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Consenso vago e discordância previsível marcam cúpula do G20

8 de julho de 2017

Encontro em Hamburgo termina com consenso básico no comércio, racha no clima global e simpatia mútua russo-americana. ONGs criticam ausência de temas sociais. E Trump teve uma dublê no segundo dia.

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Líderes do G20 reunidos em Hamburgo. À esq. de Angela Merkel, Ivanka Trump
Líderes do G20 reunidos em Hamburgo. À esq. de Angela Merkel, Ivanka TrumpFoto: picture-alliance/dpa/P. Stollarz

O comunicado final da conferência de cúpula que se encerrou neste sábado (08/07), reunindo representantes dos 19 principais países industrializados e em desenvolvimento, além da União Europeia, demonstra consenso em diversos pontos – ainda que de forma vaga e não vinculativa.

Os participantes reunidos em Hamburgo foram unânimes em que a regulamentação dos mercados financeiros deve ser mantida, e o terrorismo e a evasão fiscal, combatidos. Essa é, afinal, a missão central para qual o "governo mundial" do G20 foi criado, após a crise financeira de 2008.

A tradicional unanimidade foi quebrada no tocante ao aquecimento global. Aqui o placar foi de 19 contra um. Os Estados Unidos deverão abandonar o Acordo de Paris sobre o clima, e, nem sob a pressão da presença de seus pares em Hamburgo, o presidente americano, Donald Trump, se deixou demover da decisão, duramente criticada tanto em nível doméstico quanto internacional.

"Onde não há consenso, deve-se mostrar dissensão", concluiu a chanceler federal alemã e atual presidente do G20, Angela Merkel. Ela lamentou o afastamento dos EUA das metas do clima, mas manifestou-se "grata de que todos os outros chefes de Estado e governo considerem o Acordo de Paris irreversível". Agora ele precisa ser implementado rapidamente.

Sem se deixar impressionar por esse isolamento internacional, Trump mandou acrescentar no comunicado final que seu país pretende ajudar outros países a queimarem combustíveis fósseis "de forma limpa". O Acordo de Paris prevê o abandono em longo prazo de fontes energéticas como petróleo, carvão e gás natural.

Encontro Trump-Putin (na foto, acompanhados por presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker) canalizou atenções na cúpula do G20
Encontro Trump-Putin (na foto, acompanhados por Jean-Claude Juncker) canalizou atençõesFoto: Reuters/Courtesy of Bundesregierung/S. Kugler

Putin e o Trump "real"

Ao fim do encontro, o presidente americano agradeceu efusivamente a Merkel por sua liderança forte, chamando-a de "simplesmente incrível". De resto, ele utilizou Hamburgo sobretudo como palco para conversas bilaterais. Afinal, segundo suas próprias palavras, lhe é estranho o conceito de cooperação internacional – sobre o qual, a rigor, o G20 se baseia.

Do ponto de vista russo-americano, o primeiro encontro de cúpula entre Trump e o presidente Vladimir Putin foi o ponto alto do evento na cidade alemã. Washington considerou o cessar-fogo parcial na Síria, acordado entre ambos, uma vitória diplomática para o político republicano.

Quanto à suposta interferência de hackers russos nas últimas eleições presidenciais – já confirmada por diversas fontes – o lado americano afirma ter "pressionado" em relação ao tema no encontro e que Putin negou a ingerência.

Na coletiva de imprensa subsequente, o chefe do Kremlin declarou ter sido lançada a base para uma cooperação binacional continuada. Sua impressão é que "o Trump da televisão é bem diferente do homem real".

No segundo dia da cúpula do G20 em Hamburgo, Trump abriu um precedente ao se fazer representar numa das reuniões por sua filha, Ivanka. Com expressão totalmente neutra, Merkel comentou que a opção "está dentro do campo das coisas possíveis".

Representatividade do G20
Representatividade do G20

Por um comércio "justo"

Em relação ao comércio, após dias enfrentando a resistência americana, os negociadores do G20 tiveram que se contentar com o mínimo denominador comum. A cúpula se compromete com o comércio internacional "justo", e ao mesmo tempo pretende fortalecer os instrumentos de decisão em casos de distúrbios. A Organização Mundial do Comércio permanece como árbitro.

O livre acesso aos mercados foi citado, sobretudo como crítica à China, que procura proteger suas empresas da competição por investidores estrangeiros no próprio território. Trump manifestou-se contra acordos comerciais multinacionais, por serem "injustos" para com os Estados Unidos. Ele aposta em pactos bilaterais, por exemplo com o Reino Unido, que dentro de dois anos sairá da União Europeia.

Ao contrário do declarado em sua campanha presidencial, o americano disse rejeitar o protecionismo, ou seja, o isolamento da economia nacional.

A conclusão de Merkel foi otimista: "Com ação conjunta, poderemos alcançar mais do que sozinhos" – uma visão que ela crê ser partilhada por todos.

África e ausência das causas sociais

A premiê alemã conseguiu impor um projeto que considera importante: os países do G20 trabalharão no sentido de novos acordos com a África, para vitalizar a economia do continente através de investimentos diretos e em infratestrutura.

Com iniciativa pró-África no G20, Merkel também defendeu política antimigração da UE
Com iniciativa pró-África no G20, Merkel também defendeu política antimigração da UEFoto: Getty Images/AFP/P. Stollarz

A iniciativa, intitulada G20 Compact with Africa, visa dar novas perspectivas econômicas aos africanos, evitando que o maior número possível deles tente emigrar para Europa. Assim, o projeto faz parte da estratégia antimigração da UE.

O G20 também aprovou a intenção de intensificar o apoio à causa feminina. A declaração final do grupo aponta a educação e as mulheres como chave para a prosperidade e o desenvolvimento.

Ainda assim, diversos grupos da sociedade civil presentes no encontro criticaram severamente as resoluções da cúpula. "Fica cada vez mais nítido que o G20 não é um grupo homogêneo, que os interesses dos diferentes países divergem", observou Jörn Kalinski, da ONG para a ajuda ao desenvolvimento Oxfam, em entrevista à DW.

"Viemos a Hamburgo com a reivindicação de que o G20 colocasse na pauta o tema 'desigualdade social'. Isso não aconteceu. Mas essa desigualdade desintegra a coesão das sociedades. Cidadãos que se sentem relegados, que estão insatisfeitos, correm atrás dos populistas de direita. E isso é um perigo para a democracia", advertiu Kalinski.

Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.