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"Cortar direitos trabalhistas não gera emprego"

Thiago Resende
20 de novembro de 2018

Para o chefe do Ministério Público do Trabalho, novas flexibilizações de direitos, como previstas por Bolsonaro, seriam desastrosas. Ele avalia que reforma trabalhista de Temer não trará desenvolvimento econômico.

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Pessoas em busca de trabalho fazem fila em Campinas, no interior de São PauloFoto: picture-alliance/D. Cesare/Estadao Conteudo

O chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury, afirmou que, com base na experiência internacional e com os resultados iniciais da reforma trabalhista no Brasil, o problema do desemprego não será solucionado com a flexibilização de direitos dos trabalhadores.

O programa de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro prevê medidas para que as normas trabalhistas sejam menos "engessadas", mantendo, porém, os direitos constitucionais, como férias remuneradas, 13° salário e o Fundo de Garantia (FGTS). O símbolo dessas propostas é a chamada "Carteira [de Trabalho] Verde e Amarela", promessa de campanha de Bolsonaro.

"A flexibilização dos direitos trabalhistas não gera empregos, não traz desenvolvimento econômico", disse Fleury, em entrevista à DW Brasil. "Só com o aumento da demanda vai se gerar empregos."

A reforma trabalhista aprovada no governo do presidente Michel Temer completou um ano em novembro. Mesmo na base aliada do presidente há críticas a "excessos" da nova legislação.

Grávidas e lactantes, por exemplo, só serão obrigatoriamente afastadas do local de trabalho em casos de grau máximo de insalubridade. Também há regras mais flexíveis para negociar uma jornada de 12 horas de trabalho seguida de 36 horas de descanso.

Temer tentou fazer ajustes na reforma por meio de uma medida provisória, que não foi analisada pelo Congresso Nacional. Nem o atual governo nem a equipe de Bolsonaro falam numa nova tentativa de fazer essas alterações.

Prevalece, portanto, a legislação da Reforma Trabalhista, que, na avaliação do procurador-geral do Trabalho, cria uma "situação absolutamente nefasta para os trabalhadores".

Procurado, o Ministério do Trabalho afirmou que os ajustes na reforma trabalhista seriam de responsabilidade da Casa Civil. Por sua vez, a Casa Civil afirmou que "a pauta está com o Poder Legislativo", onde tramita um projeto de lei sobre o assunto.

DW: O programa do novo governo aponta para a continuidade das flexibilizações das leis trabalhistas. Qual a sua avaliação sobre essas propostas, como a carteira verde-amarela?

Ronaldo Fleury: Isso seria uma mudança desastrosa para os trabalhadores em relação a perda de direitos, pois se manteriam apenas aqueles previstos na Constituição. E isso abriria uma brecha para que não seja aplicada a convenção coletiva [acordo entre sindicatos e empregadores estabelecendo regras para a categoria], o que coloca o trabalhador em condições de risco.

O argumento da equipe de Bolsonaro é que, com regras menos "engessadas", mais empregos serão criados. O Ministério Público do Trabalho está de acordo?

Os estudos sobre países onde houve flexibilização trabalhista e também o resultado registrado neste um ano de reforma trabalhista no Brasil mostram que a flexibilização dos direitos trabalhistas não gera empregos, não traz desenvolvimento econômico. Só com o aumento da demanda vai se gerar empregos. Espero que essas propostas já divulgadas sejam revistas. Estamos dispostos a conversar. Queremos um desenvolvimento sustentável, com garantia dos direitos sociais, direitos humanos, concorrência saudável entre as empresas, e que nossas empresas não percam mercados no exterior, que não sejamos vistos como um país que permite a precarização das normas trabalhistas, o que poderia resultar em embargos econômicos, o que não interessa a ninguém.

Quando o governo de Michel Temer aprovou a Reforma Trabalhista, prometeu fazer ajustes no mesmo ano. Mas a estratégia falhou. Quais as consequências disso para o trabalhador?

Os próprios articuladores da reforma trabalhista apontaram vários trechos a serem corrigidos ou até mesmo excluídos, por exemplo a questão do trabalho insalubre para gestantes e lactantes. Além disso, há, até hoje, questões pendentes e que carecem de nova regulamentação legal, como é o caso dos trabalhadores intermitentes, cujo tempo de serviço não é contado para a aposentadoria. Como consequência dessa reforma, a situação atual, em razão de o governo não ter conseguido ajustar alguns pontos da reforma trabalhista, é absolutamente nefasta para os trabalhadores.

Esses ajustes poderiam ser feitos por decreto, como chegou a considerar o governo Temer?

Algumas questões que o governo disse que poderia ajustar por decreto só poderiam, na verdade, serem alteradas por lei, como nesse caso das gestantes. A reforma trabalhista é danosa aos trabalhadores em diversos pontos. Ela permite que se ganhe abaixo do salário mínimo, e há normas que não encontram paralelo em qualquer outro país.

O Ministério Público do Trabalho já recebeu relatos de grávidas que trabalham em lugares insalubres?

Ainda não temos nenhuma denúncia feita nesse sentido. De qualquer forma, algumas empresas estão procurando e conversando com procuradores para saber qual a melhor opção e o que fazer diante da nova legislação. Fizemos um material para esclarecer a todos. Falamos, por exemplo, que essa questão das grávidas e outros pontos são inconstitucionais. Isso tem servido para balizar o modo de agir das empresas e evitado que as trabalhadoras e os fetos sejam expostos a condições insalubres.

Quais são outras consequências da reforma trabalhista? Há insegurança jurídica?

A insegurança jurídica é natural porque tivemos mais de 250 dispositivos da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] alterados. Isso já está sendo maturado. Um dos maiores problemas tem sido o aumento da informalidade, que agrava ainda mais a perda de arrecadação previdenciária. Além disso, nos casos das novas formas alternativas de contratação, não há segurança sobre a renda, então esses trabalhadores não fazem crediário para compra de apartamento, carro, geladeira, etc. Não teremos, de fato, um desenvolvimento econômico. E o sistema sindical saiu enfraquecido após a reforma. Isso gera perda de representatividade e até dificuldades para as empresas evitarem greves.

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