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Os idosos do reduto hipster em Berlim

Leah McDonnell, de Berlim (ip)5 de agosto de 2014

Jovens descolados e estrangeiros são hoje maioria em Prenzlauer Berg. Os poucos moradores antigos que restam lembram-se com nostalgia dos tempos em que os vizinhos se conheciam e mudar-se dali não era uma opção.

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Frequentadores do centro comunitário para a terceira idade HerbstlaubeFoto: Kirstin Wulf

O bairro berlinense de Prenzlauer Berg está cheio de cafés equipados com WiFi, pré-escolas que aplicam o método Montessori, estúdios de yoga e mercearias orgânicas. Com seus designs elegantes, bicicletas e carrinhos de bebê lotam as calçadas, enquanto automóveis compactos e ecológicos formam filas nas ruas de casas renovadas.

Prenzlauer Berg é o centro hipster da Alemanha, uma moderna Meca metropolitana para abastados habitantes urbanos de todo o mundo. Mas nem sempre foi assim. Até a queda do Muro de Berlim, em 1989, o bairro era apenas mais um entre vários de Berlim Oriental. Servia de morada para operários que viviam em condições duras e de forma simples, entregues aos seus destinos devastados pela guerra e respeitando os ditames do regime comunista.

Quando se conversa com idosos nativos do bairro, não há nenhuma amargura em seus relatos, apenas um estranho carinho pelo passado e pela única constante em suas vidas – Prenzlauer Berg. Hoje, o bairro em si é aquilo com o que a maioria mais se identifica – o lugar onde a vida deles começou, desenrolou-se e, se tiverem sorte, onde terminará.

Lar doce lar

Gerda Ohst, de 92 anos, viveu em Prenzlauer Berg durante toda a sua vida. Ela sobreviveu a dois maridos e seus filhos já são idosos. Quando tinha quatro anos, seus pais se mudaram para Nova York, e, como muitos de sua geração, Ohst foi criada pela avó.

Senioren in Berlins Prenzlauer Berg Gerda Ohst
Para moradores como Gerda Ohst, de 92 anos, deixar o bairro nunca foi uma opçãoFoto: J. Schwendrat

Ela conta de seus casamentos, de seu emprego numa fábrica de tecidos e sobre como sua mãe voltou de surpresa a Prenzlauer Berg quando Ohst tinha 17 anos de idade. “Meu pai tinha morrido e ela queria me levar para casa em Nova York. ‘Casa?', perguntei. ‘Prenzlauer Berg é minha única casa.' E, então, ela voltou sozinha.”

Ao ouvir histórias como a de Ohst, fica fácil entender o apego dessa geração ao entorno físico. Para eles, mudar-se era raramente uma opção e, quando acontecia, geralmente significava a perda de uma rede social e de uma comunidade intimamente interligada.

“Não é a mesma coisa”

Nos dias de hoje, os poucos idosos nativos que restaram em Prenzlauer Berg se reúnem no centro comunitário para terceira idade Herbstlaube. Alguns anos atrás, 200 frequentadores começaram a se encontrar no local para almoçar, fazer tricô ou jogar minigolfe juntos.

Restam apenas 20 membros do Herbstlaube original. Uma dos mais “jovens”, Christa Seeger, de 70 anos, recorda o Prenzlauer Berg de sua juventude. “Naqueles tempos, todos no bairro se conheciam. Você podia pedir uma xícara de açúcar ou algumas colheres de café para o vizinho. Famílias moravam na mesma casa por décadas, e as novas gerações cresciam juntas", lembra.

"Hoje, meus vizinhos se mudam com tanta frequência que não existe chance de se estabelecer uma verdadeira conexão", considera. "Claro que todos são solícitos e amigáveis e eu tenho uma boa relação com meus vizinhos. Mas não é a mesma coisa.”

Seeger nasceu em Berlim e nunca viajou para longe. “Ver outros lugares nunca me interessou muito, e agora o mundo vem até mim! Hoje, três em cada quatro dos meus vizinhos são estrangeiros,” diz.

Em outros tempos, ouvia-se em Prenzlauer Berg o duro e homogêneo dialeto de Berlim Oriental. Agora, Seeger ouve muitas línguas estrangeiras e encontra pessoas de diferentes culturas diariamente nas ruas. “De qualquer forma, se tem algum lugar que quero ver, posso fazer isso pela internet”, completa.

Senioren in Berlins Prenzlauer Berg Christa Seeger
"Hoje, meus vizinhos se mudam com tanta frequência que não existe chance de se estabelecer uma verdadeira conexão", diz Christa SeegerFoto: J. Schwendrat

Atualmente, seus problemas de mobilidade são mais locais. “Meus filhos vão me comprar o Rolls Royce dos andadores para que eu possa percorrer os paralelepípedos e meios-fios com mais facilidade,” diz.

Desenraizado e deslocado

Dizem que lar é onde está o coração. E talvez seja justamente por isso que um dos frequentadores do centro Herbstlaube não se sente tão em casa assim em Prenzlauer Berg. Egbert Haugwitz, de 85 anos, é de Hanover. Seus filhos moram em Berlim e, quando ele precisou de maiores cuidados, o trouxeram para cá.

Haugwitz trabalhou no setor de construção durante toda a vida. Ele é facilmente levado às lágrimas ao lembrar-se de sua mulher, sua cirurgia no quadril ou uma visita de seus netos. Mas enquanto suas necessidades físicas são atendidas na capital alemã, ele foi arrancado de sua conexão física com suas memórias.

Há um ditado berlinense que diz: “Altwerden ist nicht für Weicheier,“ que significa algo como “Ficar velho não é para os fracos”. É preciso força para ver o seu meio e todas as memórias conectadas a ele desaparecerem.

Nos últimos 25 anos, os nativos de Prenzlauer Berg viram sua vizinhança se transformar num lugar que eles não reconhecem mais – e, ainda mais importante, num lugar que não os reconhece mais. Eles são estranhos invisíveis nas ruas que antes eram deles.

Como idosa, Seeger está deslocada em sua própria vizinhança, que agora se adapta aos hipsters e moderninhos. Mas quando perguntada se isso a incomoda, ela dá de ombros, recusando-se a perder tempo com coisas negativas.

A capacidade de apreciar a vida e explorar a alegria que se encontra em cada situação é o que é mais chama atenção na geração que envelhece em Berlim. É uma habilidade que os mais velhos precisaram conservar durante o tumultuoso último século em Berlim – e que seus novos vizinhos seriam espertos se adotassem.