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"Crowdfunding" contra a guerra da Rússia na Ucrânia

5 de junho de 2022

Cidadãos comuns de todo o mundo ajudam a financiar militares da Ucrânia, contra Putin. Doações servem à aquisição desde kits de primeiros socorros até drones armados. Porém "cansaço de guerra" ameaça as iniciativas.

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Mulher chora segurando boneco com feições de bebê, ruínas ao fundo
Mais de 100 dias de guerra deixam longo rastro de destruição e morte, com um quinto da Ucrânia em mãos do invasor russoFoto: Natacha Pisarenko/AP

Dois dias após a Rússia iniciar sua guerra contra a Ucrânia, Farid Bekirov decidiu que ajudaria o país invadido. O empresário com base em Amsterdam se uniu a outros três para fundar a campanha de crowdfunding EyesOnUkraine.eu ("Olhos na Ucrânia"). Em junho eles estavam prontos a despachar um comboio de auxílio, formado por um veículo todo-o-terreno (ATV) e drones de vigilância – 86 "olhos no céu" para a Ucrânia.

Desde o início da agressão militar, a intenção de Bekirov era ajudar a documentar os crimes de guerra russos, conta à DW. Nascido no Cazaquistão, ele cresceu em Leningrado, na União Soviética, atual São Petersburgo. Na década de 90, mudou-se para a Europa ocidental, contratado por companhias de aviação ucranianas.

No verão de 2013-14, ele foi a Kiev apoiar a revolução pró-europeia da Praça da Independência (Maidan). Pouco depois, testemunhou a ida de milhares de voluntários ao leste ucraniano para enfrentarem os separatistas do Donbass. Já então, havia na Ucrânia e no Ocidente um movimento de coleta de donativos voltados à compra de vestes protetoras e uniformes para os soldados lutando na região.

Na época, as Forças Armadas ucranianas usavam drones comerciais comuns para localizar os tanques russos. À medida que Moscou começou a enviar cada vez mais desses veículos de combate, no fim de fevereiro de 2022 os "olhos no céu" não pilotados permitiram aos defensores rastrear esse avanço. Quando obtinham a localização exata, tropas de solo alvejavam os tanques com mísseis de ombro leves.

"Nova qualidade" de financiamento coletivo

A iniciativa de financiamento colaborativo de Farid Bekirov é uma de centenas criadas na Europa e nos Estados Unidos nos últimos meses. O pesquisador Kamil Galeev, do think tank Wilson Centre, sediado nos EUA, publicou no Twitter uma lista detalhada das unidades militares ucranianas, com seus dados bancários e de que doações necessitam. Há grande demanda de drones, aparelhos de visão noturna, vestes de proteção e kits de primeiros socorros.

Também no próprio país sob invasão russa lançaram-se diversas campanhas de crowdfunding em apoio às forças militares. O famoso romancista e músico ucraniano Serhiy Zhadan também está se empenhando. Em 2012 a conceituada editora alemã Suhrkamp publicou seu Die Erfindung des Jazz im Donbass (A invenção do jazz no Donbass), que se tornou um best-seller. Agora o autor usa sua fama na coleta de contribuições para o Exército de seu país.

Em sua página no Facebook, Zhadan publica fotos de soldados para quem ele conseguiu financiar novas caminhonetes e carros. Seus esforços estão ajudando a defender sua cidade natal, Kharkiv. Para coletar os donativos, ele compartilha por praticamente toda parte os detalhes de sua conta na plataforma de pagamento americana PayPal.

"Essa coisa do PayPal do Zhadan realmente funciona", comenta seu colega Yuriy Gurzhy, que se mudou de Kharkiv para Berlim no começo dos anos 90. Os dois romancistas e artistas colaboraram em diversos projetos.

No fim de maio, o movimento internacional pela contra a guerra de Vladimir Putin alcançou um respeitável ponto alto: o fundador do serviço de streaming lituano Laisvés TV convocou a doações para a compra de um drone armado para a Ucrânia, o Bayraktar, de fabricação turca.

Equipado com munição de alto controle, ele é vital para a defesa da capital Kiev. Dentro de apenas 48 horas, a campanha levantou mais de 5 milhões de euros. Pouco depois, porém, ao ministro da Defesa da Lituânia, Arvydas Anušauskas, anunciava no Twitter que a companhia Bayraktar forneceria o drone de graça.

Para a pesquisadora e analista de assuntos do Leste Europeu Margarete Klein, do think tank Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), essas campanhas de financiamento coletivo alcançaram "uma nova qualidade": embora centradas na Ucrânia, "hoje vemos cooperação internacional muito maior".

Doações rareando

Mas o dinheiro realmente chega aonde é necessário? A DW contatou no início de junho um oficial ucraniano encarregado de um batalhão de artilharia no Donbass. Segundo ele – que pediu para manter-se anônimo por razões de segurança militar –, as campanhas de crowdfunding são "de importância crítica" para a empreitada bélica.

Com a ajuda de voluntários, os fundos doados proporcionaram às tropas jipes, sem os quais "dificilmente se pode lutar numa guerra". As próprias Forças Armadas ucranianas também nunca haviam comprado drones: "Eu acho que os oficiais de alto escalão nem sabiam que eles existiam."

Sem as doações, as unidades militares menores sequer teriam computadores para operar. Antes de 2014, o Exército nunca investira em aparelhos de imagem térmica ou em sistemas de vigilância. Depois que a revolução do Maidan derrubou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych e a Rússia invadiu o Donbass, o governo comprou "pequenas quantidades".

Infelizmente Farid Bakirov está vendo rarearem as contribuições na plataforma EyesOnUkraine.eu: "Nas semanas passadas, não recebemos nenhuma doação", comenta. Ele teme que o público ocidental esteja "cansado" da guerra na Ucrânia.

Seus contatos na Ucrânia também estão ficando frustrados porque os lotes de armamentos prometidos ainda não chegaram, embora sejam cruciais, justamente agora. Segundo o empresário, a guerra mudou: enquanto a defesa da capital Kiev foi realizada através de táticas de guerrilha, a atual batalha pelo Donbass é de duelos de artilharia.

Além disso, os agressores russos danificaram severamente a infraestrutura militar do país, como as fábricas de munições. A cada uma que é destruída, cresce a dependência da Ucrânia do fornecimento de armas. Por isso, Bakirov seguirá arrecadando doações, para que os soldados possam pelo menos rastrear com suas drones os invasores russos.