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As campanhas pró-LGBTQ no Catar ajudaram ou atrapalharam?

Cathrin Schaer
30 de dezembro de 2022

Ações de ativistas ocidentais na Copa do Mundo podem ter saído pela culatra e provocado uma reação contra a comunidade queer local, apontam críticos.

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Em foto oficial, jogadores da Alemanha tapam a boca com uma das mãos
Seleção alemã em protesto contra a falta de liberdade no CatarFoto: Pressebildagentur ULMER/picture alliance

No início deste mês, a rede americana de fast food Raising Cane's foi atacada por conservadores locais no Kuwait. O restaurante da Louisiana especializado em frango frito tem 12 franquias no país do Oriente Médio.

Um morador local filmou o exterior de um dos restaurantes drive-through e postou o vídeo nas redes sociais, acusando a Raising Cane's de promover relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo por causa de seu slogan "one love". Segundo o homem, o mesmo slogan foi usado pela seleção holandesa de futebol, referindo-se ao fato de que várias seleções europeias na Copa do Mundo do Catar pretendiam que seus capitães usassem braçadeiras da campanha pró-diversidade "One Love".

Placa retirada

A questão foi discutida no Parlamento do Kuwait, e vários políticos concordaram que a placa deveria ser retirada. Isso ocorreu apesar de o restaurante usar o mesmo slogan desde a década de 1990, quando foi fundado, e que se refere ao fato de o "único amor" ser o frango frito. Esta semana, um membro da equipe do Raising Cane's confirmou à DW que a placa "one love" do restaurante havia sido removida.

Este não é o único exemplo de um aumento recente no sentimento anti-LGBTQ na região. Também no Kuwait, houve uma campanha, patrocinada por empresas locais, contra relações entre pessoas do mesmo sexo. O editorial de um jornal do país afirmou que os outdoors eram "uma resposta natural a uma campanha internacional antinatural" para importar valores "estrangeiros" para o Kuwait.

Coração colorido símbolo da campanha One Love estampado em duas camisetas
A campanha One Love teve origem na HolandaFoto: Tom Weller/dpa/picture alliance

No Iraque, no início de dezembro, o influente clérigo Muqtada al-Sadr pediu a centenas de seus seguidores que assinassem uma petição "contra a homossexualidade". Em entrevista à agência de notícias Associated Press, um desses seguidores disse que sua promessa não era uma resposta direta a nada do que estava acontecendo no Catar - mas acrescentou que sabia que visitantes da Europa e dos EUA estavam tentando promover a homossexualidade no país.

Só piorando as coisas?

É por isso que, apesar de alguns dizerem que osprotestos deram esperança, outros, agora, argumentam que as ações em torno dos direitos LGBTQ no Catar foram, na verdade, um tiro que saiu pela culatra. Os críticos dizem que os protestos destacam um grupo que prefere ficar em segundo plano em países onde a maioria da população ainda não aceita relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Em termos de lei, os países do Oriente Médio consideram que as relações entre pessoas do mesmo sexo são criminosas ou imorais e merecem prisão - ou pior que isso. Essas políticas parecem refletir o sentimento público.

Algumas das pesquisas mais recentes sobre a opinião em relação a relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo feitas pela rede apartidária Barômetro Árabe descobriram que, nos nove países pesquisados ​​em 2018 e 2019, uma média de apenas 12% dos habitantes locais aceitava esse tipo de união. Uma pesquisa do Pew Research Center, dos EUA, também de 2019, teve resultados semelhantes.

Os membros locais da comunidade LGBTQ estão cientes de tudo isso. Portanto, embora possa haver bares gays em Tunis ou festas privadas em Dubai, eles nunca são anunciados como tal e sempre são vistos com cautela.

"Ressaca" do ativismo ocidental

É por isso que "demonstrações ocidentais de solidariedade com as comunidades LGBTQ no Oriente Médio podem ser bem-intencionadas, mas não são construtivas", argumenta Will Todman, membro do Programa do Oriente Médio da think tank Center for Strategic and International Studies, com sede em Washington.

"Elas ajudam a construir solidariedade entre ativistas nos países ocidentais, mas estão fazendo com que as próprias pessoas que afirmam estar ajudando nos países do Oriente Médio se sintam mais vulneráveis", escreveu ele em meados de dezembro.

Nas Mohammed - um requerente de asilo e médico que vive nos EUA e frequentemente é citado como o primeiro homem do Catar a assumir em público ser gay - também ponderou a vários meios de comunicação que, após a saída dos ativistas ocidentais, são os membros da comunidade queer local que serão assediados e perseguidos.

