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Faltam estudos sobre nazistas que se esconderam no Brasil após a Guerra

Clarissa Neher16 de maio de 2013

Documentos em arquivos comprovam a entrada de nazistas no país, mas tema ainda é tabu na historiografia brasileira. Investigação de promotores alemães contribui para esclarecer parte desse passado.

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Foto: picture alliance/akg-images

Muitos nazistas fugiram da Alemanha após o final da Segunda Guerra Mundial e encontraram esconderijo na América do Sul, inclusive no Brasil. A maioria deles nunca pagou pelos crimes que cometeu e levou uma vida "normal", como o "Anjo da Morte" Josef Mengele, falecido em Bertioga (SP) em 1979.

Esse é apenas um dos poucos casos conhecidos, e faltam estudos sobre o tema na historiografia brasileira. Mas investigações realizadas no Brasil por promotores do Escritório Central para a Investigação dos Crimes do Nazismo da Alemanha podem acabar com esse silêncio.

Historiadores acreditam que será muito difícil para as autoridades alemãs encontrarem criminosos de guerra ainda vivos. Mesmo assim, a investigação dos promotores poderá contribuir para que o tema ganhe destaque.

"O trabalho deles é muito importante para o resgate dessa história que até agora foi negada e revela uma outra faceta, tanto da história contemporânea do Brasil quanto da Alemanha", diz a historiadora e coordenadora do Laboratório de Estudos da Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP, Maria Luiza Tucci Carneiro. Segundo ela, esse resgate histórico é extremamente importante para o presente e o futuro. "Uma história omissa e silenciada abre campo para o fortalecimento de grupos neonazistas."

A entrada de nazistas no Brasil após a guerra é comprovada pela documentação encontrada nos arquivos do Itamaraty, do Estado de São Paulo e no Arquivo Nacional. "Não são apenas aqueles cinco ou seis que a gente conhece, como o Mengele. Foram muitos outros, talvez com uma importância secundária, mas criminosos de guerra", diz a historiadora.

Proteção do governo brasileiro

A preocupação do governo brasileiro com o movimento nazista só acontece tardiamente, a partir de 1942. "A campanha do Getúlio [Vargas] contrária a estrangeiros no Brasil se faz muito mais direcionada aos alemães, de uma maneira geral, do que contra o partido nazista. Só em 1942 começa essa perseguição, no momento que o Brasil entra na guerra", diz Carneiro.

Após a guerra, as autoridades latino-americanas sabiam que criminosos de guerra estavam escondidos em seus países, mas não tomaram nenhuma medida a respeito. "Em alguns casos, os governos tinham plena consciência com quem estavam lidando. Perón protegeu na Argentina Ante Pavelić, chefe de Estado fascista na Croácia e organizador do Holocausto no país. No Chile, Pinochet protegeu Walter Rauff, que desenvolveu as armas de gás com as quais os judeus foram mortos", diz Daniel Stahl, da Universidade de Jena.

Joseph Mengele KZ-Arzt Ausschwitz
Mengele fazia experiências com presos no campo de concentração de AuschwitzFoto: Getty Images

O governo brasileiro protegeu Herbert Çucurs, o responsável pelo massacre de Riga. Segundo Carneiro, em 1967 uma das sobreviventes do episódio reconheceu Çucurs passeando no centro de São Paulo. Ela o denunciou ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP). A polícia interrogou Çucurs, que afirmou estar sendo perseguido pelo Mossad, o serviço secreto de Israel. "Não aconteceu nada com ele. A polícia simplesmente protegeu Çucurs, colocando, durante vários meses, seguranças na porta de sua casa."

Ida para a Alemanha

Antes da Segunda Guerra, vários alemães e descendentes que viviam no Brasil, principalmente em colônias no sul do país, voltaram para a Alemanha. Entre os anos de 1938 e 1939, estima-se que mais de 8 mil imigrantes alemães oriundos do Brasil entraram no país. Muitos deles possuíam cidadania brasileira, mas abriram mão dela e passaram a trabalhar no Terceiro Reich.

Em 1946, uma Missão Militar Brasileira (MMB) foi instalada na Alemanha para fazer o atendimento diplomático e repatriar brasileiros, verificando a situação dos solicitantes e oferecendo o transporte de volta para o Brasil para brasileiros e familiares. "Grande parte dos solicitantes era de origem alemã e possuía a nacionalidade alemã", diz a historiadora Méri Frotscher Kramer, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

Walter Rauff
Walter Rauff foi protegido por Pinochet no ChileFoto: AP

"O governo brasileiro tinha interesse em mão de obra especializada, inclusive alemã, e em imigrantes agricultores." No início das atividades da MMB – que se encerraram em 1949 – havia um controle na avaliação dos pedidos de repatriamento, mas essa preocupação desapareceu ao longo do tempo. "Assim, muitos que inicialmente não receberam a permissão acabaram recebendo depois", revela Kramer.

No Brasil

Segundo a historiadora Carneiro, nesse momento o governo brasileiro facilitou a entrada ou o retorno daqueles que poderiam ser considerados criminosos de guerra. Dessa maneira, chegaram ao país nazistas que tiveram um papel importante no regime.

"A MMB tem consciência disso, porque os serviços secretos americano e da Grã-Bretanha tinham fichas dessas pessoas, dizendo o dia da saída do Brasil, a função exercida e o cargo ocupado na estrutura do Reich, e mesmo assim a entrada deles no Brasil foi liberada."

A historiadora conta que encontrou nos arquivos telegramas da MMB, informando as autoridades brasileiras do embarque ilegal de nazistas em navios com destino ao Brasil e até mesmo citando o nome desses "passageiros".

Ao desembarcar no Brasil, a maioria deles desapareceu e passou a levar uma vida "normal". "Franz Stangl e Gustav Wagner trabalharam em uma empresa alemã, para ser mais específico na Volkswagen. Herbert Çucurs fez amigos militares e abriu uma empresa", conta Stahl, da Universidade de Jena.

Carneiro complementa: "Eu percebo que a comunidade alemã deu cobertura e ajudou esses nazistas, pois ao longo de anos eles foram alimentados com uma propaganda pró-Alemanha que fomentou o amor à pátria".