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Como Carlos Ghosn se tornou um fugitivo

Paul-Christian Britz md
8 de janeiro de 2020

O chefe da aliança automotiva Renault-Nissan foi um dos homens mais poderosos no mundo dos negócios. Em pouco tempo, ele passou de celebrado executivo a fugitivo internacional. Saiba como isso aconteceu.

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Desenho de Carlos Ghosn durante audiência em tribunal japonês
Carlos Ghosn durante audiência em tribunal japonêsFoto: picture-alliance/Kyodo/N. Katsuyama

O ex-executivo do setor automotivo Carlos Ghosn esteve entre as pessoas mais poderosas do mundo corporativo. Mas questões envolvendo sobre seus vencimentos na montadora Renault-Nissan levaram à destruição de sua imagem e, no final, acabaram por fazer dele um fugitivo.

Nascido no Brasil, ele tem ascendência libanesa e, além da nacionalidade dos dois países, possui passaporte francês. A seguir, os principais pontos para entender a ascensão e queda do empresário:

Como Carlos Ghosn se tornou tão famoso?

Ghosn é uma das figuras mais proeminentes, se não a mais proeminente da indústria automobilística. Ele trabalhou como engenheiro na fabricante de pneus Michelin por 18 anos antes de começar na Renault em 1996. Ele criou um nome, ou melhor, um apelido, para si mesmo ao liderar uma reestruturação maciça. A partir de então, passou a ser chamado "Le Cost Cutter".

Ghosn levou a espada para o Japão em 1999, quando a Renault chegou para salvar a fabricante japonesa de automóveis em dificuldades. Ele cortou 21 mil empregos, fechou fábricas, cortou custos de compra e reinvestiu a economia em 22 novos modelos de carros e caminhões em apenas três anos. O renascimento da Nissan tornou Ghosn uma espécie de herói nacional. Ele até inspirou um mangá (tipo de história em quadrinhos japonesa).

Quem era Ghosn para a Renault-Nissan?

Ele era tido como o elo crucial da aliança automobilística franco-japonesa. Enquanto outras fusões no setor, como que uniu a alemã Daimler e a americana Chrysler, não sobreviveram, ele manteve a Renault-Nissan viva. Ele liderou a empresa durante a crise financeira de 2008, com diminuição das vendas de carros na Europa e alguns escândalos corporativos. Também houve uma trágica onda de suicídios na empresa em 2011.

Ghosn e Macron com funcionários da Renault
Ghosn e Macron com funcionários da Renault: executivo era uma estrela do setor automotivoFoto: picture-alliance/AP Images/E. Laurent

Em 2016, a próspera aliança ganhou um terceiro parceiro, a Mitsubishi. Um ano depois, vendeu 10,6 milhões de veículos, mais do que seus eternos rivais na luta pela supremacia da indústria automobilística, Volkswagen e Toyota. Ghosn atuava como presidente executivo da Renault, presidente do conselho de administração das três empresas e chefe do grupo. Mas sua remuneração generosa pelo seu papel central causou repetidamente controvérsia na França e no Japão.

O que explica a tensão entre Ghosn e Nissan?

A ascensão e queda de Ghosn na empresa é uma história de poder e controle. Quando a Renault salvou a Nissan, a montadora francesa adquiriu uma participação de 43% da Nissan, conferindo-lhe consideráveis ​​poderes de gestão. O governo francês, que é o maior acionista da Renault, também ganhou influência significativa.

Por outro lado, a Nissan recebeu apenas 15% da Renault sem direito a voto. Mas nos últimos anos a Nissan recuperou sua antiga força financeira, enquanto a Renault teve que lutar contra a queda nas vendas de carros na Europa. A reviravolta da Nissan levou o ex-presidente executivo da empresa Hiroto Saikawa a pressionar para ganhar mais poder na aliança, enquanto Ghosn buscava uma integração mais próxima entre as duas montadoras. Como resultado, os executivos da Nissan ficaram cada vez mais preocupados com a possibilidade de a Renault engolir seu parceiro japonês.

Em uma declaração que Ghosn fez em vídeo após sua prisão, ele culpou a má administração da Nissan pelo surgimento das acusações e alegou que alguns executivos da Nissan temiam perder seus empregos.

Carlos Ghosn e dois policiais que usam máscaras brancas cobrindo a boca
Ghosn pagou as mais altas taxas de fiança da história japonesaFoto: picture-alliance/AP Photo/Kyodo

Quais são as acusações?

