1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Até onde vai o direito à autodefesa da Ucrânia?

Publicado 3 de agosto de 2023Última atualização 29 de agosto de 2023

De acordo com o direito internacional, países têm espaço de manobra para se defender e lançar contra-ataques em território inimigo. Mas quais armas eles podem usar e quais alvos podem atingir são temas mais complexos.

https://p.dw.com/p/4UkD9
Janelas quebradas em um prédio alto. Dois homens observam
Prédio comercial danificado em Moscou após ataque com droneFoto: AP Photo/picture alliance

Enquanto o exército da Rússia continua atacando com mísseis e drones alvos civis na Ucrânia, há um debate na Alemanha sobre se os militares ucranianos deveriam contra-atacar atingindo alvos em território russo. O debate foi desencadeado depois que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que a guerra está se voltando "gradualmente contra o território da Rússia".

De acordo com autoridades russas, na noite desta segunda-feira (28/08), a defesa do país voltou a destruir um drone perto de Moscou e dois outros na região de Briansk, próximo à fronteira da Ucrânia. Não houve vítimas e nem foram registrados danos. Em 23 de agosto, a defesa aérea russa já havia repelido um ataque de drones ucranianos em Moscou, tal como tinha feito em 4 de julho.

No início de julho, Zelenski declarou que os ataques a alvos militares e centros simbólicos na Rússia são um "processo inevitável, natural e absolutamente justo".

"Deter, prevenir, repelir"

De acordo com o direito internacional, países podem se defender se forem atacados. "Sob essas circunstâncias - e agressão transfronteiriça - a Ucrânia tem o direito à autodefesa", avalia David Scheffer, especialista em direito internacional da Universidade do Estado do Arizona, nos EUA.

"E esse direito de autodefesa inclui ataques militares no território russo, com o objetivo de tentar deter, prevenir, repelir os atos de agressão contra a Ucrânia", completa. E esse "território" não se limita à linha de frente.

O direito internacional, porém, não permite ataques a populações civis. "É um ato legítimo de autodefesa para a Ucrânia atacar a Rússia na retaguarda, inclusive em Moscou, desde que esses ataques se limitem a alvos militares", aponta Scheffer. "Se algum desses ataques de drones atingir alvos civis em Moscou, isso seria ilegal".

O direito internacional permite ataques a territórios ocupados pela Rússia, como a península da Crimeia, que legalmente pertence à Ucrânia, e a alvos navais russos no Mar Negro, mas não a navios mercantes civis.

Parte de prédio em chamas desaba
Ataque russo a Odessa, na Ucrânia. Kremlin tem bombardeado alvos civis diariamenteFoto: Cover-Images/IMAGO

Opções limitadas de armas

Em princípio, é permitido o uso de todo tipo de armas: drones, mísseis, aeronaves e mísseis de cruzeiro. No entanto, a Ucrânia selou acordos políticos com seus aliados para não usar armas de fabricação ocidental para atacar o território da Rússia.

Os membros da Otan temem que a Rússia possa instrumentalizar o envio de armas de fabricação ocidental como pretexto para escalar a guerra. Em maio, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, general Mark Milley, disse que havia um entendimento claro de que armas dos Estados Unidos não deveriam ser usadas contra o território russo.

"Esta é uma guerra ucraniana", disse ele. "Não é uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia. Não é uma guerra entre a Otan e a Rússia. Esta é uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Nós apoiamos, equipamos, ajudamos a treinar e aconselhamos a Ucrânia, mas não é um conflito direto entre os Estados Unidos e a Rússia".

Definindo o limite

A "linha vermelha" de limite é diferente para outros governos. O Reino Unido e a França estão dispostos a fornecer mísseis de cruzeiro de longo alcance que possam permitir à Ucrânia atingir tropas e suprimentos atrás das linhas de frente.

"Decidi aumentar as entregas de armas e equipamentos para permitir que os ucranianos tenham a capacidade de atacar na retaguarda", disse o presidente francês, Emmanuel Macron, na cúpula da Otan, em julho.

O alcance da artilharia que a Ucrânia vem recebendo dos países ocidentais tem aumentado gradativamente. A artilharia de longo alcance é necessária para atacar posições fortificadas e bases aéreas, de onde o exército russo está lançando mísseis.

O embaixador ucraniano na Alemanha, Oleksii Makeiev, pediu para que Berlim também forneça mísseis de cruzeiro. Embora Agnieszka Brugger, porta-voz do Partido Verde alemão para temas de defesa, não parecesse avessa à ideia, em entrevista recente à Deutschlandfunk, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, do Partido Social-Democrata (SPD), rejeitou o pedido.

SPD e Verdes, justamente com os liberais da FDP, formam o atual governo de coalizão da Alemanha. 

Putin, de pé, cercado por militares
Putin lançou guerra de agressão contra a Ucrânia em 2022Foto: Sergei Karputkin/TASS/IMAGO

Envolvimento de um terceiro país

O momento em que um terceiro país se torna parte da guerra não está totalmente estabelecido no direito internacional. Muitos especialistas consideram que o fornecimento de armas e munições à Ucrânia não constitui uma participação ativa dos aliados internacionais na guerra lançada pela Rússia.

Mas a questão de saber se o treinamento de soldados ucranianos para usar certas armas constitui participação ativa é mais complicada. Muitos especialistas acreditam que, assim que os Estados fornecedores de armas exercerem uma influência direta sobre o emprego das armas de longo alcance e a seleção de alvos na Rússia, passam a exercer ativamente, também, o "direito coletivo de autodefesa" com a Ucrânia.

O mesmo se aplicaria caso os Estados Unidos, a Polônia ou outro país enviassem suas próprias tropas para a zona de combate. Se qualquer força aérea do Ocidente interviesse, isso também seria considerado "autodefesa coletiva" e, portanto, participação direta na guerra.

Os "Estados inimigos" da Rússia

O Kremlin considera muitos países da Otan que fornecem armas à Ucrânia como beligerantes. "Estes são estados inimigos porque o que eles estão fazendo é guerra", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em 2022.

Políticos russos alertaram repetidamente que seu país pode ser forçado a usar armas nucleares para se defender. O Kremlin poderia escalar sua guerra e atacar países que apoiam a Ucrânia com o fornecimento de armas. Isso seria uma extensão da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, que foi condenada pela Assembleia-Geral da ONU.

A porta-voz da União Europeia para assuntos externos, Nabila Massrali, disse à DW que não se sabe se os drones abatidos perto de Moscou eram efetivamente da Ucrânia. Ela disse que as declarações do Kremlin não são confiáveis.

"A Rússia não deve usar isso como pretexto para uma nova escalada de seus ataques ilegais e bárbaros contra a Ucrânia e seu povo", disse ela, em Bruxelas, acrescentando que está claro que a Ucrânia tem todo o direito de se defender e que foi acordado com Kiev que as armas financiadas pela Comissão Europeia devem ser usadas apenas para autodefesa.

Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.