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Após críticas, Guedes anuncia benefício a informais

18 de março de 2020

Governo pagará voucher de R$ 200. Ações iniciais abarcavam apenas trabalhador formal, deixando de fora grande parcela da população, que está desempregada ou na informalidade, criticaram analistas econômicos.

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Paulo Guedes
Guedes reagiu às críticas ao pacote anunciado no início da semanaFoto: Reuters/A. Machado

O governo federal anunciou nesta quarta-feira (18/03) mais medidas para amortecer o impacto do novo coronavírus sobre a economia brasileira, desta vez incluindo parte da população que trabalha em condição informal – 41% da força de trabalho, segundo o IBGE. As medidas foram anunciadas após críticas de economistas à rigidez fiscal do governo e ao fato de as primeiras medidas excluírem os trabalhadores informais. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que serão concedidos vouchers de R$ 200 mensais por três meses para auxiliar quem não tem trabalho formal e não recebe recursos do Bolsa Família ou do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O impacto para os cofres públicos será de R$ 15 bilhões. Outra ação do governo será pagar parte dos salários de trabalhadores de micro e pequenas empresas. Não foram dados detalhes de como isso será operacionalizado.

“Isso é uma resposta à evidente discriminação que eles tinham cometido ao deixar esse pessoal de fora. É um valor praticamente simbólico, mas é claro que é melhor que nada, e por três meses isso resulta numa despesa nova [por parte do governo] bem modesta", avalia o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. 

Para que o governo possa gastar mais em ações como essa, o presidente Jair Bolsonaro solicitou, nesta quarta-feira, ao Congresso, que seja decretado estado de calamidade pública. Caso o Legislativo aprove a proposta, o governo pode rever a meta fiscal. "Isso é algo de que o governo já tinha necessidade e agora vai usar."

O cenário é grave. Há quatro semanas, economistas previam crescimento de 2,23% do PIB brasileiro em 2020, previsão que caiu para 1,68%, segundo o relatório Focus do Banco Central desta segunda-feira. Há uma semana, a equipe econômica do governo revisou de 2,4% para 2,1% a sua projeção, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, no pior cenário, esse aumento pode ser de apenas 1%. Isso num país que vive a mais lenta recuperação de uma recessão na sua história e que cresceu mero 1,1% em 2019. O professor de economia Otto Nogami, do Insper, prevê 0,5%. 

A economia brasileira, que inicialmente podia ser afetada somente nas exportações, diante da possibilidade de desaceleração global, já que o epicentro do covid-19 era a China, está agora na iminência de impactos muito maiores. "É muito diferente da crise de 2008, que era somente financeira, e não afetava o dia a dia, a capacidade de ir ao restaurante, ao bar", diz Marcel Balassiano, pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV). "Isso vai afetar os serviços, e mais de 70% do nosso PIB vem desse setor."

Empresas aéreas e o todo o setor de turismo já sofrem. Mas, à medida que as restrições de circulação aumentam, outros segmentos são afetados, como bares, restaurantes e transportes. O setor de serviços tem uma peculiaridade: o serviço que não foi feito hoje não pode mais ser recuperado à frente, ao contrário de um bem, que pode ter a decisão de compra adiada. Isso piora a perspectiva de recuperação do setor de serviços.

Diante da gravidade da situação, alguns economistas avaliaram que os remédios prescritos anteriormente eram insuficientes, deixando de fora os trabalhadores informais, que estão mais vulneráveis. Entre as medidas anunciadas por Guedes na segunda-feira estão a antecipação da segunda parcela do 13º salário para aposentados e a possibilidade de saque de valores do PIS/Pasep. O governo também vai liberar R$ 3,1 bilhões para o Bolsa Família, com a inclusão de 1,2 milhão de famílias. Do lado das empresas, será postergado por três meses o prazo para o pagamento ao FGTS e também a parte referente à parcela da União no Simples Nacional.

"O que eles fizeram foi antecipar uma renda que as pessoas mais vulneráveis recebem adiante, e é melhor receber agora que depois, só que vamos lembrar que depois a pessoa não vai receber, então o efeito que o 13º tem no fim do ano será antecipado. Isso não cria, me parece, nenhuma condição nova de que o 13º vai ajudar essas famílias e a economia", diz o economista-chefe do Banco Fator. Do lado das empresas, afirma Gonçalves, vale o mesmo: a empresa não recolhe o fundo agora, mas daqui a três meses vai recolher três fundos.

