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HistóriaAlemanha

A trágica jornada de crianças para fugir do Holocausto

Austin Davis | Marina Strauss
10 de julho de 2019

Poucos meses antes de eclodir a Segunda Guerra, milhares de crianças judias foram levadas da Alemanha nazista à Inglaterra. Oitenta anos depois, sobreviventes se reúnem para refazer a viagem dolorosa – e ainda relevante.

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Três crianças judias aguardam em estação de trem em Londres para serem buscadas por seus responsáveis
Três crianças judias aguardam em estação de trem em Londres após viagem no chamado "Kindertransport"Foto: Getty Images//Stephenson

Ralph Mollerick nunca esquecerá aquele dia frio em dezembro de 1938, quando ele e sua irmã embarcaram num trem em Hamburgo rumo à Inglaterra com poucos pertences, mas muitas perguntas.

"Lembro como se fosse ontem. A primeira coisa que disse à minha irmã foi: 'Onde estão nossos pais?'", conta Mollerick em entrevista à DW.

A irmã dele, então com 17 anos, tentou acalmar os nervos do caçula. Ela explicou que os pais se juntariam a eles na Inglaterra em três meses e, de lá, a família seguiria para os Estados Unidos, com o objetivo de começar uma nova vida.

"Eu sempre pensei neles, e que eles viriam [nos encontrar]", diz Mollerick, que tinha apenas oito anos na época. "Mas eles nunca fizeram isso. Eles não conseguiram."

Mollerick foi uma das 10 mil crianças, a maioria judias, transportadas da Alemanha nazista para a Inglaterra entre dezembro de 1938 e setembro de 1939, num esforço de resgate conhecido como Kindertransport (transporte de crianças, em alemão).

Para lembrar os 80 anos do episódio, Mollerick e vários outros sobreviventes, além de suas famílias, estão refazendo a trágica jornada que milhares de pessoas fizeram e confrontando a história que continua tendo relevância até hoje.

Kindertransport

Depois que Adolf Hitler tomou o poder em 1933, o governo britânico e outras potências ocidentais restringiram a maior parte da migração da Alemanha nazista e de seus territórios ocupados.

Mas o encarceramento em massa de 30 mil judeus, o assassinato de 91 outros e a destruição de milhares de sinagogas e empresas judaicas em 9 de novembro de 1938 – episódio conhecido como a "Noite dos Cristais" (Kristallnacht) – deram indícios aos governos estrangeiros das intenções dos nazistas em relação aos judeus, afirma a Agência Federal para a Educação Política (BPB, em alemão).

Sob pressão de organizações de ajuda humanitária e de um público solidário, o governo britânico levantou prontamente as restrições de visto e de passaporte para crianças judias e para outros menores de 17 anos que estavam sob perseguição.

Contudo, Londres estabeleceu que meios privados deveriam ser usados para financiar o transporte e as acomodações para todos os recém-chegados. Além disso, pais não foram autorizados a acompanhar seus filhos na viagem.

Mollerick: "É a minha tarefa ensinar como era a vida naqueles tempos"
Mollerick: "É minha tarefa ensinar como era a vida naqueles tempos"Foto: DW/S. Eichberg

De acordo com os Arquivos Nacionais Britânicos, organizações de ajuda humanitária entraram em ação e, três semanas após a "Noite dos Cristais", tomaram todas as providências necessárias para garantir o transporte.

Os trens começaram a chegar às estações britânicas em dezembro de 1938, embora a maioria das crianças, como Mollerick, não tivesse a menor ideia do que estava reservado a eles após a chegada – ou do destino trágico de seus pais.

"Em 1942, eu recebi um cartão da Cruz Vermelha Internacional afirmando que meus pais 'foram vítimas do Holocausto e que nós lamentamos em dizer que eles foram assassinados'", conta Mollerick. "Foi isso."

Refazendo a jornada

Quase oito décadas já se passaram desde o início da Segunda Guerra na Europa, em setembro de 1939. Com o começo dos conflitos, o Kindertransport foi suspenso.

Todo esse tempo não anestesiou a dor que crianças e suas famílias carregam até hoje, afirma Melissa Hacker, presidente da Associação Kindertransport, uma organização sem fins lucrativos de Nova York que ajuda a reunir refugiados do Holocausto e seus descendentes.

Mas auxiliar uma comunidade de pessoas com o mesmo trauma e continuar a educar outras sobre as tragédias do Holocausto dá um propósito a essa dor, conta Hacker. "Devemos a nós mesmos e ao mundo tentar fazer uma mudança positiva."

É por isso que Hacker, cuja mãe foi uma das crianças transportadas a partir de Viena, sentiu-se motivada a organizar uma viagem especial à Europa nos 80 anos do resgate. Até domingo (14/07), quatro sobreviventes e mais de uma dúzia de familiares relembram suas viagens rumo a um lugar seguro – de Viena para Berlim, passando por Amsterdã e, finalmente, Londres.

Para sobreviventes como Mollerick – que emigrou para os Estados Unidos e trabalhou para a Nasa (a agência espacial americana) –, fazer essa viagem significa que memórias difíceis voltarão à tona.

Mas, com o antissemitismo na Alemanha e na Europa mais uma vez em ascensão, ele considera mais importante do que nunca mostrar aos outros o que sofreu e, assim, aumentar a conscientização.

"É difícil para um pai mandar seus filhos embora como um último presente de amor – essa é a paixão que eu carrego adiante", afirma Mollerick. "É minha tarefa agora ensinar e dizer aos estudantes como era a vida naqueles tempos."