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Em Moscou qualquer um pode tomar vacina - e ganha um sorvete

Emily Sherwin
11 de fevereiro de 2021

Na Praça Vermelha, o posto de vacinação contra a covid-19 é quase uma atração turística. Ali, a Sputnik V pode ser tomada por quem quiser, incluindo estrangeiros - e com direito a brinde.

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Quem se vacina na Praça Vermelha em Moscou, ganha um sorvete
Quem se vacina na Praça Vermelha em Moscou, ganha um sorveteFoto: Alexander Shcherbak/TASS/dpa/picture alliance

Atravesse os paralelepípedos da Praça Vermelha e entre na lendária loja de departamentos GUM em Moscou. Cruze os corredores sob o teto de vidro do século 19 que antes abrigava os escassos bem de consumo da era soviética e que agora é repleto de marcas de luxo. E você encontrará o posto de vacinação, bem em frente à Gucci.

A vacina russa Sputnik V está disponível aqui desde 18 de janeiro. É grátis, você não precisa marcar hora e recebe um sorvete de chocolate grátis. A instalação parece a propaganda perfeita para o imunizante, que recebeu o nome do primeiro satélite do mundo.

A vacina ficou disponível para alguns grupos de risco, incluindo médicos e assistentes sociais no início de dezembro. Aos poucos, mais grupos foram ganhando vaga na fila. Agora, está disponível para qualquer um - inclusive turistas. Em janeiro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou o lançamento de um ambicioso programa de "vacinação em massa". 

Estrangeiros são maioria

Na semana passada, o prefeito de Moscou anunciou que 400 mil pessoas haviam sido vacinadas na capital, que tem cerca de 12 milhões de habitantes. Há cerca de 100 hospitais que aplicam a vacina em Moscou. Ela também está disponível vários pontos de vacinação, incluindo centros comerciais e uma casa de ópera.

Na loja de departamentos GUM, não há grandes filas para a vacina, mas um fluxo constante de pessoas - jovens e idosos - chegam para recebê-la.

"A Rússia tem as melhores vacinas e o melhor remédio", diz Ekaterina Avonina. A jovem afirma que teve o coronavírus há seis meses, mas não quer ficar doente novamente. Ela nunca teve dúvidas sobre a Sputnik V. "Ontem estive aqui com minhas amigas e vi que elas estavam aplicando vacinas. E vim tomar a minha hoje".

Os voluntários e funcionários que ajudam com a vacinação na GUM estimam que cerca de um terço dos que recebem a vacina na loja de departamento são estrangeiros, embora não haja números que confirmem isso. "Eu nem sabia que havia tantos estrangeiros vivendo em Moscou", diz Sofia Markova, enquanto distribui sorvete aos vacinados.

O músico nascido nos EUA Josh Lanza se empolga sobre conseguir a Sputnik em "um momento histórico e no meio deste belo edifício bem na Praça Vermelha". George Tewson, um britânico que vive atualmente em Moscou, veio para conseguir a chance com sua esposa russa. Ele garante que não se sente parte de uma campanha de propaganda russa. 

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George Tewson, um britânico que vive atualmente em Moscou, veio para conseguir a chance com sua esposa russa. Ele garante que não se sente parte de uma campanha de propaganda russaFoto: Emily Sherwin/DW

"Uma das formas de sair da situação em que nos encontramos é através de pessoas sendo vacinadas. Então, se você tem a oportunidade de obter a vacina, por que ir em frente?", diz ele, explicando que recentemente superou suas dúvidas iniciais sobre a Sputnik. "Isso é para meu benefício pessoal. Se eles querem politizar as coisas... bem, é por isso que políticos são políticos".

Orgulho nacional

Para a Rússia, o lançamento da vacina é uma questão de orgulho nacional. Há duas vacinas registradas no país e uma terceira a caminho. Ainda nesta semana, a Rússia entregou um pedido para obter a aprovação da UE para a Sputnik V. A Hungria já aprovou. A vacina russa também está disponível em vários países fora da UE, como Argentina e Sérvia. No Brasil, ela também aguarda aprovação.
 
