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CriminalidadeBrasil

"Ataques em Criciúma e Cametá são 'novo cangaço' evoluído"

3 de dezembro de 2020

Crimes ocorridos em Santa Catarina e Pará são adaptação, muito mais agressiva, de modelo iniciado há cerca de 20 anos em cidades pequenas. Investigação é chave para coibir novos ataques do tipo, diz analista criminal.

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Policiais militares com bolsa cheia de dinheiro deixado para trás pro criminosos em Criciúma
Policiais militares com bolsa cheia de dinheiro deixado para trás pro criminosos em CriciúmaFoto: Guilherme Hahn/Futura Press via AP/picture alliance

As cidades de Criciúma, em Santa Catarina, e Cametá, no Pará, passaram por horas de terror nesta semana, durante ações de quadrilhas fortemente armadas que assaltaram agências do Banco do Brasil e conseguiram fugir. A ação na cidade catarinense ocorreu na madrugada de terça-feira (1º/12) e a do município paraense, na madrugada de quarta-feira.

Em ambos os casos, os grupos criminosos usaram reféns como escudo humano, atacaram batalhões da Polícia Militar e usaram explosivos e armas de alto calibre. Os bandidos tiveram sucesso para roubar o dinheiro apenas em Criciúma, onde um policial militar ficou gravemente ferido. Em Cametá, segundo o governo do Pará, a ação explodiu o cofre errado da agência bancária, nada foi levado, e um refém foi morto.

O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma à DW Brasil que essas ações trazem as digitais de organizações criminosas e representam uma evolução de um tipo de crime que começou há cerca de 20 anos, que ficou conhecido como "novo cangaço".

Enquanto a modalidade de ataque "novo cangaço" costumava mirar municípios pequenos – os criminosos tomam o controle da cidade, prendem os poucos policiais do local, roubam o banco e saem sem grande preocupação –, os assaltos a Criciúma e Cametá se enquadram na categoria de mega-ações em cidades médias ou grandes. Estas demandam maior tempo de preparação, estratégias refinadas para o enfrentamento da polícia e fuga e "muito mais agressividade", aponta Mingardi.

Crimes desse porte começaram há cerca de cinco anos, com quadrilhas fortemente armadas atacando empresas de transporte de valores em Campinas e em Santos. Essas companhias passaram então a adotar novas estratégias de armazenamento do dinheiro, reduzindo a atratividade para os bandidos, que migraram para os bancos, diz Mingardi.

A vantagem de realizar ações em cidades médias é a maior facilidade de fuga, desde que informantes garantam que o banco a ser assaltado tenha quantias significativas de dinheiro no dia do ataque. Para uma ação do tipo, conta Mingardi, são necessárias semanas de preparação –para reunir pessoas que saibam manejar as armas, lidar com os explosivos e executar a fuga.

Para prevenir novos ataques do tipo, ele afirma que o melhor caminho é as polícias realizarem investigações aprofundadas para localizar os autores e puni-los, com o objetivo de mostrar que esse crime "não dá resultado" e desencorajar outros bandidos a cometê-lo no futuro.

DW Brasil: Os ataques a bancos em Criciúma e Cametá ocorreram em um intervalo menor de 24 horas. Foi coincidência?

Guaracy Mingardi: Não dá para dizer que foram organizados simultaneamente, porque não teria sentido. Para que você iria fazer em dois locais tão distantes, ao mesmo tempo? Possivelmente foram grupos diferentes, talvez vindos da mesma organização. A não ser que tivesse um objetivo político por trás. Mas não estou vendo esse objetivo e, até agora, ninguém viu.

Como esses grupos têm acesso às armas usadas? Em Criciúma, os criminosos tinham até uma metralhadora .50, de uso exclusivo das Forças Armadas.

Uma metralhadora .50 é difícil. Normalmente vem por contrabando, assim como os fuzis. Mas há outra fonte, muitas vezes nos deparamos com armas que eram das Forças Armadas e foram subtraídas de lá. Quanto à munição, a maior parte é local, porque você não encontra tanta munição de contrabando. Você acaba mandando fazer aqui, ou arrumando dos depósitos oficiais, que volta e meia ficam vazando.

Quanto tempo leva a preparação de um crime desse tipo?

Semanas, pelo menos. Você tem que identificar o local, o que é necessário em termos de veículos, armas e, principalmente, pessoal habilitado. Não é qualquer um que sabe utilizar metralhadora .50 ou fuzil. E também tem os especialistas, que trabalham com os explosivos, que abrem o caminho para dentro do local e às vezes explodem o cofre. Precisam dos motoristas de fuga, dos planejadores. Precisam de tempo para juntar esse pessoal, para furtar os veículos e deixar armazenados com placas diferentes, até que possam ir ao local. E tem que ter uma rota de fuga bem estabelecida, precisa medir o tempo, ver quanto a polícia demora para chegar lá.

Criciúma tem 210 mil habitantes, e Cametá, 134 mil. Criminosos que realizam essas ações têm preferência por cidades médias?

