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Afinal, quem desarma as bombas da Segunda Guerra Mundial?

Nancy Isenson
Publicado 5 de julho de 2019Última atualização 5 de julho de 2019

A vocação do alemão Horst Lenz é desarmar bombas lançadas sobre a Alemanha na Segunda Guerra. Chamado cerca de mil vezes por ano para desativar artefatos, ele segue a Lei de Murphy: se algo tiver que dar errado, vai dar.

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Especialistas retiram bomba desativada em Mainz, no final de 2014
Especialistas retiram bomba desativada em Mainz, no final de 2014Foto: picture-alliance/dpa/F. von Erichsen

Entre 1940 e 1945, cerca de 2,7 milhões de toneladas de bombas foram lançadas por forças americanas e britânicas na Europa, sendo metade delas na Alemanha. Das cerca de 250 mil bombas que ainda não explodiram, milhares ainda estão escondidas debaixo da terra em todo o país.

Horst Lenz desarma bombas desde 1984. O diretor do Serviço de Remoção de Explosivos do estado alemão da Renânia-Palatinado e sua equipe formada por 15 pessoas são chamados quando bombas são encontradas em toda a região.

No ano passado, eles encontraram 35 toneladas de munições e partes de munições, incluindo 63 bombas não detonadas, 319 dispositivos incendiários, 11 minas antitanque, 444 granadas e 5.045 quilos de balas.

Em entrevista à DW, Lenz explica como exerce sua arriscada profissão.

DW: Que tipo de treinamento é necessário ter para desarmar bombas?

Horst Lenz: Para começar o treinamento, é preciso acompanhar profissionais por muito tempo e, em seguida, se você tiver uma situação pessoal adequada, nós oferecemos treinamento. Eu fiz meu treinamento no Exército alemão em Meppen [cidade localizada na Baixa Saxônia].

Que qualidades são necessárias?

É uma vantagem se você tiver estudos [técnicos ou universitários] relacionados à metalurgia, ou seja, engenharia mecânica, engenharia metalúrgica ou produção de ferramentas. Isso é muito bom, já que você tem que ser capaz de ler desenhos técnicos para entender os processos no âmbito das instruções ou do sistema de ignição, conforme o caso.

O senhor também deve ser bastante calmo e ser capaz de manter a cabeça fria.

Sim, "Rambos" não têm lugar aqui.

Como a sua família reagiu quando você decidiu exercer essa profissão?

Eu diria que houve sentimentos misturados. É uma coisa muito boa quando você encontra uma profissão que sente que é sua vocação, é como se você tivesse ganhado na loteria. Eu gosto de dizer que metade do tempo de uma pessoa é gasto no trabalho, se você subtrair as férias e fins de semana, e é um longo tempo que você tem que gastar fazendo alguma coisa ou outra. E, depois, há a questão de saber se você faz algo por interesse ou simplesmente para ganhar dinheiro. Para mim, é uma questão de interesse.

Eu dificilmente posso imaginar que alguém faça tal trabalho simplesmente por causa do dinheiro, já que ele é tão perigoso.

Toda profissão técnica envolve riscos. Eu acho que a probabilidade de ser morto como um motorista de caminhão não é menor do que em minha profissão. Acho que depende da forma como se encara a maneira como se morre: como caminhoneiro, é banal; em nossa profissão, é 'exótico' – é exótico, em 2019, quando alguém é morto ou gravemente ferido por manusear munições de uma guerra que chegou ao fim há 74 anos. Todos os dias há mortes em todas as profissões técnicas. Se tivermos isso em mente, podemos lidar com isso mais facilmente.

O trabalho mudou sua atitude em relação à vida?

Acho que sim. Eu aprendi a repensar cada passo que dou com muita frequência, e não se espera, necessariamente, decisões rápidas e impulsivas. Você deve reconsiderar repetidamente cada passo que dá: estou fazendo algo que não me dá a possibilidade de voltar atrás? Rapidamente, pode-se criar uma situação que não pode ser mais revertida, e então as coisas acontecem de acordo com a Lei de Murphy: se for para algo dar errado, vai dar.

Lenz diz que aprendeu a repensar cada passo que dá
Lenz diz que aprendeu a repensar cada passo que dáFoto: picture-alliance/dpa/T. Frey

Após todos esses anos desarmando bombas, que casos o senhor destacaria?

Sim, havia uma bomba em Mainz (cidade a cerca de 40 quilômetros a sudoeste de Frankfurt, no centro da Alemanha), e nós tentávamos desarmar a ignição com um dispositivo de destruição de bombas por controle remoto, já que estava à mão. Porém, ele falhou. Então, eu tive que ir até lá e desmontar aquele artefato extremamente pesado para ver qual era a situação. Enquanto eu o desmontava, ouvi um barulhinho, um tipo de clique. 

Assim que tirei aquela coisa de cima – um dispositivo que cobria tudo para ninguém poder poder ver a ignição –, nós desmontamos a ignição e ficou claro que, durante a tentativa fracassada ou enquanto eu tentava desmontar o dispositivo, ele havia sido acionado. Se tudo tivesse funcionado corretamente, nós não estaríamos falando hoje um com o outro.

O senhor é cético em relação a robôs.

É isso que eu quero dizer: dispositivos de eliminação de bombas controlados remotamente. Há uma confiança excessiva na tecnologia, o que, ao meu ver, é um erro nesta profissão. Na maioria dos casos que vi até agora, [robôs não são] nem mesmo uma melhoria da segurança, porque a implementação deles é muito complexa. A ideia é minimizar a quantidade de tempo gasto em uma área perigosa, mas isso leva pelo menos o mesmo tempo quando você faz isso manualmente e, na maioria dos casos, significativamente mais tempo.

O senhor fica sob estresse constante. Como gerencia isso?

Não, nada disso. Eu estou em paz. Não significa que não me importo com o que pode acontecer, é que eu posso avaliar relativamente bem o que está na minha frente, onde estão os perigos potenciais, e isso é cerca de 99% do que é necessário para fazer o trabalho. E depois há outra pequena coisa que algumas pessoas gostam de ignorar hoje em dia: acredito em Deus e acho que ele me protegeu em inúmeras ocasiões.

O senhor deve ter tido medo quando começou. Ainda tem medo às vezes?

Não tenho medo no sentido de pânico. O medo é uma coisa positiva. Na verdade, "preocupação" é o termo mais apropriado, porque medo é algo que pode deslizar para o campo emocional, são tomadas medidas que já não são lógicas – e isso não pode acontecer. [Há] apreensões, desconfiança e o fato de sempre perguntar a si mesmo: o que estou fazendo é sensato, é adequado ou precisamos reajustar alguma coisa em um lugar ou outro? [Isso é bom.]

O calor extremo aumenta a probabilidade de uma bomba detonar?

Uma detonação é um processo físico-químico: uma onda de choque é colocada em movimento e o material explosivo é estimulado para ser detonado. Uma vez que a química entra em jogo, um aumento de cerca de 10ºC aumenta a sensibilidade até certo ponto. As reações ocorrem mais rapidamente quanto mais quentes são as substâncias.

É por isso que as munições devem ser protegidas da luz solar direta. Mas isso nem sempre pode ser evitado. Se o sol reluz sobre um explosivo, podem ocorrer mudanças [químicas] que podem levar a uma autodetonação. Há um caso em que isso acontece todas as vezes: munições que são carregadas com fósforo branco. Todos os anos, quando começa a aquecer, há casos de autodetonação desses artefatos.