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Balanço da era Lula

1 de outubro de 2010

Programas sociais elevaram a renda das camadas mais pobres e a popularidade de Lula. Para a oposição, uma estratégia populista de manutenção do poder. Críticos veem ainda pouco interesse por questões ambientais.

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Foto: J. Sorges

Por mais polêmico que o governo Lula seja, um aspecto nem mesmo a oposição pode contestar: o presidente entra na reta final do seu segundo mandato com uma popularidade raramente vista para governantes, ainda mais para aqueles que estão deixando o poder. Segundo o mais recente levantamento do Datafolha, nada menos que 78% dos brasileiros acham o governo Lula bom ou ótimo.

Parte dessa popularidade se deve ao mito em torno de Lula: o migrante do sertão de Pernambuco, sétimo de oito irmãos, que frequentou apenas alguns anos de escola, vai para São Paulo, vira líder sindical e oposicionista e, depois de três tentativas fracassadas, presidente da República.

A biografia de Lula, que além de tudo é também dono de uma personalidade carismática, não é só o roteiro de um drama cinematográfico – o presidente é também o espelho no qual muitos brasileiros veem refletida a própria história de ascensão social.

Some-se a isso os programas sociais, à frente deles o polêmico Bolsa Família. Somente esse programa distribui anualmente cerca de 13 bilhões de reais para 12 milhões de famílias, alcançando 46 milhões de pessoas, ou um em cada quatro brasileiros. Eles recebem por mês entre 22 e 200 reais.

Há ainda o efeito da valorização do salário mínimo. Um estudo do Dieese mostra que, entre 2003 e 2009, o salário mínimo teve um aumento real, já descontada a inflação, de 53%. O Dieese afirma que esse ganho real beneficiou 46 milhões de pessoas.

A invenção de uma candidata

Mas muitos críticos veem no Bolsa Família uma política assistencialista de caráter populista. A simples transferência de dinheiro aos pobres não cria as condições para que eles deixem a pobreza e aumenta a dependência do governo. Esta, por sua vez, serve aos interesses dos poderosos.

Prova disso é justamente a alta popularidade do presidente e o fato de ele conseguir fazer de uma desconhecida, que nunca havia disputado uma eleição – a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff – a líder das pesquisas eleitorais e favorita à Presidência da República, dizem os críticos. Dessa forma, argumentam, Lula mantém o PT e seus aliados no poder.

Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo declarou seu apoio ao candidato oposicionista José Serra (PSDB) e atacou Lula. "O dono do PT", diz o "Estadão", "é o responsável pela invenção de uma candidata" para, "se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada". "O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção", afirma o jornal.

Para os críticos do governo Lula, o recente escândalo de tráfico de influência na Casa Civil, que custou o cargo da ex-ministra Erenice Guerra, é uma prova de como a máquina partidária petista usa o governo em benefício próprio.

Melhora na renda

Assistencialista ou não, fato é que várias fontes comprovam que o governo Lula avançou no combate à pobreza. O IBGE afirma que a desigualdade de renda diminuiu entre 2001 e 2009 – e isso se deve também aos programas sociais do governo. Mas a desigualdade ainda é muito alta. Em 2001, afirma o IBGE, os 20% mais ricos recebiam 24,3 mais do que os 20% mais pobres. Depois de oito anos, esse abismo caiu para 17,8 vezes. Mas continua sendo um abismo.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a desigualdade de renda cai continuamente no Brasil desde o início da década passada. Mas, no atual ritmo, seriam necessários 30 anos para chegar, por exemplo, ao atual nível dos Estados Unidos.

O IBGE diz também que os mais pobres não foram os principais beneficiados por essa leve melhora na distribuição de renda. A classe média é quem mais saiu ganhando. Segundo um estudo da FGV, quase 30 milhões de brasileiros deixaram a pobreza entre 2001 e 2009 e passaram a integrar a classe média, que engloba hoje mais de metade da população brasileira.

"O Bolsa Família é muito importante para o combate à pobreza e à desigualdade, mas ele não é focado na nova classe média. Para ela, o aumento dos rendimentos é o mais importante", diz o economista Marcelo Neri, autor do estudo.

Crescimento da economia

Maior e com mais dinheiro no bolso, essa nova classe média foi às compras – e se tornou a principal responsável pelo crescimento da economia brasileira nos últimos anos. Principalmente após a crise econômica mundial, o mercado interno segurou a economia brasileira.

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Plataforma da PetrobrasFoto: AP

"O Brasil se apoiou muito no mercado interno nos últimos anos. Emprego e renda: esse dois fatores impulsionaram a economia", diz o economista-chefe do IEDI, Rogério de Souza. Depois da queda de 0,2% em 2009, em decorrência da crise mundial, o governo espera para este ano um crescimento de mais de 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

O Brasil também lucrou com a demanda internacional por matérias-primas, aquecida principalmente pela China. Hoje o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, café e suco de laranja e o segundo maior de soja e açúcar. Empresas como Vale, JBS, Embraer e Petrobras se tornam cada vez mais conhecidas no exterior.

Mas a boa situação da economia brasileira não é apenas um mérito do governo Lula. Ela é também resultado de uma conjuntura internacional favorável e da continuidade da política macroeconômica. "Os fundamentos macroeconômicos foram postos antes, com o Plano Real de Fernando Henrique Cardoso. Lula deu continuidade a essa política", avalia o jornalista Alexander Busch, correspondente no Brasil do diário econômico alemão Handelsblatt.

Meio ambiente é deixado de lado

O crescimento econômico também tem seus críticos, e eles estão sobretudo no setor ambiental. Para o governo Lula, afirmam ambientalistas, as questões ambientais são um empecilho ao desenvolvimento econômico. O melhor exemplo é a hidrelétrica de Belo Monte.

"Por um lado, é incontestável que o governo Lula alcançou bons resultados na melhora das condições de vida de muitos brasileiros. Por outro, principalmente depois da saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente e da crescente influência de Dilma Rousseff, as questões ambientais têm um valor muito baixo para esse governo", avalia Thomas Fatheuer, ex-diretor do escritório brasileiro da Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde da Alemanha.

"Na visão de Rousseff, o meio ambiente é um empecilho ao desenvolvimento e não parte integrante de outra forma de desenvolvimento", completa Fatheuer. É de se esperar que, com Dilma no governo, o projeto de crescimento econômico a qualquer custo deverá continuar e questões ambientais continuarão desempenhando um papel secundário.

Autor: Alexandre Schossler
Revisão: Roselaine Wandscheer