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Família de Amarildo só recebe salário mínimo do Estado

13 de julho de 2018

Enquanto familiares de pedreiro torturado e morto por policiais militares na Rocinha em 2013 aguardam indenização, major e tenente condenados no caso continuam recebendo salário do Estado, totalizando R$ 24 mil por mês.

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Amarildo de Souza
Caso Amarildo teve repercussão internacional, e 12 PMs foram condenados pela tortura e assassinato do pedreiro da RocinhaFoto: Fernando Frazao/ABr

Cinco anos após a morte de Amarildo de Souza, torturado e morto por um grupo de policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, a família do pedreiro ainda aguarda uma indenização.

Enquanto isso, dois oficiais que estão entre os condenados pelo crime continuam recebendo salário do Estado, somando quase 24 mil reais por mês. O valor equivale a 25 salários mínimos, que hoje está em 954 reais e é o que a ex-mulher e os seis filhos de Amarildo recebem, juntos, de pensão do governo carioca.

Em 2016, a Justiça do Rio condenou 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento de Amarildo. Outro policial morreu e teve a punição extinta. Os dez soldados que estavam entre os 12 condenados foram expulsos da corporação, o que não ocorreu com o major Edson Raimundo dos Santos, então comandante da UPP, e com o tenente Luiz Felipe Medeiros, apontados na denúncia do Ministério Público como mandantes e organizadores dos crimes praticados contra Amarildo.

Mesmo cumprindo pena, o major Santos continua recebendo o salário de 15.346,10 reais e Medeiros, de 8.541,01 reais, de acordo com a folha de pagamento de junho deste ano disponibilizada no Portal da Transparência do Estado. 

Após um pedido dos advogados, a família de Amarildo começou a receber em 2014 a pensão de um salário mínimo para ajudar no sustento da esposa e dos seis filhos do pedreiro. Dois filhos ainda são menores. No ano passado, a Justiça deu ganho de causa em primeira instância para o pagamento de uma indenização de 3,5 milhões de reais à família de Amarildo, mas o governo do Rio de Janeiro recorreu.

"A indenização pedida foi com base em casos semelhantes em que a Justiça já deu ganho de causa para as vítimas. Parece muito, mas se formos avaliar que foi o próprio Estado, que deveria proteger, mas que torturou, matou e escondeu o corpo de Amarildo, vamos perceber que é um valor justo", afirma Rodolfo Ferreira, advogado que integra a equipe do escritório João Tancredo, que responde pela defesa da família de Amarildo.

A expectativa dos advogados de defesa é que o recurso do Estado vá a julgamento na segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) ainda neste ano.

"Um símbolo contra abusos da polícia"

Michele Lacerda, sobrinha de Amarildo, descreve as dificuldades pelas quais a família vem passando desde o assassinato do pedreiro e critica a falta de iniciativa do Estado para punir os policiais envolvidos.

"A mulher do meu tio teve diversos problemas após o assassinato, e os filhos também tiveram que mudar hábitos por causa do medo. A nossa família ficou destruída por causa do que fizeram com ele, e mesmo assim o Estado continua pagando salário aos assassinos. Enquanto isso, o mesmo Estado recorreu da decisão de pagar indenização para a nossa família", afirma.

A jovem tornou-se ativista de direitos humanos após a morte do tio. Ela lamenta o aumento da violência no Estado nos últimos anos e lembra que crimes graves continuam acontecendo na região.

"Infelizmente vivemos em uma sociedade onde nem uma política como a vereadora Marielle Franco está segura para trabalhar e viver. Meu tio virou um símbolo contra abusos da polícia, e os culpados pela morte dele só foram punidos porque o caso teve repercussão internacional", diz.

O caso Amarildo

Em 14 julho de 2013, o major Santos determinou que os policiais de sua unidade localizassem suspeitos de ligação com a venda de drogas na comunidade e levassem essas pessoas à sede da UPP, para interrogá-las. Durante a ação, os policiais receberam a informação de que Amarildo de Souza "estaria com as chaves do paiol do tráfico".

O pedreiro foi então detido e levado para a base da UPP. Lá, segundo a Justiça, sob as ordens dos dois oficiais da UPP, Amarildo foi torturado e morto por um grupo de policiais, enquanto outros faziam a vigilância do entorno da base. Depois da morte, os policiais ocultaram o corpo.

Em 2016, a Justiça condenou o major Santos à pena de 13 anos e sete meses de prisão pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver. O tenente Medeiros, subcomandante da UPP na época do desaparecimento de Amarildo, recebeu a pena de dez anos e sete meses de prisão pelos crimes de tortura, ocultação de cadáver e fraude processual (tentar prejudicar a investigação do crime).

Em junho do ano passado, o major Santos também foi condenado a quatro anos de prisão na Justiça Militar por corromper testemunhas do desaparecimento de Amarildo. O soldado Newland de Oliveira foi condenado à mesma pena nesse processo.

Também foram condenados os soldados Douglas Roberto Vital Machado, Marlon Campos Reis, Jorge Luiz Gonçalves Coelho, Jairo da Conceição Ribas, Anderson César Soares Maia, Wellington Tavares da Silva, Fábio Brasil da Rocha da Graça, Felipe Maia Queiroz Moura, Rachel de Souza Peixoto e Thaís Rodrigues Gusmão. O soldado Victor Vinicius Pereira da Silva teve a punibilidade extinta por ter morrido ainda em 2015.

Em nota, a Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro afirmou que o major Santos e o tenente Medeiros respondem na Corregedoria Geral Unificada (CGU) a "um processo administrativo ainda em andamento". A nota afirma que o major cumpre pena em regime semiaberto, e o tenente regime fechado, ambos na Unidade Prisional da Polícia Militar (UP/PMERJ).

Sobre a possibilidade de expulsão dos dois oficiais da corporação, a nota responde: "Só após a conclusão dos processos administrativos e com as decisões desfavoráveis do Conselho de Justificação (CJ), devidamente homologada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, os oficiais poderão ser excluídos da Corporação."

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