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Fim previsível

11 de agosto de 2010

Após meses de argumentação contrária, Brasil acata sanções da ONU contra Teerã. Para especialistas, episódio chegou a um fim previsível, pois Brasil quer afastar imagem de política externa aventureira.

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Luis Inacio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad, em maio de 2010Foto: AP

Depois de meses de debate, visitas diplomáticas e um pouco de insistência, chega ao fim, pelo menos nas Nações Unidas, a atuação brasileira em prol do programa nuclear iraniano. Em maio último, o Brasil intermediou um acordo para transferência de urânio levemente enriquecido do Irã para a Turquia. No fim do episódio, restou ao governo brasileiro acatar as sanções das Nações Unidas contra Teerã.

A mensagem foi comunicada por Celso Amorim, ministro brasileiro de Relações Exteriores e um dos principais advogados a favor do diálogo com Mahmoud Ahmadinejad. "O presidente Lula, obviamente, fez isso de certa maneira contrariado, porque nós votamos contra essa resolução."

Na Europa, é consenso que ao Brasil não restava alternativa. "Um comportamento divergente colocaria em risco toda a confiança internacional que o Brasil tem, então qualquer governo brasileiro não tomaria uma decisão leviana", afirma Günther Maihold, do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Livre de Berlim.

O estudioso alemão acompanhou os capítulos dessa história. Em março último, em entrevista à Deutsche Welle, arriscou um palpite: "É quase certeza que o Brasil, por não ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, não será o país que vai representar a comunidade internacional em decisões mais difíceis." Aparentemente, foi isso mesmo que o desfecho da história mostrou.

Lições aprendidas

O especialista em América Latina interpreta os fatos recentes de forma crítica: com o envolvimento nesse conflito, o governo brasileiro sofreu alguns "arranhões" e aprendeu com o episódio – embora essas lições possam ser interpretadas de diferentes formas pelos envolvidos.

"O governo Lula pode ter concluído que não se pode ter tanta confiança nos Estados Unidos, porque sempre há o risco de se acabar sozinho no final do processo", lembra Maihold. De fato, o acordo mediado por Brasil e Turquia foi baseado em solicitações da Agência Internacional de Energia Atômica, reiteradas pelos Estados Unidos 15 dias antes de o presidente Lula visitar o Irã.

Rafael Duarte Villa, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo avalia que o país encerra sua mediação como um perdedor temporário.

"O Brasil teve que recuar, argumentando que fazia isso em prol do fortalecimento do multilateralismo. Ao mostrar uma diplomacia bastante desenvolvida, mas sem os ganhos esperados, o Brasil deverá ser levado em conta para futuras negociações nessa temática", sugere Villa.

Recados multidirecionados

Ao Irã, por outro lado, ficou claro que o Brasil não está disposto a manter seu apoio a qualquer custo. "Esta posição se deve ao padrão internacional brasileiro como uma força que está apoiando a Carta da ONU e jogando conforme as regras da comunidade internacional", lembra Maihold.

E à Turquia, que exerceu esse papel de mediadora a convite brasileiro, também restará a opção de acatar as sanções, sugerem os especialistas. "A Turquia também tem que olhar para o seu futuro e agir com concordância, já que busca entrar para a União Europeia", ressalta Villa.

Sinan Ogan, diretor do Centro Turco de Relações Internacionais e Análises Estratégicas, em Ancara, na Turquia, acredita que nenhum dos membros da ONU tem o direito de criticar a atuação dos dois países que tentaram dialogar com o Irã. "E o Irã também não tem o direito de criticar a Turquia e o Brasil, por aceitarem as sanções", adiciona.

O pesquisador acredita que o governo turco não encerrará sua participação nesse processo."A Turquia deverá sempre tentar fazer com que Teerã se sente à mesa para discutir negociações de paz, mas continuará a acatar as resoluções da ONU. Como duas potências regionais em ascendência, Turquia e Brasil poderão cooperar em muitos conflitos globais, não se limitando ao caso do Irã", defende Ogan.

Iniciante em política de conflito

Com esse desfecho "previsível", segundo os especialistas, o governo Lula corre o risco de ser taxado como amador ao defender o diálogo com Teerã. "Esse engajamento brasileiro pode ser visto com uma 'aventura', especialmente em tempos eleitorais em que se podem ganhar muitos votos assumindo um compromisso com o Irã", sugere Maihold.

As potências europeias podem, de fato, ver o Brasil com esses olhos, concorda Duarte Villa, mas esses países também captaram uma outra mensagem: "O Brasil quer passar a desempenhar um papel de 'global player' também em assuntos políticos e aspectos de segurança. Isso é decorrência do próprio fortalecimento interno que o país está atravessando."

Por outro lado, a diplomacia brasileira, com destaque para o ministro Carlos Amorim, ganhou mais evidência: "A comunidade internacional continuará vendo o Brasil como um dos membros mais ativos e inovadores, características mais do que necessárias num mundo onde posições pré-estabelecidas inibem soluções a muitos conflitos", finaliza Günther Maihold.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque