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Cientistas tentam primeira edição genética dentro do corpo

15 de novembro de 2017

Experimento pioneiro é realizado nos EUA, em paciente de 44 anos que sofre de doença metabólica incurável. Após ser implantado, gene corretivo altera DNA permanentemente. Riscos não são completamente conhecidos.

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Vírus programado dá instruções ao fígado para produzir ferramentas genéticas, que cortam o DNA e implantam o novo geneFoto: Fotolia/majcot

Pela primeira vez, cientistas tentaram editar um gene dentro do corpo humano, num experimento ousado para alterar permanentemente o DNA de uma pessoa em busca da cura de uma doença.

O teste pioneiro foi realizado nesta segunda-feira (13/11) na Califórnia, em Brian Madeux, de 44 anos. Ele recebeu, por injeção intravenosa, bilhões de cópias de um gene corretivo e uma ferramenta genética para cortar seu DNA num ponto específico.

Madeux sofre de uma doença metabólica chamada síndrome de Hunter. "Estou disposto a assumir esse risco. Espero que isso me ajude e ajude outras pessoas", disse, acrescentando se sentir honrado por ser o primeiro a ser submetido ao teste.

Sinais de que o procedimento está funcionando ou não podem surgir dentro em um mês – testes clínicos, no entanto, podem dar certeza somente depois de três meses. Caso seja bem sucedido, o método poderia dar um grande impulso ao campo da terapia genética.

Cientistas já foram capazes de editar genes de pessoas, alterando células em laboratórios antes de reimplantá-las nos pacientes. Existem também terapias de genes que não envolvem edição de DNA – mas estes métodos só podem ser usados para alguns tipos de doenças. Alguns dão resultados apenas temporários. Outros fornecem um novo gene como uma peça solta, e não podem controlar onde este se insere no DNA, possivelmente causando um novo problema, como câncer.

No método testado em Madeux, a inserção do gene está ocorrendo de uma maneira precisa dentro do corpo. É como enviar um minicirurgião para colocar o novo gene exatamente na localização desejada.     

"Nós cortamos o DNA, abrimos, inserimos um gene e costuramos de volta. Reparo invisível", simplificou Sandy Macrae, presidente da Sangamo Therapeutics, empresa americana que testa a prática em duas doenças metabólicas e hemofilia. "Isso se torna parte de seu DNA e fica lá para o resto da vida."

Isso também significa que não há como desfazer o procedimento, nenhuma maneira de apagar qualquer erro que a modificação genética possa causar.

"Estão brincando com a Mãe Natureza", disse o especialista independente Eric Topol, do Instituto de Ciências Translacionais Scripps, em San Diego. Topol reconheceu que não há como se ter conhecimento completo dos riscos, mas afirmou que o estudo deveria avançar porque se tratam de doenças incuráveis.

Há medidas para ajudar a garantir a segurança, e testes em animais foram bastante encorajadores, disse o cientista Howard Kaufman, do painel dos Institutos Nacionais de Saúde que aprovou os estudos.

Kaufman alegou que a perspectiva em relação à edição de genes é muito boa para ser ignorada. "Até o momento, não há provas de que isso seja perigoso", disse. "Agora não é a hora de ficar com medo."

Terapia genética para tratar problemas imunológicos

Da cabeça aos pés

Menos de dez mil pessoas em todo o mundo sofrem desse tipo de doenças metabólicas, em parte porque muitas morrem muito jovens. Aquelas que sofrem da mesma condição de Madeux, a síndrome de Hunter, não possuem um gene que produz uma enzima que quebra certos carboidratos. Estes se acumulam em células e causam danos pelo corpo.

Os pacientes podem ter resfriados frequentes e infecções no ouvido, feições distorcidas, perda auditiva, problemas cardíacos, respiratórios, de pele e nos olhos, falhas em ossos e articulações, problemas intestinais e cerebrais. Muitos vivem em cadeiras de rodas. Doses semanais da enzima ausente podem aliviar alguns sintomas, mas custam entre 100 mil e 400 mil dólares por ano e não impedem danos cerebrais.

Madeux já passou por 26 cirurgias, devido a hérnias e problemas na vesícula, por exemplo. "Parece que fiz uma cirurgia a cada dois anos da minha vida", disse. No ano passado, quase morreu de um ataque de bronquite e pneumonia. A doença deformou suas via aéreas. A modificação genética não repara os danos que Madeux já sofreu, mas ele espera que ela acabe com a necessidade de tratamentos semanais com enzimas.

Como funciona o tratamento?

Uma ferramenta de edição genética chamada CRISPR recebeu muita atenção recentemente, mas o estudo atual testado em Madeux usou uma ferramenta diferente, as chamadas nucleases de dedo de zinco (ZFN) – uma classe de proteínas projetadas de ligação de DNA. Elas funcionam como tesouras moleculares que procuram e cortam um pedaço específico do DNA.

A terapia possui três partes: o novo gene e duas proteínas de dedos de zinco. As instruções de DNA para cada parte são introduzidas num vírus que foi alterado para não causar infecção, mas para transportá-la para as células. Bilhões de cópias são injetadas numa veia. Estas viajam para o fígado, onde as células usam as instruções para fazer os dedos de zinco e preparar o gene corretivo. Os dedos de zinco cortam o DNA, permitindo que o novo gene entre na cadeia molecular. O novo gene então orienta a célula para que produza a enzima em falta.

Apenas 1% das células do fígado teria que ser corrigida para tratar com sucesso a doença, afirmou o médico de Madeux e líder do estudo, Paul Harmatz, do hospital de Oakland.

O que poderia dar errado?

Problemas quanto à segurança comprometeram algumas terapias genéticas anteriores. Uma preocupação é que o vírus pode provocar um ataque ao sistema imunológico. Em 1999, Jesse Gelsinger, de 18 anos, morreu num estudo de terapia genética. Mas os novos experimentos usam um vírus diferente, que se revelou muito mais seguro.

Outra preocupação é que a inserção de um novo gene pode ter efeitos imprevistos em outros genes. Isso ocorreu alguns anos atrás, quando os pesquisadores usaram a terapia genética para curar casos do distúrbio do sistema imunológico chamado Imunodeficiência Combinada Grave (SCID, na sigla em inglês). Vários pacientes desenvolveram leucemia, pois o novo gene inseriu-se num lugar do DNA em que involuntariamente ativou um gene de câncer.

Por fim, há quem tema que o vírus possa acabar em outros lugares, como coração, ovário e esperma, onde poderia afetar as gerações futuras. Os médicos afirmam que as salvaguardas genéticas incorporadas impedem a terapia de funcionar em qualquer lugar exceto no fígado, como uma semente que só germina em certas condições.   

PV/ap

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