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Santo linho

17 de abril de 2010

Exposto pela primeira vez depois de uma década, o Sudário de Turim talvez seja a melhor peça publicitária para a Igreja Católica no momento. Mesmo que sua autenticidade nunca tenha sido confirmada.

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Marcas misteriosasFoto: DW/Bernd Riegert

Aproximadamente 1,8 milhão de peregrinos estão sendo esperados em Turim, cidade localizada no norte da Itália: todos desejam ver a relíquia mais preciosa da Igreja, o Santo Sudário, que será exposto na catedral da cidade, pela primeira vez depois de uma década, até o feriado de Pentecostes.

A peça de linho, famosa em todo o mundo, é envolta em controvérsias, sendo tida por muitos católicos fervorosos como o verdadeiro tecido que cobriu o corpo de Jesus Cristo morto. Mesmo que não haja nenhuma evidência científica ou histórica para tal – e nem mesmo a Igreja endosse formalmente a autenticidade da peça – ninguém consegue abalar a crença dos fiéis. Quer adeptos, quer críticos da Igreja, todos concordam que o Santo Sudário continua sendo um dos mais poderosos instrumentos da fé católica.

Atração turística

A atração da relíquia é tamanha – e as filas para vê-la tão longas – que a arquidiocese de Turim recomenda até mesmo que se reservem entradas pela internet. Os hotéis da cidade já estão com suas lotações esgotadas e as lojas de suvenires repletas de livros, selos e cartazes sobre o tema.

Hildegard e Ernst Rump, por exemplo, ficaram aliviados de poder ver a mortalha, mesmo que não tenham feito reservas online anteriormente. Depois de uma longa viagem desde o estado alemão da Baixa Saxônia, o casal ainda teve que esperar nas filas com dezenas de milhares de outros peregrinos, para poder entrar. Mas, no fim, acreditam que seus esforços foram finalmente recompensados.

Grabtuch Turiner Dom
Casal Rump peregrina pelo mundo de relíquia em relíquiaFoto: DW/Bernd Riegert

"Não estou completamente arrebatada, mas consideravelmente tocada. Você tem que entrar na coisa. É preciso um pouco de tranquilidade para sentir os efeitos", explica Hildegard Rump. De fato, os peregrinos não dispõem de muito tempo junto ao sudário, que pende acima do altar.

Cada pessoa tem direito a apenas três minutos para ver a peça com a imagem de um homem barbado, vítima de tortura nas mãos e nos pés. Através de uma vitrine à prova de balas, rastros de sangue são também aparentes no local onde a coroa de espinhos supostamente esteve. Ernst Rump afirma que o pouco tempo que passou na presença do sudário serviu para fortalecer sua fé.

"Para mim, pessoalmente, essa é a confirmação da revelação e da mensagem da ressurreição de Jesus Cristo. Aqui, você tem alguns indícios concretos de como a coisa ocorreu. Não é algo que converta você num fiel, mas que podem apoiar e confirmar sua fé", diz Rump.

Origens obscuras

A maioria das evidências históricas e científicas, incluindo um teste de datação radiométrica realizado em 1988, apontaram que o Santo Sudário se originou em torno de 1300. No entanto, ainda restam muitas dúvidas que continuam envolvendo a peça de linho em mistério. Cientistas constataram, por exemplo, que a imagem do sudário não é composta por pigmentos normais, embora eles não possa dizer com qual substância exatamente foi criada.

Bruno Barberis, especialista em sindonologia – a ciência do Sudário (em italiano, Santa Sindone) –, afirmou à Deutsche Welle não poder refutar que se trate da imagem de Jesus. "Não tenho uma resposta conclusiva, final. No entanto, posso dizer que, com os dados de que dispomos hoje, a probabilidade é muito alta. Em 10 ou 20 anos, possivelmente poderemos dizer com mais precisão", disse ele. Barberis pretende conduzir um novo teste de datação do tecido, mais acurado que o teste de carbono anteriormente realizado.

Como em relação a todas as relíquias do gênero, a Igreja não se pronunciou a respeito da autenticidade do Santo Sudário. De acordo com Severino Poletto, arcebispo de Turim, sua proveniência é menos importante do que a crença nele. Sua reverência é um sinal importante de fé, diz o religioso, acrescentando esperar que os peregrinos encarem o Sudário sem preconceitos.

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Papa Bento 16 diante de uma cópia do Sudário de TurimFoto: AP

Críticas

Muitas pessoas veem aí uma atitude enganosa por parte da Igreja. Antonio Lombatti, um estudioso da História da Igreja de Parma, afirmou à Deutsche Welle que o Sudário deveria estar exposto num museu, e não numa catedral. Segundo ele, o primeiro proprietário da peça exibiu-a no ano de 1355, na França, anunciando que "iria mostrar a representação de uma relíquia de morte, e não a verdadeira mortalha de Jesus".

Lombatti lembra que "até mesmo o Papa da época disse que era um engodo. Ele pediu aos padres que iriam expor o sudário que dissessem em alto e bom som não se tratar da verdadeira mortalha de Jesus", completa o historiador.

Lombatti alega que esses documentos ficaram perdidos por sete séculos, um período durante o qual o sudário se tornou, da mesma forma que acontece com outras relíquias, um "instrumento importante para a evangelização do povo". De acordo com o historiador de Parma, "eles não dizem que se trata da coisa real, mas a forma como a expõem dá a impressão de que poderia ser. O modo como usam a relíquia é muito desonesto para com os fiéis", conclui.

Boa publicidade

De qualquer forma, a exposição do Santo Sudário valeu para a Igreja presença positiva na imprensa, coisa rara atualmente. O monsenhor Giuseppe Ghiberti, que organizou a mostra para a Arquidiocese de Turim, ficou satisfeito com o burburinho em redor da exposição, que requer a participação de aproximadamente 3 mil voluntários. Ghiberti acredita que o Sudário tenha uma penetração especial na atual cultura visual.

"Para a Igreja, é muito importante estar em condições de mostrar algo representando um eco dos Evangelhos. A mensagem é tão importante hoje quanto há séculos atrás", diz ele.

Mas é claro que a mensagem é mais poderosa para alguns que para outros. Apesar das crises constantes da Igreja, fiéis como os Rumps continuam a celebrar sua crença através de peregrinações. Antes de visitar Turim, o casal esteve em Manoppello para ver um outro sudário, que mostra Cristo após a ressurreição. E eles estão planejando para breve uma viagem transatlântica até Nossa Senhora de Guadalupe, um famoso ícone mexicano.

Autores: Bernd Riegert/ David Levitz (sv)

Revisão: Augusto Valente