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Direitos humanosAfeganistão

Alemanha quer suspender ajuda humanitária ao Afeganistão

29 de dezembro de 2022

Após o Talibã proibir mulheres de trabalhar para ONGs, organizações humanitárias alemãs interromperam seus trabalhos em solo afegão, e governo do país europeu também sinaliza reação.

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Mulheres e crianças afegãs aguardam tratamento em um centro de saúde
O Talibã está impondo cada vez mais restrições à vida de mulheres e meninas no AfeganistãoFoto: Bilal Guler/AA/picture alliance

O governo alemão planeja suspender a ajuda financeira ao Afeganistão. A decisão ocorre após o Talibã proibir as mulheres de trabalhar para ONGs no país.

Anunciada em 24 de dezembro, a proibição do Talibã levou muitas organizações humanitárias a interromperem suas atividades no Afeganistão, sob a justificativa de que suas funcionárias são essenciais para o trabalho que realizam.

"Ao proibir o emprego de mulheres em organizações não governamentais, o Talibã no Afeganistão desferiu um golpe irresponsável contra a ajuda ao povo afegão", disse a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, em comunicado. "Sem funcionárias mulheres, as organizações não podem continuar seu trabalho em muitas áreas para metade da população."

Diante dessa "situação completamente nova", como Schulze a descreveu, seu ministério e o Banco Mundial decidiram convidar as partes interessadas do Fundo Fiduciário de Reconstrução do Afeganistão, que coordena a ajuda internacional ao país, para discutir se e como continuar os esforços humanitários no país.

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock — uma forte defensora da "política externa feminista" — também expressou sua condenação ao Talibã. "Não vamos aceitar que o Talibã faça da ajuda humanitária um joguete em seu desprezo pelas mulheres", tuitou. "Eles estão roubando outro direito básico da metade da população, quebrando os princípios humanitários e colocando em risco uma assistência humanitária vital."

Papel essencial

O Órgão de Coordenação da Agência para Alívio e Desenvolvimento Afegão (ACBAR, na sigla em inglês), uma organização guarda-chuva para 183 grupos de ajuda locais e internacionais, disse que muitos de seus membros já suspenderam as operações e que "é necessária maior clareza para uma medida tão drástica". Segundo a entidade, "o diálogo com as autoridades será perseguido".

A ONG alemã Welthungerhilfe (WHH), ativa no Afeganistão desde 1980, disse que também suspendeu seu trabalho e alertou que a última medida do Talibã teria "um efeito catastrófico" em todos os programas de ajuda.

O secretário-geral da WHH, Mathias Mogge, disse ter recebido 12 milhões de euros do governo alemão neste ano para distribuição de alimentos e trabalho humanitário no Afeganistão, e que a decisão do Talibã o coloca diante de um dilema. "Espero que esta seja apenas uma situação temporária e que possamos voltar ao nosso trabalho", disse ele à DW.

Ele acrescentou que trabalhadores humanitários do sexo masculino sozinhos não têm chance de realizar o trabalho da WHH.

"Nenhum homem tem permissão para acessar as residências. Portanto, sem uma equipe feminina, é quase impossível alcançar as pessoas mais vulneráveis da comunidade, e são mulheres que geralmente ficam confinadas em suas casas", disse ele.

"As trabalhadoras humanitárias podem ver quantas mulheres vivem em uma casa, verificar que tipo de situações críticas existem: há crianças doentes? Há mulheres grávidas? Elas coletam muitas informações extremamente importantes para que possamos ter uma resposta adequada."

Mogge disse que a situação já era difícil o suficiente para as trabalhadoras humanitárias da WHH no país, muitas das quais são cidadãs afegãs. "As mulheres estão sujeitas a assédio, controles desnecessários ou são presas", conta. "As mulheres também precisam estar sempre acompanhadas de um homem."

Situação humanitária deplorável

Mais de um ano após o Talibã ter retomado o controle do Afeganistão, a situação humanitária no país continua catastrófica. Segundo a WHH, 28,3 milhões de pessoas, mais de dois terços da população, dependem de ajuda humanitária. Pelo menos 20 milhões estão ameaçados de fome.

De acordo com o Ministério Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ), a Alemanha é há muito tempo o segundo maior doador para o Afeganistão, depois dos Estados Unidos, contribuindo com até 430 milhões de euros anualmente.

Stefan Recker, representante do Afeganistão para a organização de ajuda alemã Caritas, disse que ainda não está claro o que a declaração da ministra Schulze implicaria, uma vez que o governo alemão sequer coopera oficialmente com o Talibã para fornecer ajuda ao desenvolvimento. Mas ele afirma que há alguma ajuda financeira do governo alemão que pode ser congelada por enquanto.

Recker explicou que a Caritas havia dito a todas as suas funcionárias que não viessem trabalhar depois que o decreto foi anunciado, por razões de segurança. Mas ele também sugeriu que muito do trabalho de ajuda poderia continuar apesar da proibição, que não se aplica a projetos médicos. Recker disse que a Caritas, que se concentra na ajuda de emergência em vez da ajuda ao desenvolvimento, manterá seus três programas de ajuda médica funcionando.

Ele também disse que algumas organizações teriam mais facilidade para pausar as atividades do que outras, como aquelas que, por exemplo, distribuem sementes, as quais precisam ser semeadas em um momento específico.

Muito do trabalho da Caritas poderá continuar de uma forma ou de outra, de acordo com Recker. "Cerca de 80 mil pessoas dependem desse trabalho, não podemos simplesmente abandoná-lo", disse ele à DW de seu escritório em Cabul. "Pausar o trabalho é possível, mas não podemos simplesmente parar indefinidamente."

Sobre a situação geral após um ano e meio de domínio do Talibã, Recker se diz cautelosamente otimista. "A situação era muito mais deplorável em dezembro passado", disse ele. "Há um ano, todos pensavam que o país entraria em colapso total, as pessoas morreriam de fome nas ruas. Então, as organizações de ajuda internacional fizeram uma intervenção decisiva e impediram uma catástrofe total. Claro, devemos tentar ajudar o Afeganistão a se manter por conta própria. Mas como isso pode ser feito, não faço ideia."