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Alemanices: Sinceridade que dói

Karina Gomes
14 de abril de 2017

Encarar a sinceridade alemã pode machucar e causar desconforto. Mas dizer o que se pensa não é visto como falta de educação. É, na verdade, valorizado. Karina Gomes conta na coluna desta semana.

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Foto: colourbox

Sim é sim, não é não. Não há meias voltas, jeitinho ou delicadeza na hora de dizer o que se pensa. Doa a quem doer, um alemão vai dizer a verdade. Prepare-se para se machucar a qualquer momento. Se você fizer algo errado, eles vão dizer.

A sinceridade alemã pode soar falta de educação e lhe deixar completamente desconfortável, mas não significa nada mais do que ser direto. Não há tabus, a maioria dos alemães não guarda o que sente ou pensa para si mesmo.

Expressar opiniões, mesmo as que possam ferir alguém, são valorizadas e encaradas de forma positiva na Alemanha. No ambiente de trabalho, por exemplo, falar o que se pensa não é um problema, mas uma recompensa.

Não falar abertamente sobre um assunto (Um den heissen Brei herumreden, diz a expressão) conta como um ponto negativo. Não há intimidade, mas profissionalismo.

Karina Gomes, Journalistin der DW
A colunista Karina Gomes vive na Alemanha desde 2013Foto: privat

Num relacionamento amoroso, a vida também é "preto no branco" (Schwarz auf Weiss, em alemão). Não espere ouvir que sua roupa nova está bonita se ele ou ela realmente não achar. Perguntar sobre razões e motivos pode acabar num es ist so (É assim), algo como "Porque sim, Zequinha".

Talvez o mais desconfortável e intrigante seja perguntar "E aí, tudo bem? Como você está?" para um alemão. Se ele ou ela não estiver 100% naquele dia você pode ouvir a resposta "É, estou indo" (ja, es läuft). Ninguém vai fingir que tudo está bem somente para soar simpático.  

Pedir informação na rua também pode lhe deixar desapontado. É comum ouvir um "não sei" e ver a pessoa virar a cara sem fazer nenhum esforço para lhe ajudar a encontrar o local ou ao menos dar um sorriso e dizer "desculpe, não sei onde é". Nunca faça perguntas óbvias aos alemães. Small talk não é com eles.

Quando se trata de regras, ninguém hesita em dar bronca. Uma vez atravessei a rua com o sinal de pedestres fechado e ouvi do homem do outro lado: "Você está cega?". E quando esqueci o passaporte e nos deparamos com um controle de fronteira, minha amiga disse na lata: "Você é estúpida" (du bist blöd). Acho que ainda estou tentando me recuperar do "trauma da sinceridade".

Os berlinenses são os mais conhecidos pela sinceridade grosseira, principalmente devido ao dialeto da cidade, o Berliner Schnauze (o focinho de Berlim, em tradução livre). Fazer uma pergunta óbvia, como onde está algo que, na verdade, está na sua frente, pode levar à dura resposta: "Hast du keine Augen im Kopf?" (Você não tem olhos na cabeça?).

A sinceridade alemã é um estilo de vida. E como estrangeiro pode ser difícil no começo, no meio e talvez até no fim. Mas ajuda a amadurecer, encarar a realidade e ter relações mais transparentes. Sinceridade é também humor. Conquistar a amizade de um alemão leva tempo, mas quando acontece é sincera.

Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos em direitos humanos e sustentabilidade e vive há três anos na Alemanha.