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"Bons samaritanos não devem ser incriminados por ajudar"

6 de julho de 2019

Relatório da AI sobre fronteira EUA-México revela perseguição de ativistas que ajudam migrantes. Em entrevista à DW, autor do texto, Brian Griffey, diz que ações mostram desrespeito dos EUA pelo Estado de direito.

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Solicitantes de asilo fazem fila no México para entrar em El Paso, Texas
Solicitantes de asilo fazem fila no México para entrar em El Paso, TexasFoto: Reuters/J. Luis Gonzalez

A Anistia Internacional (AI) afirma, em relatório publicado na terça-feira (02/07), que os Estados Unidos têm usado cada vez mais o sistema de Justiça criminal indevidamente para impedir que ativistas, advogados, jornalistas e voluntários desafiem – ou sequer documentem – as violações sistemáticas de direitos humanos cometidas pelas autoridades contra migrantes e requerentes de asilo na fronteira com o México.

Washington tem investigado de forma inapropriada defensores de direitos humanos por supostos crimes, incluindo tráfico de pessoas, devido a suas atividades humanitárias. Além disso, as autoridades têm sujeitado os ativistas e profissionais a vigilância sem mandado, interrogatórios, buscas invasivas e restrições de viagem e, em casos isolados, a detenção injustificada e ilegal.

Brian Griffey, pesquisador da AI e autor do relatório Saving lives is not a crime (Salvar vidas não é crime), disse em entrevista à DW ser preocupante ver esses indivíduos – que se colocam entre o abuso de autoridades e aqueles cujos direitos estão sendo violados – tornarem-se, eles mesmos, novo alvo principal de violações dos direitos humanos.

"Nós vimos isso em zonas de guerra em todo o mundo, em Estados autoritários e, agora, na fronteira entre EUA e México", frisou Griffey. "Os bons samaritanos não devem ser incriminados por ajudar outras pessoas."

Brian Griffey, da Anistia Internacional, é autor do relatório "Salvar vidas não é crime"
Brian Griffey, da Anistia Internacional, é autor do relatório "Salvar vidas não é crime"Foto: Privat

DW: Que experiências os defensores de direitos humanos – como advogados, jornalistas, trabalhadores humanitários e voluntários – compartilharam e foram agora compiladas em seu relatório Salvar vidas não é crime?

Brian Griffey: Constatamos que a principal violação dos direitos humanos por parte das autoridades americanas tem sido atacar com restrições ilícitas, os que defendem os direitos dos migrantes, devido a suas opiniões políticas. Isso inclui vigilância sem mandado e apreensões de informações e dispositivos eletrônicos.

É muito preocupante ver esses indivíduos – que se colocam entre o abuso de autoridades e aqueles cujos direitos são violados – tornarem-se, eles mesmos, novo alvo principal de violações dos direitos humanos. Vimos isso em zonas de guerra por todo o mundo, em Estados autoritários e, agora, na fronteira entre Estados Unidos e México.

O desrespeito que as autoridades americanas demonstram por advogados, jornalistas, ativistas e voluntários não é apenas um desprezo por esses indivíduos, mas um menosprezo pelo Estado de direito, pelo poder judicial e pela garantia constitucional da liberdade de expressão.

Como as autoridades americanas reagiram ao serem contatadas para seu relatório?

Nós contatamos a Secretaria de Estado e os departamentos de Justiça e de Segurança Interna, e nenhum deles respondeu às nossas perguntas. O que reunimos é um retrato muito comprometedor do que eles fizeram, e contamos que o governo dos EUA vá agora tentar atacar qualquer ponto fraco do nosso relatório. Mas temos lhes dado oportunidade para comentar nossas questões há mais de quatro meses, e eles têm basicamente feito ouvidos moucos e tentado nos desencorajar, ignorando o problema.

A introdução do relatório cita uma declaração de 2017 da Secretaria de Estado dos EUA, enfatizando a importância da proteção dos defensores dos direitos humanos em todo o mundo. Como isso combina com as ações atuais?

Essa introdução da Secretaria de Estado é profundamente irônica, pois condena justo o tipo de violações de direitos humanos por motivos políticos que os próprios EUA estão agora colocando em prática na fronteira com o México. A Secretaria de Estado está premiando os defensores de direitos humanos que estão sob ameaça em países estrangeiros e, ao mesmo tempo, condenando os que atuam em seu próprio território.

Eu acabei de regressar de uma missão de um mês ao longo da fronteira EUA-México, e vi repetidas vezes que autoridades americanas e mexicanas sobrecarregadas e não fornecendo alojamento, alimentação e serviços médicos essenciais para estes migrantes e requerentes de asilo incrivelmente vulneráveis.

E quando os governos não conseguem acomodar essas pessoas, as comunidades fronteiriças e os defensores dos direitos humanos têm se adiantado e cuidado delas. É alarmante, para dizer o mínimo, os EUA e México não só estarem deixando de proteger os migrantes vulneráveis, mas também agora atacando quem se mobilizou e está fazendo o trabalho desses governos nacionais.

Pode dar um exemplo do que os defensores dos direitos humanos vivenciaram na fronteira?

O caso de Ana Adlerstein [uma voluntária do Arizona] é um exemplo muito bom. Ela estava informando aos requerentes de asilo no lado mexicano da fronteira sobre seus direitos legais de procurar asilo nos EUA. Quando estava voltando, acompanhou um solicitante de asilo até a fronteira para garantir que passaria pelo portão de entrada. Ela não foi imediatamente junto, mas sim, após a pessoa ter sido interrogada por um certo tempo, foi até a fronteira para saber se as coisas estavam correndo bem. Foi quando o oficial encarregado disse que Adlerstein estava ajudando e incitando o tráfico de pessoas, e lhe deu voz de prisão.

Isso redundou em horas de prisão, em que ela teve seus sapatos levados embora, sofreu uma revista corporal invasiva e foi mantida por várias horas no que era essencialmente uma cela de prisão na fronteira. Após ser intimidada e assediada, quando ela disse que precisava de assistência médica por ter dor de cabeça e desidratação, eles disseram que teriam de chamar uma ambulância. Mas quando ela pediu que o fizessem, abriram a porta e a libertaram. Eles disseram que, na verdade, ela não fora presa, mas apenas sido objeto de uma "inspeção secundária”, o tempo todo. Essas "inspeções secundárias” são o que temos visto cada vez mais.

O que deve acontecer para melhorar a situação dos defensores dos direitos humanos ao longo da fronteira?

Fundamentalmente, é uma crise do Estado de direito. O Congresso deveria exercer seu importante papel de desafiar esse abuso do sistema de Justiça criminal. Eles deveriam realizar audiências públicas sobre as operações de motivação aparentemente política contra esses defensores dos direitos humanos na região da fronteira entre EUA e México. E, através dessas audiências, o Congresso deveria aumentar a supervisão dos departamentos de Segurança Interna e de Justiça, e da administração Trump em geral.

De forma mais ampla, acho que o Congresso tem um papel importante em reformar as leis criminais sobre "tráfico de pessoas" a fim de incluir uma cláusula de isenção que proíba a acusação por assistência humanitária ou outro apoio em que não haja benefício financeiro nem exploração. Os bons samaritanos não devem ser incriminados por ajudar aos outros.

Obviamente, a coisa mais imediata que precisa acontecer é tanto os departamentos de Segurança Interna e Justiça quanto a administração Trump como um todo pararem de intimidar e assediar os defensores dos direitos humanos que fornecem assistência que salva as vidas de pessoas necessitadas.

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