Torcedores da Alemanha seguram cartazes em inglês
Mesmo antes do início da Copa do Mundo, torcedores já protestavam contra o histórico de direitos humanos do CatarFoto: Nick Potts/PA Wire/dpa

"Acho que a mídia ocidental desempenhou um papel negativo", acredita Sajjad Sabeeh, um jovem ativista pelos direitos LGBTQ baseado na cidade de Basra, no sul do Iraque. "Falar tanto sobre os direitos LGBTQ no Catar permitiu que os políticos afirmassem que esses direitos fazem parte da agenda do Ocidente para dominar a região", disse à DW.

"Vamos sofrer com a ressaca do [ativismo na] Copa do Mundo por um tempo", confirmou Tarek Zeidan, diretor de uma das organizações de direitos LGBTQ mais conhecidas e mais antigas da região, a Helem, com sede em Beirute, no Líbano. "Será um fator muito significativo na deterioração da segurança, proteção e dignidade dos indivíduos LGBTQ em toda a região".

Outros fatores além do Catar

Zeidan acha que há, também, outros fatores ​​que resultaram no que ele chama de foco recente e "sem precedentes" na comunidade LGBTQ no Oriente Médio. Isso inclui mais liberdade de informação em sociedades anteriormente fechadas, globalização da cultura e aumento do uso das mídias sociais.

Cena da animação: Lightyear ao lado de um gatinho
Países do Golfo proibiram o filme da Disney "Lightyear" em junho porque no longa duas mulheres se beijamFoto: Disney/Pixar/AP Photo/picture alliance

Ele e outros especialistas também dizem que os governos autoritários e os fundamentalistas religiosos estão alimentando nos populistas o sentimento público contra as comunidades LGBTQ, a fim de garantir seu próprio poder e autoridade moral e para desviar a atenção de suas falhas na governança. Tornou-se uma espécie de guerra cultural, dizem eles.

A confluência de todos esses fatores aumenta a visibilidade da comunidade queer e a resistência contra ela, explica Zeidan.

"Dependendo de para quem você pergunta, alguns ativistas dizem que é bom [ser mais visível]: as pessoas queer estão finalmente no campo de batalha, certo?", argumenta. "Mas outros discordam e consideram isso uma das piores coisas que pode acontecer porque não estamos preparados para o ataque".

Aprendendo com os erros?

Em ambos os casos, os eventos durante a Copa do Mundo no Catar não ajudaram em nada, argumentou Zeidan.

"As críticas válidas sobre o péssimo histórico de direitos humanos do Catar foram politizadas e longe de nuances, o que permitiu um efeito massivo em torno da bandeira, ou contra a bandeira [arco-íris] neste caso", disse ele. "Ajudou a reforçar a ideia de que as pessoas queer são uma importação ocidental e uma ferramenta política para acertar as contas".

Se algo de positivo poderia resultar da experiência do Qatar, seriam as lições sobre o que fazer na próxima vez que houver um megaevento esportivo no Oriente Médio - algo que é cada vez mais provável.

Homem com mochila segura um cartaz enquanto faz selfie
Veterano britânico Peter Tatchell protesta a favor dos direitos LGBTQ no CatarFoto: Str/REUTERS

Diferentes táticas são necessárias, argumentou James M. Dorsey, especialista em Oriente Médio da Rajaratnam School of International Studies de Cingapura e autor do blog The Turbulent World of Middle East Soccer (O turbulento mundo do futebol no Oriente Médio).

"Uma tática potencial pode ser construída sobre as posições de estudiosos muçulmanos confiáveis, embora muitas vezes controversos", escreveu ele esta semana.

Dorsey se refere a vários que veem a homossexualidade como um pecado que será punido na vida após a morte, mas que acreditam que as autoridades terrenas não devam opinar sobre a questão.

"A fórmula deles não legaliza ou legitima a homossexualidade nem remove o estigma”, explica Dorsey. "Mas evita a criminalização e melhora significativamente a vida dos membros da comunidade LGBT", completa. Os direitos LGBT no Oriente Médio "só podem ser alcançados passo a passo", observa Dorsey.

"Eduque-se. Verifique suas suposições", aconselha Zeidan. "Eleve as vozes dos ativistas do Catar e do Golfo e não as obscureça com as suas. Ao fazer isso, você refuta o mito de que as pessoas LGBTQ são uma importação ocidental e que nossa causa é ilegítima", conclui.