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Como militares alemães ajudam a combater a covid-19

3 de novembro de 2020

Soldados da Bundeswehr estão sendo enviados a cidades para auxiliar no trabalho de autoridades de saúde. Apoio causa polêmica em alguns locais do país.

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Soldado da Bundeswehr de uniforme militar e máscara de proteção trabalha em escritório do departamento de saúde alemão no rastreamento de contatos de cidadãos infectados pela covid-19.
Atualmente, cerca de 3 mil membros da Bundeswehr auxiliam as autoridades de saúde alemãs Foto: Bernd Thissen/dpa/picture-alliance

Na Alemanha, quando uma cidade não tem funcionários suficientes para conduzir os testes de covid-19, rastrear cadeias de infecção ou fornecer suprimentos médicos de emergência, sempre se pode chamar as Forças Armadas. Para isso, há inclusive um formulário de inscrição no site da Bundeswehr disponível para download.

O documento é surpreendentemente curto, considerando as implicações logísticas e a reputação da Alemanha como país de uma burocracia complexa e em papel. Ao todo, o arquivo em pdf tem apenas duas páginas e seis perguntas que definem os parâmetros de forma sucinta: O que você precisa? Para que? Onde o trabalho será realizado? E por quanto tempo?

A oferta já está sendo utilizada por centenas de conselhos e departamentos governamentais. À DW um porta-voz do Ministério da Defesa afirmou que cerca de 1,3 mil pedidos de auxílio no combate à covid-19 foram feitos desde o início da pandemia, dos quais 900 foram aprovados. Atualmente, há 300 operações estão em vigor, que empregam um total de 3 mil soldados. Segundo o porta-voz, isso está dentro da capacidade da Bundeswehr, que disponibilizou cerca de 15 mil militares para essa missão.

A grande maioria das tarefas que os militares assumem são administrativas e requerem apenas um treinamento simples ou a formação que eles já possuem. Por exemplo, médicos militares prestam aconselhamento e realizam testes de covid-19 nos aeroportos. O rastreamento de contatos, em particular, é extremamente demorado, mas requer pouco treinamento.

A cooperação não é isenta de atritos. Por um lado, existem limites constitucionais rígidos para as áreas de atuação da Bundeswehr dentro do país. Em um cenário de desastre natural, como uma pandemia, os militares não podem assumir as tarefas de segurança – e nem mesmo simplesmente ajudar a polícia. Alguns dos pedidos de autoridades locais nos últimos meses foram recusados por esse motivo.

Inauguração do centro de testes de covid-19 nas dependências do aeroporto de Gütersloh, na Renânia do Norte-Vestfália.
Soldados têm ajudado com operações de teste de covid-19 em grande escalaFoto: picture-alliance/dpa/G. Kirchner

Tais restrições têm origens na história da Alemanha e se tornaram parte da cultura política do país. Apesar de uma crise de saúde global, muitos alemães são sensíveis a respeito dos militares assumindo funções civis. No distrito central de Mitte, em Berlim, por exemplo, vereadores do partido A Esquerda se opuseram aos soldados que apareciam para trabalhar uniformizados.

"O surgimento de uniformes na administração pública – essa é uma visão que não aprovamos", disse o presidente local da sigla Sven Diedrich, ao jornal Berliner Morgenpost. Ele afirmou ainda que a população em geral ficaria aflita com a imagem. Os militares atenderam ao pedido e os soldados agora usam roupas civis quando auxiliam nas repartições.

Resistindo sem os militares

A outra questão para as autoridades é que essa auxílio não é gratuito. A Bundeswehr cobra pelo trabalho de seus soldados e governo locais precisam dispor de um orçamento para tal, assim como fariam para qualquer outro serviço. O governo estadual de Berlim, por exemplo, disponibilizou 2,5 milhões de euros (mais de R$ 16 milhões) de seu orçamento total para o coronavírus só para cobrir a ajuda militar.

Esse fato se tornou o ponto crucial de uma disputa política que se sucedeu em outro distrito de Berlim. Vereadores conservadores de Friedrichshain-Kreuzberg com histórico de pedidos de ajuda militar foram repetidamente derrotados pela maioria composta por vereadores do Partido Verde e A Esquerda. Isso provocou a ira da mídia de direita e atraiu comentários irritados do governo alemão.

O ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, acusou os distritos berlinenses de tomar uma decisão "ideológica" em detrimento da saúde pública, enquanto a ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, criticou ao jornal Tagesspiegel, no início de outubro, o governo local.

"Eu não consigo entender nada quando a coalizão vermelho-vermelho-verde [formada pelo Partido Social-Democrata (SPD), A Esquerda e o Partido Verdes] prefere o risco do aumento rápido de infecções... em vez de aceitar ajuda da Bundeswehr", ressaltou Kramp-Karrenbauer.

Temendo parecer ingrata, a câmara de Friedrichshain-Kreuzberg rebateu as críticas dizendo que sua autoridade de saúde simplesmente decidiu investir o dinheiro na contratação de civis como rastreadores de contato. Argumentou ainda que essa contratação tem o benefício adicional de dar trabalho a alguns dos que perderam o emprego por causa da pandemia.

"Nunca dissemos que queríamos descartar a Bundeswehr de forma categórica", disse o vereador dos Verdes Julian Schwarze. "Dissemos que a Bundeswehr pode ser a última opção, mas até então devemos tentar fortalecer as autoridades de saúde o melhor que pudermos com pessoal suficiente."

Segundo Schwarze, esta seria a melhor saída por várias razões. "Às vezes, os soldados da Bundeswehr ficam apenas alguns dias e são logo transferidos. Isso significa que eles precisam passar constantemente por novos treinamentos e, quem precisa repetir treinamentos em intervalos regulares, perde recursos."

Outro distrito de Berlim, Tempelhof-Schöneberg, fez uma reclamação semelhante, levando Berlim a empregar rastreadores de contato em contratos de um ano.

Mas o atrito continua sendo uma exceção e, com os casos de coronavírus aumentando na Alemanha, a Bundeswehr provavelmente receberá muitos outros pedidos de ajuda nos próximos meses.