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Deputado entra com representação contra Mourão

15 de outubro de 2020

Em entrevista à DW, vice disse que torturador era um "homem de honra". Em representação ao MPF, deputado Ivan Valente afirma que Mourão "violou seus deveres constitucionais" e praticou "ato lesivo às vítimas" de Ustra.

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Mourão durante a posse em janeiro de 2019
Mourão durante a posse em janeiro de 2019. Vice-presidente costuma elogiar o regime militarFoto: Getty Images/AFP/C. de Zouza

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou nesta quinta-feira (15/10) uma representação contra Hamilton Mourão por causa dos comentários enaltecedores que o vice-presidente fez em relação ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura militar (1964-1985). 

No documento, encaminhando ao Ministério Público Federal de São Paulo, Valente aponta que Mourão praticou "conduta absolutamente inadmissível para um Estado Democrático de Direito" ao afirmar que Ustra era "homem de honra e que respeitava os direitos humanos de seus subordinados".

A declaração foi dada pelo vice-presidente na semana passada, em entrevista ao programa Conflict Zone, da Deutsche Welle (DW). Na avaliação de Valente, Mourão também praticou um "ato ilegal e lesivo às centenas de vítimas e familiares de vítimas" do coronel Ustra.

Em 2008, Ustra se tornou o primeiro oficial do regime a ser condenado por sequestro e tortura. Um levantamento do Projeto Nunca Mais aponta que ele foi responsável por pelo menos 500 casos de tortura quando comandou o Doi-Codi, entre 1970 e 1974, inclusive participando pessoalmente de sessões de tortura.

Já a Comissão Nacional da Verdade relacionou o coronel com pelo menos 45 assassinatos. Ustra morreu em 2015, aos 83 anos, sem nunca ter cumprido um dia na prisão.

"Heróis matam"

Na entrevista à DW, Mourão afirmou que não está "alinhado com a tortura" e sugeriu que há uma interpretação distorcida do período militar e sobre o papel de Ustra e que seria melhor "esperar que todos esses atores desapareçam para que a história faça sua parte".

"Ustra respeitava os direitos humanos"

"Ustra (…) foi meu comandante no final dos anos 70 do século passado, e era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele, eu posso te contar, porque eu tinha uma amizade muito próxima com esse homem, isso não é verdade", disse Mourão.

As falas do vice provocaram uma onda de repúdio entre políticos da oposição, ONGs e personalidades públicas. 

Não foi a primeira vez que o atual vice-presidente elogiou Ustra. Em 2015, quando ainda era general da ativa, Mourão autorizou que suas tropas homenageassem o coronel. Em 2018, disse que Ustra era um "homem de coragem" e que "heróis matam".

Em 2019, já no cargo de vice-presidente, disse que Ustra foi "um dos maiores líderes que o Exército já teve", durante visita a um quartel no Rio Grande do Sul. Ustra também costuma ser elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Carlos Alberto Brilhante Ustra
O coronel Ustra. Ele morreu em 2015, sem nunca passar um dia na cadeiaFoto: Agência Brasil/W. Dias

"Integrantes do governo tentam distorcer a história"

No documento entregue ao Grupo de Trabalho Justiça de Transição, que reúne procuradores que lidam com casos de abusos cometidos na ditadura, Valente lista a longa trajetória de crimes cometido por Ustra, citando relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

"A Comissão Nacional da Verdade desnudou o sadismo e crueldade do coronel, que hoje membros do alto escalão do governo federal tentam transformar em comportamento honrado e exemplar", diz.

"Infelizmente, o tempo decorrido desde o término da ditadura militar vem animando integrantes do Governo Federal saudosistas da ditadura militar a usarem de seus cargos para tentar distorcer a história, de maneira a esconder a violência, o autoritarismo, o sadismo e os crimes daqueles que estiveram à frente do regime militar", aponta o deputado.

"Não cabe ao agente público negar ou distorcer os fatos apurados pela Comissão da Verdade sobre o que ocorreu durante a ditadura militar, sob pena de infringir a Constituição, a Legislação e as obrigações assumidas pelo país perante as Cortes Internacionais de Direitos Humanos de adotar medidas para que nunca mais se repitam situações como aquelas em que criminosos como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra agiram em nome do Estado para disseminar a dor, o sofrimento e o terror sobre a população impunemente." 

Entre esses compromissos, Valente lista que o Estado Brasileiro assumiu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos forçados ocorridos durante o período do regime militar e que reconheceu perante a Comissão Interamericana em 2010 "o sofrimento imposto às famílias das pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia".

Valente, que durante a ditadura viveu na clandestinidade por causa da sua atuação num grupo de esquerda, aponta ainda que Mourão, "ao enaltecer a honra e a carreira de seu antigo comandante, também violou seus deveres constitucionais e causou novo sofrimento às vítimas e familiares das vítimas do criminoso Ustra".

Segundo o deputado, Mourão ainda violou a Lei nº 12.528, de 2011, que estabeleceu a criação da CNV e que reconhece "graves violações de direitos humanos" cometidas durante a ditadura e a "própria Constituição que reconheceu os horrores perpetrados naquele período".

"Ante o exposto, requer-se o recebimento desta representação e a propositura de ação coletiva em face do vice-Presidente da República Antônio Hamilton Martins Mourão para que repare o dano causado às vítimas e familiares de vítimas do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra pelo fato de enaltecer a honra, a carreira e o respeito aos direitos humanos do militar, mesmo diante das vastas comprovações e do relato oficial sobre sua extensa carreira criminosa", conclui a representação encaminhada por Valente.

JPS/ots