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Em Berlim, Lula e Scholz reiteram apoio ao pacto Mercosul-UE

Jean-Philip Struck de Berlim | Bruno Lupion de Berlim
4 de dezembro de 2023

Chanceler federal alemão pede "pragmatismo" para concluir acordo comercial. Lula diz que não pretende desistir de negociações, mas admite dificuldades com a França e a Argentina para ratificação.

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Lula e Scholz, cada um em um púlpito, conversam. Ao fundo, bandeiras da UE, Brasil e Alemanha.
Lula e Scholz concederam entrevista conjunta em BerlimFoto: Annegret Hilse/REUTERS

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, defenderam nesta segunda-feira (04/12) a conclusão do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Lula, no entanto, admitiu dificuldades, especialmente com a França, que se opõe ao acordo, e também indicou resistência da Argentina, mas afirmou que não pretende desistir.

"Enquanto eu puder acreditar que é possível fazer esse acordo, vou lutar para fazer, porque depois de 23 anos, se a gente não concluir o acordo, é porque, eu penso, que estamos sendo irrazoáveis. Eu sou um homem muito crente, que não desiste, sou brasileiro e não desisto nunca. E eu não vou desistir enquanto conversar com todos os presidentes e ouvir o 'não' de todos. Aí vamos partir para outra de qualquer forma", disse Lula, que cumpre agenda na capital alemã.

"Para explorar o enorme potencial que existe nas relações comerciais e econômicas, o Brasil e a Alemanha apoiam a conclusão do acordo Mercosul-UE", disse, por sua vez, o chanceler Scholz. "Peço a todos os envolvidos que mostrem pragmatismo e que estejam dispostos a encontrar soluções de compromisso. A Alemanha está interessada na assinatura deste acordo. Seria um grande progresso", afirmou Scholz.

"Eu preciso salientar que estou muito impressionado com a ambição e o engajamento do presidente do Brasil. Ele está zelando para que este acordo que foi negociado ao longo de tantos anos possa ser finalmente concluído", acrescentou Scholz. "Estou convencido de que será possível conseguir uma maioria no Conselho Europeu e no Parlamento Europeu uma vez que as negociações sejam concluídas."

Oposição francesa

Lula e Scholz fizeram as declarações dois dias após o presidente da França, Emmanuel Macron, ter expressado oposição ao acordo. No último sábado, o francês chamou o texto do tratado de "antiquado" e "incoerente" e disse que ele não "é bom para ninguém". As declarações de Macron levantaram questionamentos se o acordo será efetivamente concluído.

Comentando a posição de Macron, Lula disse que a respeitava, e acrescentou que ele não foi o único líder francês a se opor ao acordo, que vem sendo negociado há mais de duas décadas.

"Não é apenas o Macron. Foi o Sarkozy. Foram todos os presidentes franceses: Chirac, e também companheiro do partido socialista, François Hollande. Nenhum deles se propôs a fazer acordo com o Mercosul porque eles têm problemas políticos e financeiros com os produtores [rurais] franceses", disse Lula.

Por outro lado, Lula afirmou que não pretende desistir. "Quando eu me despedi do presidente Macron, eu falei: 'Quando você pegar o avião, que você sentar na sua cadeira no avião, abra o seu coração, converse com a sua esposa, e aceite fazer o acordo entre a União Europeia e o Mercosul'", afirmou.

Scholz evitou comentar diretamente as falas de Macron e lembrou que a Comissão Europeia assumiu a liderança para negociar o acordo pelo lado europeu.

Segundo Lula, a negociação do acordo ainda deve passar por um momento decisivo durante a reunião da cúpula do Mercosul, que deve ocorrer entre 6 e 7 de dezembro no Rio de Janeiro.

Lula acena com uma mão. Com a outra mão, Lula segura o braço de Scholz.
Lula e Scholz também voltaram a defender inclusão de seus países como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONUFoto: LIESA JOHANNSSEN/REUTERS

O problema argentino

Ao lado de Scholz, Lula também reconheceu limites na negociação e apontou uma resistência do atual presidente da Argentina, Alberto Fernández, que está a poucos dias de deixar o cargo.

"Eu vou à reunião [da cúpula do Mercosul] porque eu acredito, para tentar convencer as pessoas daquilo que eu acredito. Ao mesmo tempo, não posso perder de vista que a sustentabilidade do regime democrático está em você entender que as pessoas não são obrigadas a fazer aquilo que você quer. Se meu companheiro Alberto Fernández por alguma razão não quer fazer o acordo, eu vou entender", disse. "Quem sabe o chanceler [alemão] Olaf Scholz consiga falar com o nosso companheiro presidente da Argentina, quem sabe consiga convencer o Macron ainda", destacou Lula.

Mais tarde, em um evento com empresários alemães na Casa da Economia Alemã, Lula, voltou a mencionar a Argentina como um empecilho para a conclusão do acordo.

"No dia 7 haverá uma reunião com os presidentes do Mercosul. E temos um problema. Os companheiros da Argentina têm restrições a algumas coisas do acordo. Teve eleições na Argentina, e o companheiro Alberto Fernandez perdeu as eleições. Então eu não sei se ele não quer assinar porque ele perdeu as eleições e quer que o outro assine. Eu acho que ele não vai levar levar o outro [para o encontro do Mercosul], porque parece que eles não se bicam", disse Lula, referindo-se ao presidente eleito da Argentina, Javier Milei.