Ghosn foi acusado no Japão de subestimar em cerca de 80 milhões de dólares seus ganhos na Nissan entre 2010 e 2014. Em setembro, Ghosn fechou um acordo com a comissão de valores imobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) sobre acusações de que ele não havia reportado 140 milhões de dólares de remuneração na Nissan.

Os promotores também alegam que Ghosn usou indevidamente os fundos da empresa para seu próprio benefício e o benefício de sua família e amigos. Isso inclui canalizar 5 milhões de dólares da Nissan para contas que ele controlava e que seriam usadas para ou financiar uma empresa de investimentos de um de seus filhos ou para comprar um iate para uma empresa de propriedade de sua mulher. Ghosn nega todas as acusações.

Como está a Renault-Nissan sem Ghosn?

A prisão de Ghosn abalou a parceria dos dois lados. Sem ele no comando, as ações da Renault e da Nissan tiveram em 2019 os piores desempenhos entre as montadoras. Segundo a Bloomberg, as ações da Renault caíram 23%, e a Renault corrigiu para baixo suas diretrizes financeiras em outubro. A Nissan perdeu 28% em valor e sofreu um êxodo de executivos. Isso incluiu o ex-presidente executivo da Nissan Hiroto Saikawa – um crítico das supostas irregularidades de Ghosn durante o período da prisão –, que teve que deixar o cargo em meio a um escândalo por excesso de remuneração. Os lucros da empresa foram os mais baixos em uma década, e a empresa planeja maciços cortes de empregos.

Como Ghosn escapou do Japão?

Um planejamento meticuloso ao longo de meses esteve por trás da fuga digna de Hollywood de Ghosn. Depois de passar mais de 100 dias na prisão, Ghosn foi libertado sob fiança para morar em uma casa alugada e fortemente protegida em Tóquio, esperando o julgamento, adiado seguidas vezes. O Ano Novo é um dos feriados mais importantes do Japão, quando uma parcela dos policiais costuma trabalhar. Uma empresa de segurança privada contratada pela Nissan recentemente interrompeu a vigilância após denúncias de violações de direitos humanos. Era a hora oportuna. Relatos da mídia japonesa sugerem que Ghosn pegou um trem-bala de Tóquio para Osaka, onde embarcou em um jato particular com destino à Turquia em uma mala destinada a equipamentos de áudio. De Istambul, ele teria embarcado em um voo comercial para o Líbano, país do qual  tem cidadania.

Capas de jornais japoneses com foto de Carlos Ghosn
Prisão rapidamente levou à perda da imagem de super-herói de Ghosn no JapãoFoto: picture-alliance/ZUMA Wire/R. R. Marin

Qual é o problema de Ghosn com o sistema legal do Japão?

Ghosn disse que fugiu do país para escapar de um sistema judicial "parcial", um "sistema de reféns". Ele tinha se queixado antes ter ficado preso em uma cela sem aquecimento. A Anistia Internacional acusa há muito tempo que algumas confissões no Japão são provocadas por força, que há duras condições nas prisões no país e que os acusados não têm acesso a um advogado. A situação do Japão é realmente incomum, com suas longas detenções preventivas, longos atrasos nos julgamentos e condições severas de fiança.

Ghosn pagou as mais altas taxas de fiança da história japonesa: 1 bilhão de ienes (9,2 milhões de dólares) pela sua primeira fiança e outros 500 mil ienes quando foi preso novamente por outras acusações. Uma prisão no Japão é mais ou menos equivalente a ser considerado culpado. Mais de 99% das denúncias apresentadas pela promotoria terminam em condenação.

Ghosn está a salvo no Líbano?

O Líbano não tem um acordo de extradição com o Japão nem geralmente extradita seus cidadãos. No entanto, advogados libaneses agora estão atrás de Ghosn, não por seus erros financeiros, mas por acordos comerciais com o arqui-inimigo do Líbano, Israel. Ghosn viajou a Israel a negócios, o que é uma ofensa, no caso de cidadãos libaneses, que pode render até 15 anos de prisão. A secretária de Estado de Economia e Finanças da França, Agnès Pannier-Runacher, disse recentemente que não extraditaria Ghosn se ele chegasse ao país. Ele também está sob investigação na França, mas ainda não foi acusado de nenhum crime no país.

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