Quando começaram os crimes desse tipo, há cerca de cinco anos, eles eram em cidades grandes, como Campinas e Santos, que têm mais de um milhão de habitantes, se considerar a área urbana de Santos. Em uma área assim, é mais difícil de fugir. Em uma cidade média, fica um pouco mais fácil, mas o dinheiro normalmente é menor.

Inicialmente, esses crimes ocorriam em transportadoras de valores, era muito dinheiro. Mas agora as transportadoras aprenderam a não deixar tanto dinheiro em cada lugar. Então eles apelaram para os bancos.

São três itens [no cálculo]. Primeiro, quanto de dinheiro eles pretendem pegar. E é importante saber quando têm que ir, pois podem num dia pode não ter quase nada e no outro estar cheio de dinheiro. É possível que tenha informação de alguma fonte.

Depois, a facilidade de fuga. Vamos pensar na diferença entre os dois locais. Em Santa Catarina, eles fugiram por terra, porque a região Sul e Sudeste é muito mais controlada em termos aéreos. Já no Pará, a fuga foi de barco, porque lá não tem tantas estradas possíveis para usar e fica mais fácil a polícia bloquear. Eles têm que se adaptar ao tamanho da cidade e às rotas de fuga. E tem a questão da polícia, que nesses locais é menor do que numa cidade grande.

Em uma cidade pequena, seria muito diferente. Eles entram, tomam o banco, colocam os três, quatro policiais na cadeia e vão embora. Em cidades médias grandes tem que ser muito bem pensado.

A polícia de Santa Catarina suspeita que tenha havido participação de criminosos de outro estado. Esse tipo de ação costuma ser interestadual?

Para cometer um crime desse tipo, você precisa de apoio de uma organização criminosa, que tenha esse tipo de armamento e consiga juntar esses especialistas. É muito provável que venham de outro estado. O sul de Santa Catarina é a região do PGC, o Primeiro Grupo Catarinense. O PCC [Primeiro Comando da Capital] está mais ao norte do estado. Agora, eu duvido que tenha sido o PGC, eles não teriam essa estrutura, a menos que tenham melhorado muito. Então existe grande probabilidade de que tenha gente de fora do estado. Não que todos sejam de fora, mas que boa parte seja.

Em Criciúma, a polícia optou por não enfrentar os bandidos enquanto eles estavam no centro da cidade, para preservar os moradores da área. É a decisão correta em um caso desses?

Você não pode criar uma guerra numa área urbana. Nisso eles estão certos. E, mesmo que tentassem, não iriam conseguir, e iria morrer gente, talvez algum criminoso, mas policiais e civis também. Não é simples se meter num tiroteio dessas proporções na área urbana. O que eles tinham que ter feito é tentado impossibilitar a fuga, mas como estava tudo muito bem planejado, nem isso conseguiram.

Na nota divulgada pelo Banco do Brasil sobre o crime em Criciúma, eles mencionam se tratar de uma ação do tipo "novo cangaço". O que é isso?

Novo cangaço é algo que começou há 15, 20 anos. É quando você vai a uma cidade pequena, mas que tenha um banco muito movimentado – porque, por exemplo, tenha algo relacionado à Petrobras –, cerca a cidade, toma tudo, prende a polícia, rouba e vai embora, porque você não precisa se preocupar muito com a região, porque vai demorar muito para a polícia chegar. Vi um caso em que o reforço policial mais próximo estava a 200 quilômetros, nunca ia chegar a tempo.

Agora, em regiões bem povoadas, a situação é outra. Você precisa de outro tipo de planejamento e precisa atacar a polícia. Precisa fazer com que a polícia fique se protegendo. Não é simplesmente chegar e prender três policiais, e o crime tem que ser muito mais rápido.

Essas ações são parecidas com o novo cangaço por terem todo esse poderio e cercado um local, mas eles não tomaram a cidade de Criciúma. Isso não aconteceu. No novo cangaço, eles tomam a cidade e ninguém pode sair na rua, tem casos que eles derrubaram as torres de celular para impedir a comunicação. Eles adaptaram o modelo do novo cangaço para isso, mas, mais do que adaptar, eles criaram um novo modelo, que implica muito mais agressividade.

E a polícia já sabe como coibir esse tipo de crime?

Não dá para evitar, você nunca terá policial suficiente para enfrentar em qualquer lugar que você chegue com 40 criminosos muito bem armados. Até reunir policial suficiente para isso, demora. A não ser que você tenha alguma informação, que vaze algo, mas só me lembro de um caso, creio que no Pará também, no qual a polícia já estava antes no local, e era um caso de novo cangaço.

Outra forma é por meio da inteligência, mas isso não é uma panaceia, não dá pra saber de coisas escondidas com facilidade. Demanda tempo, você precisa ter informantes, verificar se o informante tem acesso, se está dando as informações corretas, interpretar o que está sendo dito.

A forma correta de impedir isso é a posteriori, você tem que investigar e chegar nos autores. Tem que mostrar que aquele tipo de crime não dá resultado, que a probabilidade de ser preso é muito grande. Aí você vai dissuadir os próximos de fazer aquilo. Investigação é a chave.