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Uma sequência de falhas

9 de julho de 2018

Para juristas, tanto desembargador de plantão quanto Sérgio Moro extrapolaram suas prerrogativas em relação a ex-presidente, e caso mostrou que maus exemplos do STF estão sendo seguidos por outras instâncias.  

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Luiz Inácio Lula da Silva
Lula segue preso em Curitiba, cumprindo pena de 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiroFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

Um pedido de habeas corpus para soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desencadeou uma disputa entre juízes federais que atravessou este domingo (08/07). Depois de uma série de decisões conflitantes e reviravoltas, a situação do petista permaneceu inalterada. Ele segue preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, cumprindo pena por corrupção e lavagem de dinheiro.

Se para Lula tudo permaneceu igual, o mesmo não se pode dizer da imagem do Judiciário no caso. Segundo especialistas, o episódio escancarou uma crescente disfuncionalidade do poder e reforçou a sensação de insegurança jurídica no país. Também foi criticada a conduta dos juízes envolvidos na queda de braço, que, segundo os especialistas, afrontaram regras e extrapolaram seus poderes.

A disputa teve início quando o desembargador Rogério Favreto, que estava de plantão no Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) – o tribunal que condenou Lula em segunda instância em janeiro –, tomou uma decisão que pegou o mundo político e jurídico de surpresa: ele aceitou um pedido de habeas corpus (HC) apresentado por três deputados petistas em favor de Lula.

Favreto emitiu um alvará de soltura e determinou que o ex-presidente deveria sair da prisão ainda no domingo. Em sua decisão, o desembargador entendeu que o pedido dos deputados trazia um "fato novo" em relações a HCs anteriores para justificar a soltura de Lula: sua condição de pré-candidato.

Era uma justificativa que causa estranheza, já que o petista manifestou sua intenção de concorrer no ano passado e foi oficializado como candidato do PT em janeiro.

Segundo o ex-desembargador e jurista Walter Maierovich, a decisão de Favreto foi uma "monstruosidade", já que ele não tinha poder para conceder a liminar. A prisão de Lula foi determinada pela 8ª Turma do TRF-4, formada por três juízes, e posteriormente autorizada na prática pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com Maierovich, nenhum juiz de plantão pode tomar tal decisão de maneira solitária. Ele também aponta que não havia nada que justificasse a concessão da liminar.

"No mundo jurídico, a decisão do desembargador foi o que chamamos de teratológica, ou seja, uma monstruosidade. O habeas corpus é um instrumento para coibir ilegalidades e abusos, mas não se aplicava neste caso. Não havia nenhuma emergência ou algo que justificasse a liminar", afirma.

"O caso de Lula ainda vai ser apreciado pelo STF. Um juiz de plantão não pode revogar uma decisão de uma turma que é do seu próprio tribunal. E questões eleitorais são da competência das cortes eleitorais, e não de plantões de tribunais federais regionais", acrescenta.

Exemplos do Supremo

A decisão de Favreto também colocou  a biografia do magistrado sob um intenso escrutínio. Antes de assumir a vaga de juiz no TRF-8, Favreto havia trabalhado diretamente para o governo Lula (2003-2010) como assessor e secretário nos ministérios da Casa Civil e da Justiça. Ele também foi filiado ao PT entre 1991 e 2010.

Segundo Maierovich, o desembargador deveria ter se declarado impedido de julgar o caso. "Com essa biografia, o desembargador também deveria ter se declarado suspeito para decidir. Infelizmente, estamos vendo uma banalização cada vez maior desse tipo de coisa", disse.

Maierovich comparou a atuação do desembargador com as ações de alguns ministros do Supremo, que nos últimos anos tomaram decisões controversas em relação a acusados com quem já haviam tido relações pessoais ou profissionais. De acordo com o jurista, o exemplo do STF agora está se repetindo em outras instâncias do Judiciário.

"No STF, temos o Dias Toffoli que foi indicado por José Dirceu julgando seus [do Dirceu] habeas corpus, e Gilmar Mendes analisando os pedidos da defesa do pai de Jacob Barata, cuja filha teve o próprio Gilmar como padrinho de casamento. Esse exemplo do STF está passando para as instâncias inferiores", considera.

