de usar as Forças Armadas em atividades contrárias aos propósitos estabelecidos constitucionalmente e que coloquem em risco a forma de governo republicano, democrático e representativo, o sistema político pluralista e, em particular, a separação de poderes".

A CSJ determinou ainda que o ministro da Defesa e o diretor da Polícia Nacional Civil (PNC) "não exerçam funções e atividades diferentes daquelas a que estão obrigados constitucional e legalmente", depois de um dia conturbado que incluiu a militarização do Parlamento por ordens de Bukele.

A crise institucional no país se agravou depois de um presidente do Congresso, Mario Ponce, classificar o ato do fim de semana como "uma tentativa de golpe de Estado". A declaração recebeu apoio de vários deputados. Ponce disse à imprensa que militares "invadiram o órgão Legislativo com armas de guerra", e que os presentes não puderam "reagir ao Executivo com uma arma na testa".

O presidente afirmou nas redes sociais que as críticas eram uma indicação de que "um sistema de corrupção" estaria se protegendo, e que ao invadir o Parlamento com militares e policiais, ele estaria atendendo às demandas da população. Ele deu prazo de uma semana para os deputados aprovarem a legislação sobre o plano de segurança, sem especificar quais ações tomaria se suas exigências não fossem atendidas.

Bukele quer que o Congresso, de maioria oposicionista, aprove um empréstimo de 109 milhões de dólares voltado a um plano de segurança pública. Os recursos seriam destinados a equipar a polícia e as Forças Armadas na luta contra as gangues que espalham a violência pelo país, que possui uma das taxas de homicídio mais altas do mundo, chegando a 61,8 por 100 mil habitantes, de acordo com os dados mais recentes da ONU, de 2017.

Alertas sobre uma reversão democrática costumam ter ressonância profunda em El Salvador, que ainda possui feridas abertas de uma guerra civil que terminou em 1992, após 12 anos, deixando pelo menos 75 mortos e 8 mil desaparecidos. Os militares são acusados de cometer vários massacres e outros abusos nesse período.

Na tentativa de solucionar o impasse, o diretor da Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos (PDDH), José Apolonio Tobar, defendeu o diálogo e se ofereceu como mediador para a crise entre os poderes.

O vice-diretor do Instituto de Direitos Humanos da Universidade Centro-americana José Simeón Caña (IDHUCA), Manuel Ernesto Escalante, diz que há uma semana se vê uma "espécie de bullying político" no país: "O Executivo, sem esgotar as vias pacíficas e legais que estabelece nosso sistema jurídico, foi intimidar o Congresso para a aprovação de um empréstimo."

Escalante considera que a manobra traz riscos aos avanços democráticos do país. Ele ressalva, porém, que dizer que o presidente ultrapassou os limites da sua função não significa automaticamente que o Congresso esteja atuando bem.

"Dentro do Parlamento, há dívidas enormes, e também uma enorme irresponsabilidade com a manipulação do uso do voto para pressionar outros órgãos do Estado, não somente o Executivo. A atual situação não surgiu espontaneamente, mas é um processo ocorrido nos últimos meses pela ausência do diálogo, e o Congresso tem muita responsabilidade nisso."

Para o especialista, o uso, por Bukele, da população contra os partidos políticos ocorre devido ao aumento da insegurança, sobretudo, num momento em que foi comprovada a negociação entre legendas e quadrilhas. O especialista afirma que o Judiciário terá um papel importante em investigar essas conexões, envolvendo não só siglas tradicionais, mas também integrantes do atual governo.

Escalante destaca ainda o papel da Polícia e das Forças Armadas na crise. "Essas duas instituições têm um enorme conflito de interesses porque serão beneficiadas diretamente pelo empréstimo em discussão. Não é que elas apoiem o presidente, mas estão cuidando dos próprios interesses, e isso também pode ser uma traição da vontade geral, principalmente se acrescentarmos que ambas as instituições têm gastos secretos e que não estão sendo transparentes no uso de recursos."

Apesar do impasse, o Congresso se dispôs a discutir o controverso empréstimo numa sessão extraordinária convocada pelo presidente do Parlamento. Ponce assegurou que não cederá à "ameaça" de Bukele.

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