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Bolívia é barril de pólvora, diz analista alemã

(gh)20 de dezembro de 2005

Imprensa européia vê com um pé atrás a eleição do líder cocalero Evo Morales à presidência da Bolívia. Radicalismo do eleito e seus planos de nacionalização do setor energético podem espantar investidores estrangeiros.

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Evo Morales, herói dos índios, pesado no exteriorFoto: AP

"Se eu for eleito, será um verdadeiro pesadelo para os Estados Unidos", disse Evo Morales, antes do pleito de domingo (18/12), no qual obteve a maioria absoluta dos votos dos 3,6 milhões de eleitores bolivianos.

Na opinião de alguns jornais europeus, há indícios de que Morales pode se tornar um pesadelo não só para os EUA. Algumas empresas da França, Espanha e Inglaterra já partilham com a Petrobras a preocupação com o plano do novo presidente de estatizar o setor energético, incluindo o gás natural, do qual a Bolívia tem a segunda maior reserva da América do Sul.

A eleição de Morales não chegou a surpreender os europeus, como mostram os editoriais de vários jornais, nesta terça-feira (20/12). Mas o tom dominante nas análises é de ceticismo em relação ao futuro da Bolívia.

Onda esquerdista

Segundo o El Periódico, de Barcelona, "com Morales, chegou a hora da recompensa dos índios, que formam a maioria da população da Bolívia, mas até agora praticamente não estiveram representados na elite política. Morales quer estatizar os recursos naturais, mas prometeu não desapropriar as petrolíferas. Ele agora precisa provar que não sabe apenas realizar protestos e, sim, fazer uma política realista de governo".

"Provavelmente, muitas coisas vão mudar após a eleição de Morales, comprometido com as massas indígenas, opositor da política de Washington, partidário das mobilizações de rua como expressão do poder popular, e advogado da nacionalização dos recursos energéticos do país mais pobre da América do Sul. A vitória de Morales, que gosta de ressaltar sua amizade com Fidel Castro e Hugo Chávez, reforça também inequivocamente a virada indigenista e esquerdista de uma parte da região", opina o El País, de Madri.

Bolivien Wahlen Anhänger der MAS des Präsidentschaftskandidaten Evo Morales in der Stadt La Paz Bolivien
Fosso social é profundo na BolíviaFoto: AP

Na avaliação diário suíco Neue Zürcher Zeitung, "Morales tem mostrado mais instinto populista e demagógico do que senso para as regras da democracia. Agora, espera-se dele habilidade integrativa num país, cuja sociedade está dividida por fossos profundos".

"Cinco governos diferentes em oito anos, dois presidentes derrubados em dois anos pelos protestos de rua – há algo de frívolo em chamar a Bolívia de democracia", escreve o editorialista do Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ). "A eleição de Morales não foi uma troca de poder flanqueada por instituições políticas e, sim, uma rebelião (pacífica) da maioria indiana do país", continua o jornal.

Segundo o FAZ, "a intenção populista de Morales, de novamente estatizar o setor energético privatizado em 1996, pode espantar os investidores estrangeiros e ser a gota d'água".

Leia a seguir: a "tomada de poder" na Bolívia

"Tomada de poder"

Hildergard Stausberg, especialista do jornal alemão Die Welt para assuntos latino-americanos, lembra que Morales trabalhou sistematicamente, durante dez anos em sua ascensão ao poder. "Virtuosísticamente, ele aproveitou a suposta ira popular contra empresas estrangeiras, para organizar protestos e bloqueios de estradas. Nesse sentido, sua vitória tem nuances de tomada de poder".

Ela acrescenta que Morales, há muito tempo montou uma rede internacional de contatos com políticos e partidos não latino-americanos, também na Europa, sobretudo com a Espanha e França. "Seus assessores parecem ter-lhe recomendado uma 'lulificação' para a Europa, isto é, a tentativa de, após a vitória eleitoral, adotar um tom moderado, como fez Lula", compara.

Stausberg, no entanto, adverte: "Devido à sua posição geopolítica estratégica no coração da América do Sul, será impossível considerar os acontecimentos na Bolívia apenas como foco de turbulência local. Há, além disso, conflitos históricos com o Chile, Peru e Colômbia, potenciais focos de crise, que podem ser usados para desviar a atenção dos problemas internos. A Bolívia é um barril de pólvora. Ela vai explodir. A questão é quando e como".

Bush perde terreno

Amerika Gipfel 2005 in Mar del Plata, Argentinien, Ausschreitungen bei Anti-Bush-Demonstration
Protestos contra Bush na Cúpula das Américas em Mar del PlataFoto: dpa

Segundo o Daily Telegraph, de Londres, "nos últimos 30 anos, os latino-americanos derrubaram seus generais em favor da democracia. E, agora, aproveitam essa liberdade para empurrar o continente para a esquerda. O velho Fidel Castro, que ainda reina sobre os escombros da revolução comunista, encontrou um aliado em Hugo Chávez, que inspirou Evo Morales, um índio aymara que ganhou a eleição com uma campanha radical socialista".

O jornal acrescenta que "Brasil, Argentina, Equador e Uraguai já elegeram governos esquerdistas. Chile e México podem seguir o mesmo caminho. Essas mudanças foram acompanhadas por uma crescente inimizade em relação a Washington, como George Bush pôde sentir na última Cúpula das Américas, em Mar del Plata, quando seus planos para uma zona de livre comércio foram rejeitados. Ele está perdendo terreno em seu próprio quintal".