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Bibliothek: Vida e morte de Ingeborg Bachmann

Ricardo Domeneck
20 de junho de 2017

Poeta, prosadora, dramaturga e roteirista austríaca está entre autores de língua alemã do pós-guerra mais conhecidos internacionalmente. Ela ganhou destaque já com a publicação de seu primeiro livro, em 1953.

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Ingeborg Bachmann
Bachmann estreou em livro como poeta, com "Die gestundete Zeit"

Toda literatura tem seus heróis, suas lendas, seus mártires, suas figuras trágicas. A partir do Romantismo, o encontro da literatura com algo que possa se chamar verdadeiramente de mercado literário começou a gerar tais figuras. Lord Byron, por exemplo, foi uma estrela em seu tempo, uma das primeiras. A obra de um autor, mesclada e lida a partir de elementos de sua biografia, foi crescendo em fama e lenda. Na Alemanha, um caso seria o de Friedrich Hölderlin e sua loucura eremita ao final da vida. Mas nada se compara ao encontro da literatura com a força da mídia no pós-guerra. A necessidade de mitos num período em que as artes em geral ainda contavam com grande prestígio. 

Na literatura de língua alemã no pós-guerra, um caso emblemático é o da poeta, prosadora, dramaturga e roteirista austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973). É difícil imaginar hoje que um escritor possa alcançar fama parecida ao estrear em livro. E mais: estrear em livro como poeta.

Ao publicar seu primeiro livro em 1953, a coletânea de poemas Die gestundete Zeit, a autora chegou a ser capa da revista Der Spiegel. O livro já havia sido premiado pelo influente Grupo 47, formado no fim da guerra com o intuito de retomar e repensar a literatura alemã.

A segunda coletânea de poemas, Anrufung des Großen Bären, viria em 1956, com o qual ganharia o Prêmio Literário da Cidade de Bremen. E assim, Bachmann tornava-se uma das figuras mais conhecidas da nova geração. Formada em Filosofia, passaria a dar palestras em universidades, colaboraria com canais de televisão e ganharia prêmios por suas peças radiofônicas, elemento importante em seu trabalho.

Ricardo Domeneck
O escritor Ricardo DomeneckFoto: Amos Fricke

Quando poderia ter vivido da fama que sua poesia já havia garantido, Bachmann abandonou a poesia e volta-se para a prosa, publicando o livro de contos Das dreißigste Jahr em 1961. Dois contos do livro, escritos de uma perspectiva claramente feminina, são considerados pioneiros nesse aspecto.

A consagração viria aos 38 anos, em 1964, com o Prêmio Georg Büchner, o mais importante do idioma. Bachmann tampouco permaneceria na esfera linguística alemã. Em 1965 mudou-se para Roma, onde começou a dedicar-se a um ciclo de romances, do qual publicou apenas Malina em 1971.

Sua prosa não foi tão bem recebida quanto sua poesia. A vida conturbada, marcada por relacionamentos infelizes com Paul Celan e Max Frisch e a solidão na capital italiana talvez tenham contribuído para seus problemas sérios com o alcoolismo. Na noite de 25 para 26 de junho de 1973, Bachmann sofreu queimaduras sérias ao misturar álcool com barbitúricos e cair no sono com um cigarro aceso. Acidente parecido acontecera com Clarice Lispector no Rio de Janeiro em 1966, deixando cicatrizes, mas sem ser fatal.

O fogo não foi a única causa da morte de Bachmann. Inconsciente num hospital romano, os médicos não sabiam que seu quadro era complicado por reações violentas à abstinência dos barbitúricos da qual era dependente. A austríaca morreu no dia 17 de outubro de 1973, no Hospital Sant'Eugenio. Na revista Der Spiegel, que a celebrara vinte anos antes, Heinrich Böll lamentou sua morte, chamando-a de "intelectual brilhante”.

A obra de Bachmann é uma das mais conhecidas, no âmbito internacional, dentre os autores de língua alemã do pós-guerra. Sua morte trágica, unida a sua poesia melancólica, faz dela uma figura que vai assumindo contornos míticos, o que muitas vezes pode obscurecer o trabalho de um autor. Mas ela é hoje uma autora que combina consagração crítica e popularidade.

Sua obra poética, em prosa e dramatúrgica pode ser encontrada em qualquer livraria. E, no ano passado, a diretora austríaca Ruth Beckermann lançou Die Geträumten, filme baseado na correspondência de Bachmann com Paul Celan, com a cantora Anja Plaschg no papel da escritora. É um filme muito bonito.

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.