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Clima de guerra aberta entre cúpula do Congresso e governo

Karina Gomes17 de julho de 2015

Cunha nega ter ganho propina. Calheiros chama operação da PF de invasão. Guerra aberta de presidentes da Câmara e do Senado contra o governo atrapalha votação de medidas econômicas e pode ter efeito negativo para o país.

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Foto: Reuters/P. Whitaker

O início da Operação Politeia, um dos desdobramentos mais importantes da Lava Jato, e novas denúncias de delatores provocaram esta semana a ira dos parlamentares envolvidos, que prometeram retaliar o Palácio do Planalto por meio de votações no Congresso.

Nesta terça-feira (14/07), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nas residências dos senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI), entre outros políticos de alto escalão da República.

Nesta quinta-feira, a denúncia de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teria cobrado 5 milhões de reais de propina do lobista Julio Camargo jogou ainda mais lenha na fogueira – Cunha negou que tenha recebido propina e sugeriu que o Executivo estaria por trás da denúncia.

Cunha e também o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão em pé de guerra com o governo desde a divulgação da lista de parlamentares investigados pela Operação Lava Jato, no início de março. Eles atribuem as investigações sobre eles à ação do Executivo – que, no mínimo, não teria feito nada para impedi-las. As ações desta semana deterioraram ainda mais as relações deles com o governo.

Efeitos na economia

Analistas afirmam que essa situação pode até mesmo afetar negativamente a economia. "A promessa de retaliação por parte dos parlamentares vai complicar mais ainda a execução da política de austeridade fiscal, que já é prejudicada pelo baixo desempenho econômico", avalia Barbara Fritz, professora de Economia do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.

Se o governo tiver problemas para executar as medidas de contenção de gastos, explica a especialista, ficará ainda mais difícil alcançar a meta de superávit primário em 2015, de 1,1% do PIB. Para Fritz, os investimentos em infraestrutura, por meio de parcerias público-privadas, também poderão ser prejudicados.

No Senado, há pressão para engavetar o projeto do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que prevê a regularização de dinheiro de brasileiros enviado ao exterior sem declaração à Receita Federal. A medida, que faz parte do chamado "pacote federativo", poderia incrementar o orçamento do governo.

Já o analista financeiro Rogério Sobreira não vê "efeitos reais danosos" com uma possível retaliação de parlamentares à política de contenção fiscal. "O governo já 'precificou' o tamanho do ajuste. A ação dos congressistas não vai se traduzir em piora no desempenho da economia. A política fiscal está na direção certa, mesmo que não se alcance a meta do superávit", opina.

Cúpula do Congresso reage

Nos bastidores em Brasília, há a expectativa de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente denúncias contra Cunha e Calheiros nos próximos dias. Os dois reagiram de forma enérgica às novas denúncias e boatos.

Calheiros tocou adiante, nesta quinta-feira, a criação de duas CPIs que incomodam o Palácio do Planalto: a dos fundos de pensão e a dos BNDES. O presidente do Senado foi também veemente na acusação à Polícia Federal, taxando de invasão as operações de busca e apreensão em imóveis de senadores.

Já Cunha anunciou nesta sexta-feira seu rompimento com o governo: "Estou oficialmente rompido com o governo a partir. Teremos a seriedade que o cargo ocupa. Porém, o presidente da Câmara é oposição ao governo", disse.

Cunha também dará início à apreciação das contas do governo em 2014, que podem ser rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em resposta à DW Brasil, o gabinete de Cunha não quis comentar as informações.

"Sob pressão com as investigações, é de se esperar que Cunha tome medidas cada vez mais arrojadas, ganhando visibilidade e importância à medida que enfraquece um governo já debilitado. Hoje ele é mais oposição ao governo do que todo o PSDB junto", avalia o cientista político Cláudio Couto, da FGV-SP.

Situação irônica

O especialista destaca a situação irônica em que Dilma se encontra – alguns parlamentares pedem o impeachment dela, alegando que ela seria responsável pela corrupção; já outros se voltam contra o governo por serem alvo de investigações anticorrupção que, no entender deles, seriam patrocinadas pelo Executivo.

Cunha e Calheiros alegam que o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, tem influenciado nas investigações da Lava Jato. Em depoimento na CPI da Petrobras, Cardozo disse que não tem o poder de "controlar" ou "instrumentalizar" as investigações da PF, que é subordinada ao Ministério da Justiça.

"Há os que pedem o impeachment de Dilma, sob a alegação de que ela seria responsável por problemas de corrupção. Por outro lado, Dilma e seu ministro da Justiça sofrem ataques de parlamentares por não controlarem a Polícia Federal. Esses parlamentares esperam proteção da presidente contra seus atos corruptos e, em retaliação, ameaçam com o impeachment", observa Couto.

"Em resumo, seria possível que a presidente fosse impedida com o voto de parlamentares corruptos, justamente por não impedir que eles sejam investigados por sua corrupção. É irônico", finaliza.