Mas, no mesmo evento, Lula também fez questão de dividir a responsabilidade por uma eventual não assinatura do tratado com os franceses. "Se não houver [o acordo], não é por culpa só da América do Sul. É importante lembrar que nós nunca conseguimos fazer um acordo porque aqui na Europa vocês têm também uma Argentina."

Reforma do Conselho de Segurança

Tanto a Alemanha quanto o Brasil defendem uma reforma e ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cuja composição permanece praticamente inalterada há mais de sete décadas e ainda é dominada pelas cinco potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial – EUA, França, Reino Unido, China e Rússia.

Em 2005, Brasil, Alemanha, Japão e Índia formularam em conjunto uma proposta de resolução para ampliar o conselho com seis novos membros permanentes, incluindo os quatro membros do grupo, conhecido como G4, e duas cadeiras para países africanos. Ao lado de Scholz, Lula voltou a argumentar pela reforma do colegiado.

"É preciso mais gente. É preciso entrar o Brasil, é preciso entrar a Alemanha, o Japão, é preciso entrar a Índia, é preciso entrar dois ou três países do continente africano, é preciso entrar mais gente da América Latina. Ser do Conselho de Segurança não é um privilégio de apenas cinco países. A geopolítica de 1945 não é a geopolítica de 2023. Muita coisa mudou no mundo, só não mudou a irracionalidade dos irracionais", disse Lula.

"Os conflitos que estamos vendo na Rússia, Ucrânia, Israel e Faixa de Gaza é a irracionalidade do ser humano. Tudo isso acontece porque a ONU não cumpre o papel histórico para o qual foi criada. O Conselho de Segurança com cinco países que deveriam zelar para manter a paz no mundo, mas são esses países os que mais produzem e vendem armas e fazem guerra sem passar pelo Conselho de Segurança, e quando alguma decisão importante passa, que não interessa, eles têm direito de veto", completou.

"Concordo com o presidente do Brasil. Nós precisamos de uma reforma das instituições internacionais. Muitos países do Sul Global deveriam ter a possibilidade de estar representados no conselho. Precisamos de um conselho mais representativo", destacou Scholz.

Consultas intergovernamentais Alemanha-Brasil

Antes da coletiva de imprensa, Lula e Scholz participaram da segunda edição das consultas intergovernamentais de alto nível Alemanha-Brasil, um mecanismo de diálogo que o governo alemão mantém com poucos parceiros internacionais e que prevê reuniões regulares de ministros de governo parceiros.

Lula viajou a Berlim acompanhado de uma comitiva de ministros, incluindo Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Marina Silva (Meio Ambiente) e Mauro Vieira (Relações Exteriores), entre outros.

Lula, em tom de brincadeira, levanta o braço de Scholz, enquanto eles posam para foto com ministros
Lula, Scholz e ministros dos dois países ao final das Consultas intergovernamentais Alemanha-BrasilFoto: Michele Tantussí/AFP

"Estamos trabalhando para recuperar o dinamismo de nossa parceria. A reunião de hoje trouxe excelentes resultados e traça um caminho para a nossa cooperação daqui em diante. Adotamos a Parceria para uma Transformação Ecológica e Socialmente Justa. Vamos reforçar a robusta cooperação na área ambiental, que inclui o Fundo Amazônia e muitos outros projetos. Queremos atuar juntos na promoção da industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia. Conversamos também sobre as ameaças à democracia e ao Estado de Direito. Concordamos em atuar juntos no enfrentamento de forças antidemocráticas que atuam de forma coordenada internacionalmente e fomentam o extremismo", disse Lula sobre o encontro.

"A Alemanha está apoiando o Brasil com sua meta de desmatamento zero até 2030 para proteger a Floresta Amazônica", ressaltou Scholz. "Estamos unidos pela proteção climática que beneficia a todos. Sob a égide da nossa nova parceria de transformação, os ministros responsáveis ​​assinaram hoje [segunda-feira] uma dúzia de declarações de intenções para dar vida à parceria."

A primeira edição das consultas intergovernamentais de alto nível entre Brasil e Alemanha havia ocorrido em 2015, durante a era Dilma Rousseff. Na época, apenas dez países faziam parte do seleto grupo de parceiros mais próximos de Berlim: França, Espanha, Itália, Polônia, Israel, Rússia, China, Índia, Tunísia e Holanda. Na primeira edição, a então chanceler Angela Merkel esteve em Brasília com uma comitiva de ministros e secretários que se reuniram com seus homólogos brasileiros

Originalmente, a Alemanha tinha a expectativa de que essas reuniões ocorressem a cada dois anos – mas isso nunca foi cumprido. Nos bastidores, diplomatas alemães avaliaram que a turbulência do governo Temer em 2017, marcada por escândalos de corrupção, não favorecia o clima para uma segunda edição. A retomada das reuniões ficou ainda mais distante sob Jair Bolsonaro a partir de 2019

Mais cedo, Lula e alguns membros da sua comitiva de ministros foram recebidos pelo presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, no palácio Bellevue. Na sequência, Lula seguiu para um encontro com a presidente do Bundesrat (câmara alta do Parlamento alemão), Manuela Schwesig. À noite, Lula também discursou em um evento empresarial na capital alemã.