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Artistas alemães canibalizam Oswald de Andrade

Ricardo Domeneck
27 de fevereiro de 2018

Em Kassel, exposição "Tupi or not tupi" abre espaço para artistas textuais alemães se expressarem a partir do conceito de antropofagia cultural, criado pelo poeta paulistano.

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Buchcover Oswald de Andrade Manifesto Antropofagico
Foto: Brasiliense

Quando o poeta paulistano Oswald de Andrade morreu, em 1954, seu trabalho estava praticamente esquecido, e o autor se tornara uma figura marginal dentro do próprio movimento artístico que ajudara a criar. Isso começou a mudar pouco depois, quando em 1956 os poetas paulistanos do Movimento da Poesia Concreta o elegeram um de seus guias e, uma década mais tarde, o mesmo ocorreu com os artistas da Tropicália. O próprio Oswald de Andrade profetizara que um dia as massas comeriam seu biscoito fino.

Hoje em dia é difícil pensar a cultura brasileira do pós-Guerra sem a influência de seu conceito de "antropofagia cultural". Oswald de Andrade, em muitos aspectos, fundou nosso pensamento pós-colonial, mas diferentemente do que viria a ser conhecido justamente como pensamento pós-colonial no pós-Guerra a partir do trabalho de filósofos africanos e asiáticos nos vários movimentos de independência do século 20, o paulistano deu-nos armas adaptadas para a realidade das Américas, onde os movimentos de independência haviam ocorrido um século antes e, principalmente, onde os povos autóctones do território não haviam reconquistado sua autonomia, expulsando os invasores e colonizadores, mas onde os netos e bisnetos e tataranetos dos colonizadores haviam simplesmente nacionalizado a máquina colonial.

Foi o próprio Oswald de Andrade quem também falou de uma poesia brasileira de exportação. Após levar as massas a comerem seu biscoito fino em território nacional, talvez tenha chegado a hora desta segunda profecia se realizar. Ao menos aqui na Alemanha. Nesta quinta-feira abre-se uma exposição em Kassel intitulada Tupi or not tupi. Anthropophagische Poesie por ocasião do 8º Kasseler Komik-Kolloquiums (Colóquio da Sátira de Kassel), na qual poetas e artistas alemães trabalharão com o conceito de poesia antropofágica, expondo trabalhos do trio and-or (René Bauer, Beat Suter e Mirjam Weder) e ainda de Steffi Jüngling, Dagmara Kraus, Jürgen O. Olbrich, Carola Ruf e Gregor Weichbrodt.

É interessante ver Oswald de Andrade neste contexto, ele que talvez tenha sido um dos grandes autores satíricos do século 20 brasileiro, com retratos impiedosos da burguesia paulistana em um romance experimental como 'Memórias sentimentais de João Miramar' ou na peça teatral 'O Rei da Vela'. A exposição tem curadoria de Friedrich W. Block, que conhece bem a poesia brasileira, já escreveu sobre Oswald de Andrade e trabalhou com o poeta brasileiro André Vallias.

O comunicado de imprensa da exposição descreve assim a "poesia antropofágica": "uma arte da linguagem que devora textos e imagens existentes para transformá-las em algo novo", relatando a viagem fatídica de Hans Staden ao Brasil e sua quase-devoração pelos tupinambás e declarando-se uma homenagem a Oswald de Andrade e seu Manifesto Antropófago de 1928.

Esta exposição chega logo após as publicações recentes de Oswald de Andrade na Alemanha, graças aos esforços de Oliver Precht, que traduziu e comentou primeiramente os manifestos e logo em seguida o denso e importante A crise da filosofia messiânica, ambos lançados pela editora Turia + Kant. O mesmo tradutor lançou no ano passado o livro de ensaios de Eduardo Viveiros de Castro, A inconstância da alma selvagem. Bom ver os alemães devorando Oswald de Andrade, aquele biscoito finíssimo.

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Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.

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