O jurista Luiz Flávio Gomes concorda que ministros do STF estabeleceram um mau exemplo para outras instâncias.

"Vemos a cada momento alguns juízes defendendo seus padrinhos ou apaniguados. Favreto deu habeas corpus para Lula, seu ex-chefe. Toffoli deu habeas corpus de ofício, sem pedido de ninguém, a José Dirceu, seu ex-patrão. Cármen Lúcia, com seu voto de minerva, salvou Aécio Neves, garantindo sua indecente permanência no Senado", exemplifica.

"Os ministros da Corte Suprema não têm noção do quanto suas decisões aberrantes são perniciosas para a preservação do bem comum, ou seja, da boa saúde da sociedade republicana", afirma.

Moro também errou

Após a divulgação da primeira decisão de Favreto, entrou em cena o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em Curitiba e que condenou Lula em primeira instância. Mesmo de férias, Moro resolveu intervir.

Ele publicou um despacho em que declarou que Favreto era "incompetente" (não tinha poder) para tomar tal decisão, já que ela afrontava entendimentos da 8ª Turma do TRF-4.

Moro também instou a Polícia Federal em Curitiba a não acatar a ordem de Favreto, que está acima na escala de hierarquia da Justiça Federal, e disse que a corporação deveria aguardar uma decisão do relator do caso no TRF-4, Gebran Neto, que não estava na escala do tribunal no domingo.  

Segundo Maierovich, Moro também errou ao agir assim. "Moro poderia ter se manifestado, pedido esclarecimentos e oficiar ao juiz natural do caso, mas não deveria ter feito esse estardalhaço e dito que não iria cumprir uma decisão. Ele não é mais um juiz do caso. A intervenção deveria ser feita no âmbito do próprio TRF-4", disse.

Favreto, no entanto, ignorou o despacho de Moro, e reiterou sua decisão. Mas a intervenção de Moro já havia surtido efeito sobre a PF, que acabou segurando a soltura de Lula.

Após a segunda ordem de Favreto, o desembargador Gebran Neto acabou se manifestando, determinando a suspensão da liminar e ordenando que o pedido de HC fosse encaminhado para seu gabinete.

A questão parecia ter sido encerrada, mas Favreto voltou a reiterar sua decisão, desta vez ordenando que Lula fosse solto em até uma hora. A disputa só se encerrou com a intervenção do presidente do TRF-4, Thompson Flores, que determinou que o caso deveria ficar com Gebran Neto. Nesta segunda-feira, o desembargador decidiu, por fim, manter seu entendimento anterior de impedir a soltura.

Segundo Gomes, o que se viu foi uma sequência de erros. "Tivemos a atuação de um desembargador plantonista que deveria liminarmente refutar o habeas corpus. Em seguida se manifestou Moro, que está de férias, fora do Brasil. Juiz de férias só pode jurisdicionar quando há portaria específica suspendendo suas férias, ainda que seja por um só dia", aponta.

"Logo após opinou o juiz relator, que não possui competência recursal. Todos opinando ou decidindo em caso em que não poderiam atuar", completou.

Ivar Hartmann, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, também considera que ambos os lados na disputa cometeram erros. "Todos os envolvidos se comportaram mal e decidiram erroneamente. A imagem do Judiciário brasileiro foi prejudicada", diz. 

Hartmann aponta que Favreto errou ao tomar a decisão porque o TRF-4 não é mais responsável pelo caso de Lula. "A instância superior, o STJ [Superior Tribunal de Justiça], já é a responsável há muito tempo. Sérgio Moro também estava errado, porque como juiz de primeira instância ele não poderia bloquear a decisão de Favreto", afirma.

Próximos passos

A queda de braço de domingo ainda pode render consequências para os juízes envolvidos. Os deputados autores do HC anunciaram que pretendem entrar com uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Moro.

Favreto, por sua vez, se tornou alvo de seis representações até a manhã desta segunda-feira. Os pedidos foram apresentados por grupos diferentes de juízes, promotores, procuradores, além de políticos e um partido. Cabe ao corregedor do CNJ, João Otávio Noronha, que também é ministro do STJ, analisar as representações.

Em relação à situação de Lula, a expectativa é que um novo pedido de HC só volte a ser analisado a partir de agosto, pelo plenário do STF, quando o tribunal voltar do recesso.

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