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Angela Merkel fala sobre seu filme predileto

Bernd Sobolla (ca)19 de maio de 2013

A Academia Alemã de Cinema em Berlim convidou celebridades da política para falar sobre filmes que foram importantes em suas vidas. O filme predileto de Angela Merkel é uma produção da RDA, de 1973.

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Foto: Reuters/Fabrizio Bensch

À primeira vista, A lenda de Paul e Paula simplesmente relata uma história de amor. Mas já a estreia da obra do roteirista Ulrich Plenzdorf e do diretor Heiner Carow no cinema Kosmos de Berlim, em 29 de março de 1973, mostrava a força explosiva do lendário filme.

Na antiga República Democrática Alemã (RDA), fazia dois anos que Erich Honecker havia sido nomeado primeiro-secretário do Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED), do governo. Para muitos, ele era esperança de progresso econômico, mas principalmente de uma abertura do país em direção a mais liberdade.

Embora Honecker tenha visto e liberado A lenda de Paul e Paula antes da estreia, a primeira apresentação da película produzida pela empresa cinematográfica estatal transcorreu de forma caótica, relatou certa vez Heiner Carow, falecido em 1997:

"O cinema comportava 1.200 espectadores: 800 deles eram selecionados apoiadores fiéis da linha do partido. Os outros 400 ingressos foram vendidos livremente. No fim do filme, reinava um silêncio de túmulo. Então o conselheiro de Cultura de Berlim deixou a sala e fechou a porta. Mal ele havia saído, 400 pessoas começaram a bater palmas freneticamente, por uns 20 minutos. Enquanto as outras 800 continuaram sentadas, como que paralisadas, sem nenhuma expressão."

Deutschland Geschichte Film Filmszene Die Legende von Paul und Paula
História de amor somente à primeira vista: "A lenda de Paul e Paula"Foto: DEFA

Romper com o antigo

Quem quiser entender essas reações precisa se familiarizar com a RDA e sua realidade. A lenda de Paul e Paula fascina até hoje porque quase todas as cenas podem ser interpretadas de maneiras diferentes. Já nos créditos de abertura, e depois também durante o filme, prédios antigos são demolidos, o que é acompanhado pela interrupção da trilha sonora – apenas pelo tempo suficiente para que ao menos se duvide se o que está sendo construído no lugar é realmente melhor.

Naqueles tempos de mudanças, num bairro não especificado de Berlim Oriental, Paula (Angelica Domröse) e Paul (Winfried Glatzeder) se conhecem. Paul leva um casamento infeliz, tem um filho de cinco anos e mora em frente ao prédio de Paula. Ela, por sua vez, vive sozinha com os dois filhos. Os dois se conhecem numa discoteca e passam uma noite juntos numa garagem onde Paul está montando um carro antigo.

Enquanto para Paula se trata do grande amor, Paul continua indeciso. Embora desfrute bastante os momentos com ela, não se sentia preparado para abandonar o casamento e seus privilégios. Como funcionário do partido, esperava-se dele uma "vida regrada".

"Na minha função, eu não posso me dar ao luxo de uma história de divórcio. Pode não ter nenhum estatuto a respeito, mas é assim!". Paul quer proteger sua carreira. E somente quando Paula perde o filho num acidente e se distancia, é que ele percebe a profundidade do amor que sente, e passa a lutar por ela.

"Força de vida"

Uma história que não entusiasma apenas Angela Merkel, mas também o cineasta alemão Andreas Dresen: "Não me lembro de nenhum outro filme da DEFA em que [o serviço secreto] Stasi apareça em cena." Dresen nasceu em 1963, na cidade de Gera, na então RDA. A Academia Alemã de Cinema, em Berlim o convidou para falar sobre o filme com Angela Merkel, que também cresceu na Alemanha Oriental.

Quando o filme entrou em cartaz, a atual chanceler federal alemã tinha 18 anos de idade. Ele terminou o ensino médio em meados de 1973 e passou a estudar física em Leipzig. Apesar de A lenda de Paul e Paula ser marcada pela música da banda alemã de rock Puhdys, que ficou conhecida a partir daí, Merkel admite que tinha um gosto musical um tanto diferente.

Angela Merkel - Die Legende von Paul und Paula
Diretor Andreas Dresen em conversa com Angela MerkelFoto: Florian Liedel/Deutsche Filmakademie e.V.

"Nessa época, eu gostava de escutar a música dos Beatles ou canções como Je t'aime ou Bridge over troubled water." A chefe de governo diz que ficou impressionada com a mescla de realidade e poesia, ainda que, pessoalmente, não relacione "nenhuma experiência amorosa própria" ao filme.

Repetidamente, este traz à tela o cotidiano da Alemanha Oriental. Ao receber um carregamento de carvão, Paula tem de transportá-lo sozinha para o porão, em baldes. Segundo Angela Merkel, "primeiro era preciso reclamar para conseguir o carvão, então ele era jogado à porta. E depois era preciso levá-lo para o porão alagado e cheio de ratos. Claro que não era nada agradável".

Momentos anarquistas

Os funcionários do SED rejeitavam, acima de tudo, o modo de vida de Paula. Longe da grande consciência de classe operária, ela buscava a felicidade pessoal através da devoção ao amor. Quando, de camiseta quase transparente, ela recebe Paul, que chega do Exército, e se deita com ele na cama coberta de flores, o idílio hippie é quase perfeito.

Para Andreas Dresen, o filme possui outros momentos anarquistas: "E então Paul derruba a porta da casa de Paula a golpes de machado. O amor prevalece frente a projetos de vida pequeno-burgueses. Ele é colorido, cheio de flores e música rock. Há até a sugestão de drogas".

Devido a seu inflexível desejo de ser feliz, Paula se torna uma figura de identificação. A lenda de Paul e Paula foi assistido por 3 milhões de espectadores, e se tornou um dos maiores sucessos da companhia DEFA produzidos na RDA.

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Winfried Glatzeder e Angelica Domröse em quase-idílio hippieFoto: DEFA

Final brutal

O "resvalo para o surreal" agrada particularmente a Angela Merkel. Por exemplo: Paul e Paula navegam de barco no Rio Spree, deitados na cama, enquanto diversas gerações de suas famílias se reúnem em torno deles. "Por um lado, se está fora da realidade, mas por outro, bem próximo dela", comentou Merkel. Ela acha o fim do filme brutal: Paula morre no parto de seu filho com Paul.

Mas brutal também foi a realidade após a estreia de A lenda de Paul e Paula. Três anos mais tarde, em 1976, o político autor e intérprete Wolf Biermann era expulso da RDA – devido a "grave violação dos deveres cívicos", como contaria mais tarde num concerto em Colônia. Com ele, desaparecia a esperança de que a RDA pudesse mudar e abrir-se mais ao mundo.

Artistas e intelectuais da Alemanha Oriental protestaram contra a expulsão de Biermann, numa petição oficial. Angelica Domröse, que representara Paula, assinou o documento e acabou no ostracismo artístico. Em 1980, ela e o marido, Hilmar Thate, emigraram para a Alemanha Ocidental. E Winfried Glatzeder, o Paul, foi expulso em 1982, após diversos pedidos de expatriação. Depois disso, A lenda de Paul e Paula não foi mais exibido na televisão da RDA.