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'Alemanha terceira classe'

19 de maio de 2009

"Os pobres alemães seriam nababos em Calcutá. Só que eles vivem aqui." Três autores examinam a vida nas classes baixas de um dos países mais prósperos da Europa. Onde a pobreza não é tanto fome, mas sim exclusão social.

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Coletores de garrafas: uma imagem cada vez mais comum na AlemanhaFoto: picture-alliance / KPA

A autora Eva Müller ainda se mostra tocada pelas vivências recolhidas durante a pesquisa sobre um meio social que ela antes só conhecia do jornal. Um breve exemplo: uma garotinha de 11 meses de idade que não possui em casa nada com que possa brincar. Só uma garrafa plástica vazia, que faz rolar pelo apartamento. Segundo a mãe, "já é o bastante".

"Algumas semanas mais tarde, ela estava com o bebê no jardim-de-infância, onde havia uma dessas piscinas cheias de bolinhas coloridas. Quando a criança se viu lá dentro pela primeira vez, parecia que ia explodir. Eram tantas novas impressões sensoriais de uma só vez, finalmente perceber as formas, se mover. Essa foi uma vivência decisiva, sim."

Em colaboração com Julia Friedrichs e Boris Baumholt, Eva Müller acaba de lançar o livro Deutschland dritter Klasse. Leben in der Unterschicht (Alemanha de terceira classe. A vida nas camadas inferiores).

Ao lado do destino do bebê negligenciado, o livro conta a história de um casal de desempregados que passa o dia assistindo a talk shows na TV. E de um vigia que só consegue sobreviver com a ajuda financeira da filha. Ou da aluna de uma escola especial para adolescentes com deficiências de aprendizado, para quem o fim da vida colegial nada promete além de desemprego.

Poderosos de amanhã e a terceira classe

Em 2008, a jornalista Julia Friedrichs (nascida em 1979) ficou famosa da noite para o dia na Alemanha com o best-seller Gestatten: Elite. Auf den Spuren der Mächtigen von morgen (Com licença: elite. Nos rastros dos poderosos de amanhã), no qual, de forma crítica, dissecava a classe superior do país.

Em Alemanha de terceira classe ela e seus co-autores se mantêm fiéis à abordagem social. No prefácio do livro, o jornalista Heribert Prantl lembra: "Na Alemanha, 1,9 milhão de pessoas ganha cinco euros ou menos por hora. Em nenhum outro país da União Europeia há tantas pessoas trabalhando por um subsalário quanto na Alemanha".

O redator do jornal Süddeutsche Zeitung traz à tona um ponto controverso: "A Alemanha é um país rico, e apesar disso há muita pobreza. É certo que os pobres alemães seriam nababos em Calcutá, Lagos, Cartum ou Dacar. Mas eles não vivem nesses lugares, eles vivem aqui".

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Mapa da pobreza na Alemanha em 2007: números indicam a porcentagem de cidadãos que vivem no limite ou abaixo do nível de pobreza alemão

Fome e exclusão

Outro exemplo é Heidemarie Danzer. Aos 57 anos, a mulher de cabelos pintados de vermelho entrega comida para pessoas da terceira idade em Berlim. Sua remuneração é de 3,68 euros por hora, o que mal dá para comprar dois pães. Por sorte, o marido também contribui para manter o orçamento.

A pobreza atinge mais duramente as mães solteiras, ressalta Eva Müller. "Há crianças que têm fome. Não pelos mesmos motivos que em outros países, ou seja, por faltar comida. Mas algumas crianças não recebem alimento suficiente. É preciso fazer algo a respeito."

Seu colaborador Boris Baumholt descreve um outro aspecto da situação. "Pode ser que eu não esteja morrendo de fome, mas não tenho como participar dessa sociedade. Esse é, creio eu, o ponto decisivo."

Escolhendo os termos

Os três autores de Alemanha de terceira classe detectam exatamente aí o problema. Lado a lado com a classe média – que continua, apesar de tudo, ainda bastante saciada de bem-estar – desenvolveu-se na margem inferior da sociedade alemã uma forma de vida própria. Ela tem suas próprias escolas especiais, seus próprios mercados superbaratos, sua própria língua.

O termo "camada inferior" (Unterschicht), adotado por Müller, Baumholt e Friedrichs, é tabu no país. Soa demais como discriminação social, estigmatização de toda uma camada da população. Eva Müller esclarece:

"Discutimos longamente sobre que termos usar. Falamos de 'precariado [proletariado precário] excluído', de 'nova pobreza', de 'classe inferior'? Esse último nos pareceu, no fim das contas, simplesmente o mais explícito e claro. Foram sobretudo as próprias famílias que o sugeriram. Elas se veem como classe baixa e dizem: 'Somos nós a camada inferior, quem é que vai ser, se não nós?'".

"Hartz IV", o estigma

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Peter Hartz: seu nome virou quase um insultoFoto: AP

Eva Müller conta de uma escola especial onde, em vez de se oferecer formação profissional, se prepara os jovens para uma vida de desempregado. Como tarefa escolar, os professores por vezes mandam os alunos comporem o café da manhã mais econômico possível, a partir do folheto de publicidade de um supermercado barato.

Quem fica desempregado por mais de um ano na Alemanha recebe do Estado cerca de 350 euros por mês. Desde 2005, há um novo rótulo para isso: as pessoas não mais recebem "ajuda social", mas sim "Hartz IV". Essa previdência mínima recebeu o nome do cabeça da comissão encarregada de reduzir à metade o desemprego no país. Incumbência esta em que fracassou fragorosamente.

Boris Baumholt comenta: "Não é que em 1º de janeiro de 2005 se tenha inventado a pobreza. Ela já existia antes. Todo mundo sabe hoje em dia: 'Hartz IV' é uma espécie de carimbo".

Autores: Richard Fuchs/Björn Kern
Revisão: Rodrigo Abdelmalack