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Aviões não tripulados dos EUA operam em zona jurídica mal definida

23 de julho de 2012

Uso de aviões não tripulados é controverso por vários motivos. Morte de presumível terrorista alemão no Paquistão leva Procuradoria Geral da Alemanha a examinar procedimento militar à luz do direito internacional.

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Foto: picture alliance/dpa

Pouco antes de morrer, Bünyamin E. viajara para o Waziristão do Norte, região montanhosa no noroeste do Paquistão tida como centro de radicais muçulmanos. Em 4 de outubro de 2010, juntamente com alguns de seus correligionários, o presumível extremista foi atingido por um míssil, disparado por um veículo aéreo não tripulado (VANT) dos Estados Unidos.

Bünyamin E. foi o primeiro alemão vítima de uma ofensiva de VANTs norte-americanos. Na luta contra o terrorismo, Washington aposta em peso nesses veículos, em geral controlados remotamente a partir dos EUA, com o fim de espionar ou matar inimigos.

Segundo estimativas do independente Escritório Norte-Americano de Jornalismo Investigativo, o número de vítimas fatais de ataques por aviões não tripulados no Paquistão, entre 2004 e 2012, ultrapassou 3 mil, entre os quais mais de 800 civis.

Pena de morte teleguiada

A Procuradoria Geral da República da Alemanha investiga agora pela primeira vez a controvertida prática – após um processo de quase dois anos para conferir se a questão seria efetivamente de sua alçada. Sua tarefa é verificar se o emprego dos VANTs constitui uma violação do direito internacional, uma vez que os EUA operam numa zona juridicamente obscura.

Jochen Hippler, especialista em intervenção militar do Instituto pelo Desenvolvimento e pela Paz (INEF), em Duisburg, considera as ofensivas com veículos teleguiados um assunto complicado, sobretudo no Paquistão, onde elas se realizam contra a vontade – pelo menos oficial – do governo local.

Jochen Hippler, do INEF
Jochen Hippler, do INEFFoto: picture-alliance/ dpa

"Por um lado, temos o problema de que ataques militares contra um país com que não se está em guerra são uma infração do direito internacional", declarou à DW. Por outro lado, o homicídio de pessoas tidas como extremistas islâmicos é problemático.

"Tanto nos Estados Unidos quando na Alemanha se argumenta, com boas razões, tratar-se de uma pena de morte contra pessoas acusadas de alguma coisa, sem que um tribunal as tenha sentenciado por tal", observa Hippler.

Definições vagas

Contudo, desde George W. Bush e sua "Guerra contra o Terror", os EUA têm contornado o direito penal nacional, porém tomando como base a definição segundo a qual terrorismo não constituiria um crime, mas sim um ato de guerra, e os terroristas seriam combatentes.

Assim, entraria em efeito o direito internacional de guerra, originalmente concebido para tratar de conflitos entre países. Segundo ele, o assassinato de combatentes inimigos é, em princípio, permissível, mesmo que haja vítimas civis. A questão central que a Procuradoria Geral da República alemã pretende esclarecer agora é se Bünyamin E. podia ser considerado combatente num conflito armado.

Entretanto, o direito de matar combatentes inimigos também está subordinado a uma série de critérios, sublinha Martin Kahl, coautor do Friedensgutachten 2012 – relatório financiado pela Fundação Alemã de Pesquisa da Paz (DSF). No entanto, esses critérios são extremamente vagos.

"Na verdade, a pessoa tem que estar lutando ativamente. O caso mais simples seria, portanto, se ela possui uma arma e está diretamente envolvida em operações de combate contra soldados norte-americanos", explica Kahl. E justamente este não é o caso na maioria das vítimas fatais de ofensivas pelos VANTs norte-americanos.

Além disso, o direito internacional atenta para uma proporcionalidade entre a morte do presumido terrorista e o número das possíveis vítimas civis. Infelizmente, não há qualquer informação sobre o que significaria "proporcional", critica o especialista em pesquisa da paz.

Campo talibã de treinamento no Waziristão
Campo talibã de treinamento no WaziristãoFoto: AP

Homicídio seletivo x prevenção de violência

Um argumento dos norte-americanos a favor das intervenções não tripuladas é que, com o assassínio direcionado de extremistas islâmicos, se estaria cometendo "algo de mau", para, no entanto, evitar "um mal maior", expõe Kahl.

Do ponto de vista puramente militar, o emprego dos VANTs é um meio extremamente bem sucedido para os EUA. "Neutralizou-se toda uma série de membros do alto escalão da Al Qaeda e radicais islâmicos em Estados como o Iêmen, 'dando um susto', por assim dizer, em toda a rede e restringindo sua capacidade de operar."

Além disso, não há mortos do lado estadunidense, e através da tecnologia relativamente precisa, em geral ocorrem menos vítimas fatais do que no caso de outras técnicas bélicas.

Martin Kahl, coautor do Relatório sobre a Paz 2012
Martin Kahl, coautor do Relatório sobre a Paz 2012Foto: Martin Kahl

Entretanto, é justamente a simplicidade dessa estratégia militar que também suscita reservas morais em Martin Kahl. Uma guerra por controle remoto, sem mortes entre os próprios soldados, com gastos relativamente modestos e que mal é notada no país de origem, pode rapidamente se transformar num recurso político praticável com que se lida de forma leviana.

Complicações internas

Cabe aguardar se o caso Bünyamin E. redundará em ação jurídica. Caso o ataque aéreo seja caracterizado como contrário ao direito internacional, as autoridades deverão requerer cooperação administrativa de seus colegas norte-americanos, supõe Jochen Hippler. "Porém acho improvável que os americanos irão divulgar o nome da pessoa que apertou o botão, no momento decisivo."

Para a Procuradoria Geral, o caso é ainda agravado por uma acusação contra o Departamento Federal alemão de Investigações. O órgão encontra-se sob suspeita de ter prestado um papel decisivo na localização dos radicais, utilizando-se de dados sobre viagens e ligações de celular de Bünyamin E..

Autoria: Christina Ruta (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer