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Bucolismo urbano

Carlos Albuquerque28 de setembro de 2007

Sinais dos tempos. Em época de mudanças climáticas e globalização, a relação com o pastoril agrada cada vez mais aos jovens das metrópoles, enquanto um movimento pelo "devagar" se espalha por pequenas cidades do mundo.

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Campo de papoulas como obra de arte: escapismo através da volta à natureza?Foto: AP

Renascimento dos pequenos jardins e hortas em grandes cidades alemãs, criação de abelhas nos tetos de Nova York, cultivo de plantas hidrófilas em arranha-céus de Tóquio e um movimento da "cidade devagar" se espalhando pelas pequenas cidades do mundo: a relação com a ingenuidade do campo e da natureza – que para muitos era algo antiquado e brega – agora está se tornando hype e chique.

Não é a primeira vez que um bucolismo se anuncia. Surgindo na Grécia antiga, passando pela Idade Média e pela Revolução Industrial, ele chega ao século das megalópoles, das mudanças climáticas e da globalização.

Lentamente, fica mais claro o que artistas como Mike Kelly, Martha Rosler e Sanja Ivekovic quiseram insinuar com trabalhos envolvendo plantas e animais, expostos na documenta 12 e no último Projeto de Esculturas Urbanas de Münster. Escapismo através da volta à natureza, nova crítica da razão ou reação às mudanças climáticas e à globalização?

Renascimento do schrebergarten

Schrebergarten, literalmente "jardim do schreber", é uma palavra difícil de traduzir. O termo remete a Daniel Gottlob Moritz Schreber, médico alemão do início do século 19, considerado um dos fundadores da medicina naturalista.

Schrebergarten in Frankfurt Oder
Jovens arrendam cada vez mais schrebergartenFoto: dpa

Embora nunca tenha escrito sobre jardins, o médico se engajava por mais áreas verdes e espaços de lazer para crianças e deu nome a um movimento que hoje conta com mais de um milhão de pequenos jardins e hortas, espalhados principalmente pelas grandes cidades alemãs.

Estes pequenos jardins e hortas surgiram como forma de equilibrar o crescimento urbano provocado pela industrialização. Localizados, por exemplo, ao longo de linhas férreas ou nas periferias das cidades, tais jardins eram, até pouco tempo, considerados sinônimo de conservadorismo e terceira-idade.

Nos últimos dez anos, no entanto, a média de idade dos arrendatários de schrebergarten das prefeituras caiu de 56 para 47 anos, informa a Federação Alemã dos Amigos dos Jardins. Como explica a reportagem da TV alemã WDR sobre o assunto, cada vez mais jovens arrendam um pequeno jardim, fazendo dele sua segunda casa.

Cidade devagar

Em sua edição de setembro, a revista britânica de lifestyle Wallpaper anunciou o surgimento do "agricool urbano". Depois da Alemanha, a tendência dos telhados verdes chega agora a prédios nos Estados Unidos. Um morador de Nova York cria cerca de 60 mil abelhas em 17 coberturas de prédios de Manhattan, chegando a produzir até 60 litros de mel em um verão. Além disso, a revista relata ainda sobre plantações de arroz e ervas em edifício do centro de Tóquio.

Por outro lado, um movimento iniciado na Itália espalha-se por diversas pequenas cidades do mundo: a Slowcity (cidade devagar). Baseado no movimento Slowfood (comida devagar), o movimento italiano procura tornar a cidade um lugar melhor para se viver e tenta preservar as estruturas locais, com a inclusão de novas conquistas da ecologia e da pesquisa da sustentabilidade, informa a revista alemã Der Spiegel.

Mike Kelly petting zoo Streichelzoo Skulpturprojekte Münster
Mike Kelly: zoológico no Projeto de Esculturas de MünsterFoto: Mike Kelly/Carlos Albuquerque

Excluir os automóveis do centro, alimentar-se com produtos locais, utilizar energias renováveis, proibir filiais de grandes cadeias de supermercados e de lanchonetes como McDonald's e ter menos de 50 mil habitantes são alguns dos requisitos para que uma cidade receba o selo de "cidade devagar".

Já o receberam 42 cidades italianas, mas também no Reino Unido, Espanha, Portugal, Áustria, Polônia e Noruega existem cidades que se orientam pelo catálogo de critérios da organização Movimento Cidade Devagar. Cinco cidades alemãs com menos de 50 mil habitantes também pertencem ao seleto grupo.

Curral midiático

Aceitando a arte como radar da sociedade, fica claro, lentamente, o que o artista americano Mike Kelly quis dizer em sua obra exibida no Projeto de Esculturas Urbanas de Münster 2007: uma espécie de curral, localizado no pátio de um quarteirão habitacional, próximo à estação ferroviária da cidade, onde a estátua de sal da mulher de Ló, lambida por cabras e potros, dividia a cena com uma projeção multicanal.

Martha Rosler Erschütterung der Fragmente Skulpturprojekte Münster
Obra de Martha Rosler no Projeto de Esculturas de MünsterFoto: Martha Rosler/Carlos Albuquerque

Em Münster, como também na documenta 12, outros artistas também trabalharam com plantas e animais. A norte-americana Martha Rosler introduziu um bambuzal junto a uma igreja gótica do centro de Münster e a artista croata Sanja Ivekovic instalou um campo de papoulas na Praça do Museu Friedericianum de Kassel, a praça da documenta 12. Se a arte é insinuante, o que queriam dizer tais artistas?

Em tempos de mudanças climáticas, megalópoles e críticas à globalização, não é de surpreender que um novo bucolismo se espalhe pelos habitantes de pequenas e grandes cidades do mundo.

Isto faz jus ao fato de o bucolismo ter surgido, no decorrer da história da literatura e da arte, sempre em épocas de demasiado crescimento urbano, como durante a Baixa Idade Média e a Revolução Industrial, ou como forma de crítica da razão, valorizando o ingênuo, o pastoril e a natureza.