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Debate sobre eutanásia toca em ponto sensível para alemães

Milan Gagnon / Augusto Valente6 de novembro de 2015

Ao criminalizar comércio com o suicídio assistido, Parlamento só atinge a ponta do iceberg de um complexo tabu. Ao contrário de outros países, na Alemanha as associações com o genocídio nazista persistem.

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Foto: Imago/S.Spiegl

A Alemanha não dispõe de uma lei que regulamente o direito de morrer com dignidade. O suicídio sob assistência médica é um tópico de debates constantes no país. Nesta sexta-feira (06/11), o Parlamento decidiu criminalizar o incentivo ao suicídio com fins lucrativos.

Principal alvo da nova legislação são as associações que oferecem medicamentos letais em troca de pagamento. Segundo o democrata-cristão Michael Brand, que abriu o debate de três horas, "oferta de morte assistida gera demanda", o que é inaceitável. A social-democrata Eva Högl reagiu no mesmo tom: "Não podemos oferecer morte como prestação de serviços."

Contudo, com a aprovação da lei, fica regulamentada apenas uma parcela mínima de um problema de proporções e complexidade extremas. Até por se tratar de um tema que envolve um trauma histórico nacional, com fortes conotações emocionais, que o transformam praticamente em tabu.

No debate no Parlamento alemão, vários deputados se perguntaram se não é um exagero colocar em parágrafos algo tão privado contra a morte. "O Estado deve ficar de fora", pleiteou a política do Partido Verde e advogada Renate Künast. "Aceitemos a autodeterminação no fim da vida."

Deutschland Debatte über die Sterbehilfe im Bundestag
Democrata cristão Michael Brand: "Oferta de morte assistida gera demanda"Foto: picture-alliance/dpa/K.-D. Gabbert

"Boa morte"

"Eutanásia" vem do grego e significa literalmente "boa morte". O dicionário define o ato como "promover morte rápida e indolor a um doente incurável para pôr fim a seu sofrimento". São relativamente poucos os países que dispõem de proteções ancoradas na lei para essa prática, que exige graus variáveis de envolvimento médico.

Tanto Suíça, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia, como em parte do Reino Unido e alguns estados dos EUA permitem alguma variante de eutanásia, em geral sob extensa supervisão médica. No início de 2015, o Canadá considerou ilegal a interdição do suicídio assistido, mas concedeu ao governo 12 meses para desenvolver uma política visando a implementação.

Os políticos e líderes religiosos alemães que se opõem a medidas legalizadas de morte assistida sistematicamente evocam a última vez que a eutanásia foi aplicada em nível nacional como política do governo: nas execuções, pelos nazistas, de mais de centenas de milhares de portadores de deficiências físicas e mentais. No lado oposto – em geral representado por políticos liberais, médicos e advogados de pacientes – o termo "eutanásia" nunca é realmente citado.

A "eutanásia" do nazismo

Em 1939, os nazistas assassinaram as primeiras crianças consideradas "indignas de viver". A lei exigia que parteiras e médicos informassem as autoridades sobre bebês nascidos com deficiências. Relatórios sumários dos casos eram submetidos a um painel de médicos, o qual, com apenas três votos, podia decidir quais crianças seriam mortas com uma injeção letal.

O programa logo se ampliou, passando a incluir adultos com deficiências físicas ou mentais, e se alastrou para fora das fronteiras nacionais históricas – assim como fazia a própria Alemanha em sua campanha de ocupação. Em 1941, mais de 70 mil pessoas haviam sido oficialmente executadas. Em assassinatos não oficiais, empregando a mesma lógica e métodos com injeções ou gás, mais de 200 mil sucumbiram até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Como o regime denominava essa prática de "eutanásia", para muitos alemães a primeira associação com o termo é de matança em massa ordenada pelo governo – e não de uma decisão individual de dar fim ao próprio sofrimento com assistência médica.

Hadamar Euthanasie Prozess in Frankfurt am Main
Médicos e enfermeiras foram condenados no processo Hadamar da eutanásia, em Frankfur, fevereiro de 1947Foto: picture-alliance/dpa

Onde a prática permitida

Os quatro países fronteiriços à Alemanha oferecem suicídio assistido, embora sob determinadas condições. A Holanda, por exemplo, exige que o paciente não tenha mais nenhuma alternativa razoável. Em Luxemburgo, o sofrimento, físico ou mental, deve ser "constante e insuportável".

A Bélgica concede também aos menores de idade a decisão de acabar com a dor pessoal, mas dependendo da permissão parental. Nesses países, o termo "eutanásia" é empregado de forma livre e sóbria, sem conotações totalitárias ou genocidas.

Na Alemanha, porém, a palavra permanece tabu, de ambos os lados do front. "A intenção parece ser difamar os advogados do suicídio assistido", comentou a Sociedade Alemã pela Morte com Dignidade (DGHS), num e-mail à DW.

"Aqueles que acusam outros de advogar a eutanásia estão consciente e intencionalmente insinuando que as pessoas serão forçadas a morrer, serão mortas contra a vontade, ou mesmo que suas vidas e o valor das mesmas serão julgados. Nós, partidários da morte assistida, nos opomos frontalmente a essa difamação: representamos o direito autônomo dos pacientes de, após consideração abrangente e por vontade própria, se decidirem contra a mera sobrevivência."

Liberalidade suíça

No início de novembro, o presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Josef Schuster, e um membro da comissão de ética na associação médica nacional declararam que "pessoas seriamente enfermas e idosas não devem ser impelidas a cometer suicídio". Embora os defensores da morte assistida certamente concordem com a afirmativa, os pontos de vista das duas partes permanecem irreconciliáveis.

A legislação suíça aprovou a morte assistida em 1942 – três anos após os nazistas no país vizinho terem envenenado as primeiras crianças deficientes e matado na câmara de gás os primeiros prisioneiros poloneses. A Suíça até mesmo acolhe estrangeiros de países onde o suicídio assistido é ilegal: um número considerável de alemães já atravessou a fronteira para dar fim à vida.

"A comparação da morte assistida com as atrocidades do Terceiro Reich não é só enganosa: ela é uma difamação de todas aquelas pessoas que foram mortas sob a perversa ideologia nazista", declarou à DW um representante do Dignitas, grupo sediado na Suíça que defende a dignidade no fim da vida.

"A comparação minimiza as injustiças cometidas contra essas pessoas. Morte assistida nada tem a ver com assassinato, nem com a morte imposta, e muito menos com ideologia. Morte assistida é a opção autodeterminada, autônoma de uma pessoa competente, de terminar com o próprio sofrimento."