Na semana passada, uma pesquisa revisada por pares publicada na revista científica The Lancet mostrou que a vacina tem eficácia média de 91,6% para casos sintomáticos. O artigo reforçou a confiança na vacina russa, em meio a críticas de que os testes teriam sido apressados.

Mas até agora parece que os próprios russos não confiam em sua própria vacina. Pesquisas regulares realizadas pelo centro independente de pesquisas Levada mostraram que mais da metade dos russos não quer tomar a Sputnik V (58% em dezembro).

Fila anda rápido no centro comercial GUM
Fila anda rapidamente no centro comercial GUMFoto: Pavel Golovkin/AP Photo/picture alliance

Sinais de queda nas infecções

Apesar do início precoce e do fato de a vacina estar agora aberta a quase todos os grupos da população, a campanha de vacinação do país é comparativamente lenta. De acordo com uma das empresas que desenvolveu a vacina, o Fundo Russo de Investimento Direto, mais de 1 milhão de pessoas na Rússia já foram imunizadas. Autoridades anunciaram recentemente que planejam vacinar mais de 68 milhões de pessoas, ou 60% dos russos neste ano, para atingir a chamada "imunidade de rebanho".

O número de infectados no país vem caindo constantemente desde um pico em dezembro. Existem atualmente cerca de 15 mil novos casos por dia, semelhante ao nível de infecções que a Rússia tinha em meados de outubro.

Há dúvidas sobre a confiabilidade das estatísticas oficiais do coronavírus. Mas Boris Ovchinnikov, um dos fundadores da agência de pesquisa de comércio eletrônico "Data Insight", acredita que pode haver "uma redução ainda maior nos números do que os números oficiais indicam". 

Ele baseia suas pesquisas sobre taxas de infecção em dados de mecanismos de busca, por exemplo, em pesquisas online de sintomas comuns de coronavírus, como a perda do olfato. "No leste do país, a frequência das buscas sobre o olfato voltou aos níveis de verão", comenta.

Imunidade coletiva?

Na loja de departamentos GUM, Natalia Kuzenkova, a médica chefe em vários pontos de vacinação e em um hospital local em Moscou, atribui os números de infecção em queda à vacina - mas apenas em parte. "Há um nível de imunidade sendo criado [na população], pouco a pouco. Há imunidade também porque as pessoas têm se contaminado mais - algumas pessoas não tinham sintomas, mas têm anticorpos". 

Mikhail Kostinov, chefe do Instituto Metchinikov para vacinas, também atribui os números em queda a uma mistura de fatores: a vacina, o nível geral de assistência médica gratuita na Rússia e o fato de as autoridades criarem "hospitais móveis" para lidar com o grande afluxo de doentes. Ele acrescenta que a Rússia é menos densamente povoada que os países europeus em geral, e tem uma expectativa de vida mais baixa. "Na Rússia há menos pessoas idosas, portanto os números são diferentes", comenta.

A queda dos números certamente não se deve a medidas rigorosas, como lockdown. Na verdade, o governo nunca introduziu um segundo lockdown após o da última primavera. Ao invés disso, as autoridades têm afrouxado as restrições. Em Moscou, por exemplo, o uso de máscara ainda é obrigatório no transporte público e dentro de edifícios públicos, mas museus, restaurantes, bares e até mesmo clubes noturnos estão abertos.

O prefeito da cidade declarou recentemente que os empregadores não têm mais que manter parte de seu pessoal trabalhando em casa. Teatros, cinemas e salas de concertos podem agora trabalhar a 50% da capacidade.

Nos restaurantes de toda a cidade, antigos adesivos avisando as pessoas para manter as medidas de distanciamento social estão descascando. As mesas de bares e restaurantes muitas vezes estão lotadas e próximas umas das outras. Amigos se abraçam, e colegas de trabalho apertam as mãos. 

Sofia Markova, na barraca de sorvete do posto de vacinação, acha que poderia haver ainda menos restrições em Moscou. Ela pessoalmente não planeja tomar a Sputnik V por enquanto. "Não tenho medo de ficar doente. Eu tenho boa imunidade". Ela ri: "Mas se até os estrangeiros estão recebendo a vacina, provavelmente está tudo bem!"