Com o impacto forte sobre os serviços num ambiente de alta informalidade, economistas preveem consequências severas para a economia brasileira e até um aumento do desemprego. De acordo com Balassiano, 70 milhões de pessoas que estão desempregadas ou com horas insuficientes de trabalho ou na informalidade. 

Para Nogami, o governo age "aos retalhos" no planejamento para a crise, e falta articulação com os Estados e municípios.

Teto de gastos começa a ser questionado

Desde a semana passada, diversos economistas têm vindo a público para questionar o teto de gastos do governo federal. Criado em 2016, no governo do presidente Michel Temer, a regra impede que a despesa pública tenha aumento real, ou seja, é feito apenas o reajuste de acordo com a inflação. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga está entre os que defendem a flexibilização da regra.

Dos três economistas que falaram com a DW Brasil, dois são favoráveis a rever o teto. "É um engessamento que acho que não é apropriado pelo menos para momentos como o atual. Eu acho que é mais do que urgente rever isso", afirma Nagoni.

O economista do Banco Fator também considera que é hora de rever a regra. "É que para eles [o governo] e para muita gente é uma questão do tipo 'ou é isso ou o país acaba', que é como tudo isso foi aprovado desde 2016, com aqueles argumentos oportunistas, e agora estamos claramente pagando o preço disso porque o teto restringe a atuação do governo. As medidas anticíclicas não estão acontecendo, apenas esses adiantamentos e adiamentos, e isso não atinge o pessoal da informalidade."

O pesquisador da FGV pensa de forma diferente. Para Balassiano, o objetivo prioritário agora é resolver a questão da saúde, e para injetar mais dinheiro no ministério da Saúde não é necessário rever o teto. "Tirar o teto de gastos neste momento poderia ser visto como voltar a não ter responsabilidade fiscal no futuro e ter mais prejuízo que benefícios."

A intenção do governo de rever a meta fiscal, por meio da proposta de calamidade pública, não implica necessariamente em rever o teto. Pode-se rever a meta sem que isso afete o teto de gastos. O que pode ocorrer, dizem economistas, é que a proposta engendre um debate técnico e jurídico a respeito da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Teto. 

Banco Central já atua para conter crise

Na segunda-feira, o Conselho Monetário Nacional anunciou duas medidas para conter os impactos da crise provocada pelo covid-19. A primeira facilita a renegociação de operações de crédito de empresas e de famílias que possuem boa capacidade financeira e não estão inadimplentes. A estimativa é que R$ 3,2 trilhões de créditos sejam qualificáveis a se beneficiar dessa medida, cuja renegociação dependerá, naturalmente, do interesse e da conveniência das partes envolvidas.

A segunda medida expande a capacidade de utilização de capital dos bancos, a fim de que estes tenham melhores condições de realizar as eventuais negociações no âmbito da primeira medida e de manter o fluxo de concessão de crédito.

As ações são elogiadas, mas a medida de cortar ainda mais a taxa básica de juros, a Selic, não é vista com bons olhos por todos. Mesmo quem é a favor do corte se mostra temeroso.

"Essa queda na Selic [desde 2016] não estimulou os investimentos como se esperava, e o poder de manobra [do Banco Central] é cada vez menor. Não que eu seja contra fazer isso. É o que o Banco Central pode fazer, inclusive seguindo os passos de outros bancos centrais", avalia Balassiano. "O objetivo é evitar que as empresas quebrem, reduzindo os juros do endividamento", diz.

Para Nagoni, é preciso levar em conta que a população brasileira já se encontra muito endividada. "Aumentando liquidez e facilitando acesso ao crédito, será que não vai se agravar o nível de inadimplência da sociedade?"

A taxa Selic está em queda desde 2016, quando era de 14,25%. Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa para 3,75% ao ano, com corte de 0,5 ponto percentual. A redução era esperada pelo mercado.

Com a decisão, o BC brasileiro segue a mesma direção de outros bancos centrais no mundo. No domingo, o Federal Reserve, Banco Central dos Estados Unidos, fez uma reunião extraordinária para reduzir mais uma vez a Fed Funds, taxa básica de juros, para o intervalo entre 0% e 0,25%, o menor nível desde a crise de 2008.

A ação do Fed faz parte de um movimento coordenado com outros bancos centrais, como o do Reino Unido, do Japão, do Canadá e da Suíça. A intenção é injetar liquidez e aliviar o endividamento das empresas, já que o juro baixo reduz o custo da dívida.

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