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História

Einstein na China: um gênio racista?

Hans Spross av
15 de junho de 2018

"Seria uma pena se esses chineses suplantassem todas as outras raças": na década de 1920, físico alemão viajou pelo Extremo Oriente e fixou suas impressões em diário. Publicação em inglês provoca polêmica.

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Albert Einstein em 1922, ano de sua viagem à China
Albert Einstein em 1922, ano de sua viagem à ChinaFoto: Imago/UIG

Albert Einstein, um racista? O mesmo homem que, no exílio nos Estados Unidos, se manifestou contra a discriminação dos negros americanos, designando o racismo como "uma doença dos brancos"? É o que levam a supor as entradas em seu diário de sua viagem à China, recém-lançados em inglês pela Universidade de Princeton, sob o título Travel diaries of Albert Einstein: The Far East, Palestine and Spain, 1922-1923.

O jornal britânico The Guardian  descreve: "A publicação dos diários particulares de Albert Einstein detalhando seu giro pela Ásia nos anos 1920 revela as atitudes racistas do físico teórico e ícone humanitário perante as pessoas que encontrou em suas viagens, em particular os chineses."

O cientista judeu-alemão descreve com desinibida subjetividade como percebe o quotidiano dos chineses em Hong-Kong e Xangai, muitas vezes de maneira pouco lisonjeira, mas sem que falte empatia e compreensão pelas circunstâncias e injustiças econômicas.

Durante um passeio em Xangai, em novembro de 1922, ele diz ter tido "a impressão de uma atroz luta pela existência por seres humanos pacatos, geralmente de aparência obtusa, geralmente negligenciados". Nas ruas, observa "um sem-número de oficinas e lojas abertas", reina "grande barulho, mas nunca briga".

E mais adiante: "Mesmo aqueles reduzidos a trabalhar como cavalos nunca dão a impressão de dor consciente. Estranho povo de rebanho, em geral barriguinhas respeitáveis, sempre nervos sólidos, muitas vezes mais lembrando autômatos do que gente." Ao encontrar chineses pelas ruas, ele constata um "cômico fitar-se recíproco".

Nos Estados Unidos, Einstein (c.) se manifestou pelos direitos dos negros e contra o racismo
Nos Estados Unidos, Einstein (c.) se manifestou pelos direitos dos negros e contra o racismoFoto: picture alliance/AP Images/J. Lindsay

Einstein tinha noção da incompreensão mútua entre as culturas e povos ao se encontrarem, "fitando-se" insistentemente. Mas não empreendia esforços para superar seu ponto de vista europeu.

Essa incapacidade de relativizar se manifesta de forma especialmente crassa no comentário potencialmente misógino sobre "a pouca diferença entre homens e mulheres", prosseguindo: "Não entendo que tipo de atrativo das chinesas excita de forma tão fatal os homens correspondentes, para que eles tenham tanta dificuldade em se defender contra a formidável fertilidade."

É justamente essa fertilidade que, numa visita à parte continental de Hong-Kong, lhe suscita uma ideia: "Seria realmente pena se esses chineses suplantassem todas as outras raças. Para nós, só pensar nisso já é indizivelmente maçante."

A esse respeito, o editor do volume, Ze'ev Rosenkranz, comenta ao Guardian: "Aqui, Einstein vê uma 'raça' estranha como ameaça, o que é característico de uma ideologia racista."

 

Opiniões de leitores

A mídia estatal chinesa divulgou sem comentários a reportagem do jornal inglês sobre o racismo nos diários de Albert Einstein. Mas houve um grande número de opiniões de leitores bastante diferenciadas.

Alguns exemplos: "Einstein era um cientista importante. Mas no que se trata de respeito perante outros povos, ele se desqualifica. Acho que algumas de suas observações são bem vergonhosas e extremas." Ou: "Seus argumentos são, de fato, racistas. Acho que ele não teria escrito algo assim depois da Segunda Guerra Mundial. Por isso mesmo, ele insistiu em não publicar esses diários."

Outro observa, autocrítico: "Os chineses não gostam de ser discriminados. Mas por que tantos chineses discriminam os negros e acham que eles são inferiores? 'Não faz aos outros o que não queres que te façam.' Quantos chineses entendem esse provérbio?"

Outro enfatiza a necessidade de ver os enunciados de Einstein no contexto da época: "As pessoas sempre querem medir coisas que ocorreram no passado com critérios de hoje. E o resultado é, claro, 'chocante'. O editor Rosenkranz também diz na entrevista ao Guardian que, embora os posicionamentos de Einstein fossem usuais, não eram aceitos universalmente, também havia visões mais tolerantes."

Um leitor chinês está entre os que tomam a defesa do físico judeu: "Não acho que ele fosse racista. Ele estava falando sobre a situação real da sociedade chinesa e dos chineses da época dele. Essa era simplesmente a imagem que se tinha da China, naquele tempo."

Outro leitor do Guardian, embora admitindo que fosse uma descrição "real" e superficialmente exata, condena a ausência de uma compreensão mais profunda: "Quando você foi dilacerado pela pobreza, fome, doenças, catástrofes naturais e guerra, está esfarrapado, cadavérico, desalojado, sem meios nem esperanças, não é de se esperar que vá se manter elegante e cortês, cheio de ideais e esperança! Einstein pode não ter sido racista, mas era definitivamente um enorme bebê, não sabia nada da realidade, vivia no seu próprio mundo!"

Ainda outro chinês parte da realidade nacional de então, comparando-a à de hoje, que se anuncia como era de novo fortalecimento e ascensão para a China: "Foi uma das épocas mais obscuras e ignorantes da história chinesa. Einstein tinha razão. Agora temos autoconfiança. Não temos medo de admitir essa feia história, pois ela não representa o presente."

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