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Entenda o conflito em torno dos rohingya em Myanmar

Shamil Shams av
14 de setembro de 2017

País budista liderado pela Nobel da Paz Suu Kyi está sendo acusado de genocídio de uma minoria muçulmana. Porém, analistas colocam motivações política e econômica à frente das causas religiosas.

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Organizações internacionais estimam que quase meio milhão de rohingyas já fugiram para Bangladesh
Organizações internacionais estimam que quase meio milhão de rohingyas já fugiram para BangladeshFoto: DW/M.M. Rahman

Quem são os rohingya?

Os rohingya são uma minoria étnica muçulmana de Myanmar, predominantemente alocada no estado de Rakhine, no oeste do país. Seus membros não são oficialmente reconhecidos pelo governo como cidadãos, e há décadas a maioria budista birmanesa é acusada de submetê-los a discriminação e violência.

Considerados pela Organização das Nações Unidas e pelos Estados Unidos uma das minorias mais perseguidas, milhares de rohingya fogem de Myanmar e Bangladesh todos os anos, na tentativa de chegar à Malásia e à Indonésia, ambas de maioria muçulmana.

Por que os rohingya são apátridas?

Antes da atual crise, mais de 10% dos apátridas do mundo viviam em Myanmar. A agência da ONU para refugiados Acnur estima atualmente em 10 milhões o total de apátridas, embora frisando que é difícil obter cifras exatas devido à própria natureza desse status.

Milhares de rohingyas fogem de Myanmar em meio a conflitos

Em 2014 a ONU saudou as reformas econômicas no país, mas expressou "séria apreensão" quanto às vicissitudes da comunidade rohingya. A organização exigiu para eles acesso à cidadania, assim como a todos os serviços públicos. No entanto, até agora o governo birmanês tem recusado a cidadania à minoria composta por 1,1 milhão de pessoas, que classifica como imigrantes ilegais da vizinha Bangladesh.

Myanmar também rechaça o uso do termo "rohingya" em qualquer resolução das Nações Unidas, alegando que ele aumenta as dificuldades de Naypyidaw em abordar a questão. O governo estaria disposto a conceder cidadania à minoria muçulmana se esta se identificar como bengali – opção que os rohingya, por sua vez, consideram inaceitável.

Em agosto de 2017, a Comissão Consultiva do Estado de Rakhine, encabeçada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, divulgou um relatório de 63 páginas, apontando o problema da cidadania como o maior obstáculo à paz em Rakhine.

"Se essa questão não for abordada, causará significativo sofrimento e insegurança humana, ao mesmo tempo em que freia o desenvolvimento econômico e social de todo o estado." A comissão instou o governo em Naypyidaw a "estabelecer uma estratégia e cronograma claros para o processo de verificação de cidadania".

Além disso, as autoridades birmanesas devem esclarecer o status daqueles a que for recusada a cidadania, em conformidade com os padrões internacionais. A comissão especificamente recomendou, ainda, que seja revista a lei de cidadania de 1982, que tem uma classificação complicada de cidadão, muitas vezes atrelada à etnia.

Infográfico com a região habitada pela minoria Rohingya em Myanmar

Quando o conflito se tomou um rumo violento?

Em 2012, choques entre os rohingya e nacionalistas budistas causaram numerosas mortes, forçando dezenas de milhares da minoria muçulmana a fugir para Bangladesh, Malásia, Tailândia e Indonésia. Desde então, cerca de 200 mil deslocados estão vivendo em acampamentos em Rakhine.

Em outubro de 2016, militantes rohingya atacaram pontos de controle de segurança, matando numerosos policiais. As forças de segurança birmanesas reagiram lançando operações antiterrorismo contra os rebeldes. Segundo grupos de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, essas operações envolveram matança arbitrária, estupro sistemático, incêndio de casas e expulsão de moradores.

A ONU registrou que, em consequência, cerca de 87 mil rohingyas fugiram para Bangladesh. Após a mais recente onda de violência, começada em 25 de agosto, contudo, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) calcula que outros 400 mil procuraram refúgio no país vizinho, com mais 10 mil a 20 mil chegando a cada dia.

O que tem feito Aung San Suu Kyi, prêmio Nobel da paz e considerada líder política de facto de Myanmar, em relação ao suposto genocídio dos rohingya?

Segundo autoridades dos Estados Unidos, Suu Kyi afirmou estar tomando medidas para conseguir ajuda humanitária às áreas habitadas pela minoria islâmica, tendo concordado quanto à necessidade de assistência imediata e intensificada para a região, sobretudo pela Cruz Vermelha Internacional.

Até então, diversas ONGs, inclusive a Human Rights Watch, vinham condenando como injustificável e errado o silêncio da líder sobre a violência étnico-religiosa. Até mesmo o Dalai Lama instou a democracia birmanesa a encarar a questão dos refugiados no país.

No entanto Suu Kyi se confronta com um dilema: na qualidade de ícone dos direitos humanos de gabarito internacional, seu dever é erguer a voz em apoio aos rohingya, denunciando as atrocidades do governo e da maioria budista, assim como dos instigadores muçulmanos. Por outro lado, ela quer evitar pagar pela iniciativa com a perda do apoio interno dos budistas.

A perseguição dos rohingya é basicamente um conflito religioso, como parece à primeira vista?

Alguns analistas afirmam que a crise é mais motivada por questões políticas e econômica. Entre eles está Siegfried O. Wolf, diretor de pesquisa no South Asia Democratic Forum (SADF), sediado em Bruxelas.

"Relações interreligiosas são muito complexas em Myanmar. Muçulmanos, especialmente os rohingya, são confrontados com a islamofobia profundamente arraigada de uma sociedade e Estado predominantemente budistas. Os fundamentalistas alegam que a cultura budista nacional estaria ameaçada pelos muçulmanos, ainda mais devido ao fato de Myanmar estar cercado por vários países islâmicos, como Bangladesh, Malásia e Indonésia."

A esse, prossegue Wolf, se acrescenta o aspecto econômico: "O estado de Rakhine é uma das áreas mais pobres do país, apesar de ser rico em recursos naturais. Assim, os rohingya são considerados um lastro econômico adicional para o estado, ao competirem pelos poucos empregos e oportunidades de negócios disponíveis."