1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Diferentes leituras da lei em Hong Kong

Hans Spross (rc)1 de outubro de 2014

Lideranças comunistas em Pequim e manifestantes pró-democracia em Hong Kong fazem interpretações distintas da Lei Fundamental do território, que determina sufrágio universal para a escolha do chefe do Executivo.

https://p.dw.com/p/1DNv7
Foto: Reuters/B. Yip

O atual confronto entre ativistas pró-democracia em Hong Kong e a liderança comunista de Pequim, manifestado nos protestos que tomam as ruas do território, teve como estopim a forma como deverá ser escolhido o próximo chefe do Executivo da região administrativa especial, em 2017.

Há dois motivos para isso: o líder do governo desempenha papel dominante na política de Hong Kong, e o modo como sua escolha deverá ser feita dá grande margem a interpretações.

No sistema político de Hong Kong, que se baseia na chamada Lei Fundamental, o líder do governo possui amplos poderes. Ele nomeia juízes e os membros de seu gabinete, lança decretos e aprova a submissão de projetos de lei ao Conselho Legislativo (Parlamento). Ele também decide, "à luz dos interesses públicos e de segurança", se os funcionários públicos podem ou não testemunhar perante as comissões parlamentares. Por fim, o chefe do Executivo ainda coordena tudo o que é acertado entre a região administrativa especial e a liderança em Pequim.

Em muitos pontos, tais poderes são semelhantes às competências do antigo governador da ex-colônia britânica, que era nomeado pelo chefe de Estado do Reino Unido. O Executivo de Hong Kong, dá, portanto, certa continuidade ao passado colonial da região.

Influência de Pequim

Continuidade também constitui a base da Lei Fundamental, a nova Constituição de Hong Kong sob a soberania chinesa. Quando a região foi devolvida pelos britânicos à China, em 1997, as negociações entre as duas partes previam que "o sistema socialista não será praticado na região administrativa especial, e que o sistema capitalista até então vigente e o sistema social a ele relacionado deverão ser mantidos, sem alterações, por 50 anos". Assim determina o artigo 5º da Lei Fundamental.

Hong Kong Leung Chun Ying
Leung Chun-ying é o atual chefe do ExecutivoFoto: Alex Ogle/AFP/Getty Images

Entretanto, a lei inclui explicitamente a possibilidade de transformar e desenvolver o sistema político. Isso fica evidente no artigo 45, que regula o preenchimento do cargo de chefe do Executivo. Esse artigo estabelece que "o método de seleção do chefe do Executivo deverá ser concretizado à luz da atual situação e em consonância com um progresso gradual e ordenado. O objetivo final é a escolha do chefe do Executivo através do sufrágio universal," – e aqui, o ponto crucial – "após a sua nomeação por um comitê amplamente representativo, em consonância com procedimentos democráticos".

Até hoje, o chefe do Executivo foi selecionado por um comitê composto por representantes de grupos profissionais, sociais e religiosos, além de parlamentares do Conselho Legislativo de Hong Kong e de representantes do Congresso Nacional do Povo da China. Atualmente, o comitê é formado por 1.200 membros. Observadores dentro e fora da região autônoma concordam que esse sistema visa, sobretudo, assegurar a influência de Pequim sobre a política de Hong Kong.

Controvérsia sobre eleição de 2017

Desde 2007, o movimento pró-democracia vem fortalecendo sua exigência de que Pequim faça valer o sufrágio universal nas eleições para chefe do Executivo. Somente no final de agosto deste ano, o governo chinês anunciou sua decisão (oficialmente, a decisão do Comitê Permanente do Congresso Nacional Popular). Esta, por diversos motivos, gerou revolta entre os ativistas pró-democracia.

De acordo com a determinação de Pequim, o próximo chefe do Executivo será escolhido pelos eleitores de Hong Kong, em 2017. Mas a seleção dos candidatos deverá continuar sendo feita por um comitê, cujo poder de escolha será, porém, bem mais limitado. Pequim quer que, para a próxima eleição, haja "dois ou três candidatos", aprovados por pelo menos metade dos membros do comitê. Até agora, cada candidato precisava da aprovação de 150 dos 1.200 membros.

China Hongkong Massendemonstration im Finanzviertel Handys
Milhares foram às ruas protestar contra o modelo proposto para as eleições de 2017Foto: Reuters/C. Barria

No entanto, Pequim não pode simplesmente decretar essa nova regulamentação. É necessário que o Conselho Legislativo de Hong Kong aprove a mudança por uma maioria de dois terços dos parlamentares. E, para isso, seria necessário conquistar também as vozes pró-democracia dentro do Conselho. Entretanto, Pequim já tomou precauções: caso a nova proposta seja rejeitada, o modelo antigo de eleição para chefe do Executivo será mantido.

O movimento pró-democracia argumenta que a decisão de Pequim contradiz o texto e o espírito da Lei Fundamental. Uma pré-seleção tão limitada dos candidatos contraria a ideia de sufrágio universal. A intenção por trás da Lei Fundamental é que a população de Hong Kong possa decidir cada vez mais sobre suas próprias questões, e isso não apenas nas que envolvem o sistema legal e econômico.

Críticos apontam que, no novo modelo proposto por Pequim, o comitê de nomeação será, ainda mais do que agora, apenas um órgão acessório, a serviço da liderança em Pequim. Além disso, a decisão do final de agosto anula o desenvolvimento gradual e democrático de Hong Kong, previsto no artigo 45 da Lei Fundamental.

Caso o Conselho Legislativo aprove a decisão, não haverá mais um argumento jurídico para futuras reformas, afirmou o comentarista Frank Ching, do jornal South China Morning Post, de Hong Kong.

"Um país, dois sistemas"

Na decisão anunciada no final de agosto, a liderança em Pequim deixa claro por que considera uma interpretação restritiva do termo "sufrágio universal" necessária em Hong Kong. "O chefe do Executivo [...] tem responsabilidades tanto perante a região administrativa especial de Hong Kong quanto perante o governo da República Popular da China [...] Por esse motivo, precisa ser mantido o princípio de que o cargo de chefe do Executivo deve ser exercido por um indivíduo que ame tanto a China quanto Hong Kong."

O patriotismo do chefe do Executivo é um "componente essencial" da política de "um país, dois sistemas", afirma o comunicado oficial sobre a decisão, citado pela agência de notícias Xinhua. Além disso, esse sentimento também é necessário para assegurar a estabilidade e a prosperidade duradoura de Hong Kong. "Para esse fim, o método de seleção do chefe do Executivo através do sufrágio universal deve conter as medidas de segurança institucionais correspondentes."

Em outras palavras, as eleições gerais não podem, sob quaisquer circunstâncias, permitir que as rédeas de Hong Kong sejam tomadas por alguém que não tenha fortes ligações com a República Popular da China.