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Europa em construção

Soraia Vilela17 de abril de 2003

A Convenção Européia procura há mais de um ano definir as diretrizes da UE. Entre lutas pelo poder e divergência de interesses, procura-se desenhar um rosto para o bloco que terá brevemente 25 países.

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Bandeiras hasteadas durante cúpula em Atenas: divergências estremecem a uniãoFoto: AP

Os 105 membros da Convenção para Elaboração do Projeto de Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia reúnem-se regularmente em Bruxelas, sob a coordenação do ex-presidente francês, Valéry Giscard d'Estaing. As sessões do grêmio de tão pomposo nome são abertas ao público, para dar provas da "atuação transparente e democrática". Observadores fiéis dos encontros perguntam-se, no entanto, se a Convenção estará realmente em condições de esboçar a arquitetura de uma Europa estável para o futuro.

O recente conflito no Iraque deixou claro que a UE é forte o suficiente para causar incômodos no cenário das relações internacionais de poder, mas ao mesmo tempo impotente para impor-se como uma unidade coesa. Exatamente quando os países do bloco resolveram esticar seus tentáculos em direção ao leste do continente, um conflito mundial escancara as feridas internas de um grupo que ainda não sabe (ou não quer) se comportar como tal.

EU Verteidigungsminister in Athen
Ministros da Defesa da UE reunidos em março último: sorrisos escondem as diferençasFoto: AP

Velha e orgulhosa Europa - Um bom exemplo são as relações desencadeadas pelas palavras de Donald Rumsfeld. O termo "Velha Europa", ao invés de deixar França e Alemanha ofendidas, acabou por fortalecer o orgulho e a sensação de superioridade dos dois países em relação aos EUA (quiçá ao resto do mundo?). Enquanto isso, o espectador do cenário político internacional pôde presenciar como várias nações do Leste Europeu, filhas do comunismo, agarrarem-se com unhas e dentes às ordens ditadas pelo outro lado do Atlântico.

Pós-heróicos e ingênuos -

"A velha Europa, honrosamente representada pela França e pela Alemanha, é a facção avançada do Ocidente, que, através das lições do século 20, acabou voltando-se para uma forma civilizatória pós-heróica", disparou o filósofo alemão Peter Sloterdijk. O pós-heróico, para Sloterdijk, é aqui inversamente proporcional ao que Bush e Rumsfeld representariam: uma espécie de realismo ingênuo e isento de reflexão, que divide o mundo entre o bem e o mal. E, como se não bastasse, ataca esse mal, em nome do bem.

Curiosamente, é exatamente atrás desse maniqueísmo que correm alguns dos atuais membros da UE e parte dos países que ingressam brevemente no bloco. Frente a uma situação como essas, há de se perguntar como a UE pretende estabelecer uma política externa e de defesa comum, se a recente guerra provou que não há consenso entre seus membros?

Presidente onipotente? -

E em uma eventual divisão futura de poder, a quem delegar mais ou menos voz? Enquanto os grandes do bloco defendem o fortalecimento do Conselho Europeu e a criação do cargo de um presidente - o que aboliria a presidência rotativa - países menores, encabeçados pela Holanda, vêem na perpetuação do sistema atual a única forma democrática para o futuro da União.

Anunciou-se, há pouco, a entrada no que seria a etapa mais decisiva do trabalho da Convenção Européia: o momento em que seus membros deveriam finalizar um esboço de 16 artigos, que deveriam servir como base para um novo Contrato entre os membros da União. Em resposta a esse esboço, entretanto, surgiram nada mais nada menos que 1038 propostas de modificações.

Valery Giscard d'Estaing
Valéry Giscard d'Estaing, presidente da Convenção EuropéiaFoto: AP

Espelho das relações de poder - Com isso, anula-se quase tudo o que foi discutido em um ano e começa-se mais uma vez do zero. Há de se pensar que o atual estado das coisas dentro da Convenção Européia talvez seja um simples espelho das relações de poder entre os países da UE. Relações que se mostram tão frágeis, que nem os álbuns de família cheios de sorrisos, montados durante os encontros de cúpula, podem dar conta de fortalecer.

Em Atenas, estão reunidos no momento os chefes de governo da UE, tanto dos atuais membros quanto dos países que ingressam no bloco em 2004. Pela primeira vez, eles expõem a Giscard d'Estaing, presidente da Convenção, suas posições em relação ao papel de cada nação no bloco. Chega a hora, enfim, de detectar se a nova UE será capaz de se posicionar em torno de uma política externa comum ou se o conceito de uma Europa unida terá que se restringir apenas às gavetas dos burocratas de Bruxelas.