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"Escândalos de FHC e Lula dão impeachment em vários países"

Marina Estarque, de São Paulo15 de julho de 2015

Impedimento de um presidente depende de como um país tolera ou repudia a corrupção, afirma Bruno Brandão, da Transparência Internacional. No caso de Dilma, ele vê risco de casuísmo e afirma que a oposição não é golpista.

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Foto: picture-alliance/dpa

Um impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) corre o risco de ser "casuísmo" e "rigor seletivo", afirmou o economista e coordenador do Programa Brasil da Transparência Internacional, Bruno Brandão, em entrevista à DW Brasil.

Segundo ele, as chamadas "pedaladas fiscais" – manobras para maquiar o orçamento – são frequentes e antigas no Brasil. Ele acrescenta que, em outros países, presidentes como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) poderiam ter sofrido impeachment pelos escândalos de corrupção ocorridos durante seus mandatos.

Atualmente, o governo Dilma é investigado por irregularidades nas contas públicas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e por suspeitas de doações de campanha com fundos ilegais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Brandão defende também que é um "despropósito" chamar a oposição de "golpista" – como foi dito pela presidente em entrevistas – porque ela estaria agindo dentro dos limites da legalidade.

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DW Brasil: O governo Dilma enfrenta investigações no TCU e no TSE. Isso seria um sinal de maturidade dos órgãos de controle?

Bruno Brandao Transparency International in Brasilien
Brandão: Chamar a oposição de golpista é discurso vazioFoto: Transparency International Brasilien

Bruno Brandão: Não identifico nenhum progresso estrutural nesse sentido. Os tribunais de contas são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, que servem para exercer um controle externo, de fiscalizadores da administração pública. Mas as casas legislativas nomeiam conselheiros e ministros de contas por motivações fisiológicas. Não há qualquer respeito pelos requisitos de "notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública". Ou, pior, pela "idoneidade moral e reputação ilibada". Por isso, acho que estamos muito longe de uma maturidade desses órgãos de controle. Aliás, eles são desconsiderados pelas próprias casas legislativas, que deixam sistematicamente de apreciar e votar seus pareceres.

E o TSE?

A mesma coisa. Pode-se falar em maturidade institucional quando o atual presidente do TSE [Dias Toffoli] é um ex-advogado do partido do governo? Que não se deu por impedido quando foi julgar, no STF, a ação penal contra seu antigo chefe na Casa Civil [José Dirceu]?

Alguns petistas argumentam que a oposição, ao entrar com pedidos de investigação nesses órgãos, tem motivações "golpistas". O que o senhor acha?

Desqualificar as pressões da oposição como golpistas é um discurso vazio. É claro que as ações da oposição não são por amor à legalidade ou por zelo extremo pelas contas públicas. Não há dúvida que predomina a luta pelo poder. Agora, chamar isso de "golpismo" é um despropósito, porque não há nenhum indício de quartelada ou "golpe branco". Por enquanto, estão dentro da legalidade.

Estão no seu papel como oposição?

Estão cumprindo sua função fiscalizadora. O combate à corrupção não pode depender de bons corações e altruísmo. No longo prazo, o que conta são instituições fortes. E quem zela pelo bom funcionamento delas são muitas vezes as partes interessadas, isto é, opositores políticos ou competidores no mercado.

Na sua avaliação, há base para o impeachment da presidente?

O impeachment é um processo jurídico, mas também político. O presidente Fernando Collor de Mello foi impedido pelo Congresso e, 12 anos mais tarde, absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. O impeachment depende de como o próprio país tolera ou repudia a corrupção. Podemos supor que, em vários países, o presidente Fernando Henrique teria sido impedido por muito menos do que se revelou com os grampos do BNDES, nos anos 90. Quando o marqueteiro Duda Mendonça contou, na CPI dos Correios, que recebeu dinheiro da campanha do então presidente Lula numa conta num paraíso fiscal, já então haveria elementos para que, em muitos países, fosse aberto um processo de impeachment. Isso sem contar tudo que se revelou posteriormente sobre seu governo e contas de campanha.

Um impeachment de Dilma seria benéfico para o combate à corrupção?

Seria se refletisse um ambiente político de intolerância cada vez maior à corrupção e se houvesse o mesmo rigor em todas as esferas de poder, bem como em todo espectro partidário. O risco aqui é o casuísmo e o rigor seletivo, que só serviria às ambições de poder. Infelizmente, não se pode esperar de uma população, privada de uma educação de qualidade, uma análise política, ou uma compreensão mais ampla. Essa análise teria que exigir tolerância zero à corrupção, além de mais coerência daqueles que pregam o impeachment e, ao mesmo tempo, permitem que um homem como Renan Calheiros presida por duas vezes o Congresso Nacional. Já das instituições, sim, devemos esperar esse escopo irrestrito. Por isso a Lava Jato e toda a ação institucional ao seu redor são tão importantes.

A presidente afirma que as chamadas "pedaladas fiscais" foram realizadas em governos anteriores, como o do PSDB. Essas manobras são corriqueiras? Até que ponto isso se verifica em outros países?

As "pedaladas" são uma prática arraigada no país. Um caso clássico é a Conta Movimento [que transferia recursos do Banco Central para o Banco do Brasil]. Ela permitia ao governo expandir o crédito sem que isso se refletisse no orçamento fiscal. Essa malandragem foi um desastre para as contas públicas e para a economia do país nos anos 70. Já nos anos 80, a festa era dos bancos públicos estatais sacando a descoberto do Banco Central. Aliás, foi num desses bancos, o Bemge [Banco do Estado de Minas Gerais], que nasceu o mensalão mineiro. Não há dúvida de que o Brasil melhorou muito em termos de controle das contas públicas e estamos avançados em relação a outros países. Mas ainda estamos longe de um controle adequado.

As doações empresariais realizadas para a campanha de reeleição de Dilma estão sendo investigadas pelo TSE. Há um problema nesse modelo de financiamento?

O financiamento de campanhas, segundo a Polícia Federal, está relacionado com mais de 50% dos grandes casos de corrupção no país. É um problema gravíssimo e endêmico. O petrolão mostrou que não basta acabar com o caixa dois, porque a propina também chega em forma de doações legais. É fundamental mudar radicalmente esse sistema, que transformou a eleição, elemento central de uma democracia, num mecanismo de lavagem de dinheiro.

Recentemente uma pesquisa mostrou que 74% dos brasileiros são contra doações de empresas para campanhas eleitorais. Entretanto, o tema não tem apoio no Congresso.

Além de a maioria dos brasileiros apoiarem, a Transparência Internacional e mais de cem organizações, lideradas pela OAB, CNBB e MCCE, apresentaram uma proposta de reforma política que veda a doação de empresas. E a Câmara dos Deputados, liderada pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB), ignorou esse posicionamento, que conta com tamanho respaldo democrático. Mas a sociedade está cada vez mais atenta e a pressão vai continuar. Da nossa parte, a Transparência Internacional continuará lutando por uma reforma verdadeira.

A presidente tem dito ser contra a delação premiada. Segundo ela, as informações podem ser distorcidas pelo delator, dependendo do seu estado emocional. Entretanto, o recurso tem sido fundamental para as investigações atuais.

A delação premiada – e mecanismos correlatos, como o acordo de leniência – tem se provado um dos instrumentos mais eficientes na luta contra a corrupção em vários países. Principalmente em crimes difíceis de comprovar, como a formação de cartel. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos utiliza esse mecanismo há décadas, aperfeiçoando seu uso e tornando-o mais eficiente, transparente e previsível.

Como as legislações que tratam do assunto são muito novas no Brasil, é natural que ainda haja problemas na aplicação. É o caso do doleiro Alberto Youssef, que já havia se beneficiado da delação na época do escândalo do Banestado [antigo Banco do Estado do Paraná], voltou à prática criminosa e agora ganhou novamente o benefício [na Operação Lava Jato]. Com o tempo, nosso sistema deverá depurar o seu uso, assim como fizeram outros países.