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Acordo com Cade pode não livrar Siemens de punição, diz procurador

Fernando Caulyt13 de setembro de 2013

Mesmo com acordo, executivos da multinacional podem ser processados criminalmente pelo MP, diz subprocurador-geral da República Carlos Eduardo Vasconcelos. Caso pode ir para o STF e ameaça virar imbróglio jurídico.

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Foto: picture-alliance/dpa

Apesar de ter se beneficiado de um acordo de leniência – ou “delação premiada” – com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), os executivos da Siemens podem não ficar livres da punição criminal pelo cartel realizado em São Paulo e Distrito Federal para inflar contratos do setor metroferroviário.

Essa é a opinião do subprocurador-geral da República Carlos Eduardo Vasconcelos. Em entrevista à DW, ele afirma que, para a Siemens escapar de punição, é fundamental o aval do Poder Judiciário ao acordo. Segundo ele, se considerar necessário, o Ministério Público poderá processar criminalmente os autores do eventual delito.

O acordo está sendo conduzido sob sigilo. Mas informações como a de que o governo de São Paulo entrou, paralelamente, com uma ação contra a Siemens para buscar um ressarcimento pelos prejuízos causados pelo cartel dão indícios de que o caso pode virar um imbróglio jurídico. "A discussão poderia terminar no Supremo Tribunal Federal (STF)", afirma Vasconcelos.

Deutsche Welle: Mesmo beneficiada pelo programa de “delação premiada”, a Siemens ainda pode ser punida pela Justiça brasileira?

Carlos Eduardo Vasconcelos: O Cade não tem poder para aplicar sanções criminais, assim como não tem para perdoá-las ou reduzi-las. Se o fizer, a discussão poderia terminar no Supremo Tribunal Federal (STF), que é nossa Corte Constitucional. A Constituição reserva ao MP o monopólio do exercício da ação penal pública. E só o Judiciário pode condenar ou absolver alguém acusado de crime em uma ação penal.

Isso pode gerar um impasse no caso...

A única forma de se contornar a controvérsia sobre a constitucionalidade do perdão pelos eventuais crimes dessas empresas ou seus executivos seria a realização de um acordo de delação premiada com o Ministério Público, federal ou estadual, conforme o caso, mediante o qual elas se comprometessem a colaborar com a investigação criminal. Se esse acordo for homologado pelo juiz competente, aí sim poderia haver uma premiação para os delatores na esfera criminal, que vai desde uma redução de pena ao perdão completo, mas não porque o Cade perdoou, e sim porque o Judiciário entendeu que a colaboração merecia uma premiação.

E como seria esse aval do MP?

Para haver de fato essa "premiação" é preciso que o Ministério Público entenda como necessária a colaboração/delação. Se ele dispuser de provas que a tornem dispensável, ele não aceitará o acordo e poderá processar criminalmente os autores do eventual crime, mesmo que eles tenham colaborado com o Cade.

Há quem questione até a constitucionalidade do acordo de delação premiada.

O Cade é uma entidade reguladora criada por lei para prevenir e reprimir infrações contra a ordem econômica e zelar pelos princípios constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade e defesa dos consumidores. É nossa "autoridade antitruste". As atividades típicas do Cade, como a celebração dos controvertidos "acordos de leniência", inserem-se perfeitamente na esfera de suas atribuições.

O que poderia ter sua constitucionalidade questionada, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), é a celebração e o cumprimento desses acordos: a extinção da punibilidade de infrações penais, sem a anuência do Poder Judiciário. Nesse sentido, o Cade acaba usurpando uma função do Poder Judiciário, embora sem suas características próprias e a despeito de integrar o Poder Executivo.

Houve erros em relação ao acordo fechado pela Siemens?

Não conheço os termos do acordo celebrado pela Siemens com o Cade. Ele está supostamente em segredo. A princípio, não há por que rotulá-lo de ilegal, inconstitucional ou taticamente errado para qualquer dos pactuantes. Geralmente é uma equação ganha-ganha. O que poderia ser questionado nos tribunais é a constitucionalidade do efeito de impedir a acusação penal e extinguir a punibilidade de eventuais crimes sem a participação do Poder Judiciário.

As informações dos meios de comunicação são desencontradas quanto à participação ou ao acesso dos diversos ministérios públicos nos acordos de leniência. Ora dizem que foram celebrados com a "concordância" do MP, ora dizem que alguns promotores ou procuradores estão "tentando" ter acesso às provas resultantes do acordo, ora noticiam a existência de procedimentos investigatórios no âmbito do MP, geralmente tendentes ao oferecimento de ação civil pública.

A única forma de os funcionários e dirigentes das empresas que celebram acordos de leniência terem suas penas criminais perdoadas, diminuídas ou mitigadas seria a celebração de um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, sujeito a homologação pelo juiz competente. Disso não há registro explícito, até agora, nos meios de comunicação.

O caso pode ficar impune?

Vários cenários seriam possíveis, exibindo mais uma vez a insegurança jurídica que caracteriza boa parte das leis brasileiras e de sua interpretação pelos tribunais. A só previsão do acordo de leniência ou da delação premiada constitui um saudável fator que introduz insegurança no âmbito das organizações criminosas, dos cartéis, dos fraudadores do patrimônio público. Mas a insegurança jurídica, neste caso específico, vai mais além.

Como será que os Ministérios Públicos e os tribunais vão interpretar os acordos de leniência? Vão passar um cheque em branco para órgãos administrativos e simplesmente chancelar o perdão que eles concederem? Num enfoque estritamente técnico, há fortes argumentos em favor da inconstitucionalidade do efeito extintivo da punibilidade do acordo de leniência. Mas não seria surpreendente que o STF optasse por um "constitucionalismo pragmático" e prestigiasse o acordo do Cade, também para o efeito de perdoar eventuais crimes. Mas enquanto a matéria não chegar ao STF, haverá um vácuo de incerteza jurídica que não é saudável para o estado de Direito.

Carlos Eduardo Vasconcelos
Para o subprocurador-geral Carlos Eduardo Vasconcelos, caso pode ir até mesmo ao STFFoto: Antônio Augusto/PGR