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"Fato administrativo virou peça de jogo político"

Karina Gomes8 de outubro de 2015

Para analista francês Gaspard Estrada, da Sciences Po, Planalto deu tiro no pé ao tentar barrar votação sobre contas do governo no TCU. Segundo ele, classe política brasileira se encontra em desespero.

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Dilma Rousseff
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa

A rejeição das contas da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU) foi consequência de "fraqueza política" e da má articulação do governo federal.

A opinião é de Gaspard Estrada, analista político do Observatório Político da América Latina e do Caribe do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po).

Em entrevista à DW Brasil, o especialista francês destaca que "qualquer fato administrativo" pode virar um fato político, em referência à tentativa do Planalto de barrar a votação no TCU e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Deutsche Welle: É a primeira vez que um governo tem as contas rejeitadas no Brasil desde 1937. Como o senhor interpreta isso?

Gaspard Estrada:O governo federal exibiu fraqueza política. Um fato administrativo acabou criando um fato político contra o Planalto. Eu acho que o governo errou ao criar um embate com os magistrados do TCU. Antes da denúncia contra um dos magistrados [o relator do caso, ministro Augusto Nardes], havia uma divisão entre os ministros do TCU, de acordo com o que foi divulgado na imprensa. No entanto, houve um reflexo corporativista do TCU e também do STF, que rejeitou o pedido do governo de suspensão da análise das contas. Eu acho que foi um erro político de avaliação do Planalto. Também considero que o governo tem que mudar de vez sua articulação política.

Esse movimento de articulação pode diminuir as chances de o Congresso desaprovar as contas da presidente?

A votação sobre o tema só pode ser agendada pelo presidente do Senado e não pelo presidente da Câmara. Nos últimos meses, Renan Calheiros tem tido uma posição mais conciliadora com a presidente Dilma do que Eduardo Cunha, em particular, a partir do momento em que o Executivo decidiu acolher a proposta da Agenda Brasil. Isso dá certo fôlego para Dilma. Isso não quer dizer que o presidente do Senado vá conseguir garantir os votos necessários para que as contas sejam aprovadas. Toda essa situação faz com que prognósticos sobre a validação das contas no Congresso sejam aleatórios.

O jogo político pode sobrepor a apuração técnica sobre as "pedaladas fiscais"?

Eu considero que agora qualquer fato administrativo pode virar um fato político, como o próprio julgamento do TCU mostrou. Membros da oposição visitaram ministros do TCU para prestar solidariedade. Segundo a imprensa, o próprio relator do caso [ministro Nardes] também é investigado por problemas fiscais. Acho que o quadro político em Brasília está muito conturbado e todos os atores se movimentam conforme esse jogo político.

Por outro lado, há um processo judicial decorrente da Operação Lava Jato que está nas mãos da Justiça, o quadro econômico está piorando e, finalmente, há uma crise no diálogo entre o governo e o Congresso, que leva a base aliada a impôr derrotas sérias ao governo federal. A mistura dessas três agendas complica o quadro para toda a classe política, que se encontra em desespero.

Não há um precedente sobre a rejeição de contas no Legislativo culminarem com o impeachment de chefes de Executivo. O que se pode esperar?

Por haver tanto ineditismo nessas decisões é difícil fazer uma previsão. A oposição usa um fato político, mas é difícil saber se vai haver uma sequência que levará ao impeachment da presidente. O quadro na Câmara está prejudicado para Eduardo Cunha, devido às denúncias de contas na Suíça. Isso atrapalha os planos do presidente da Câmara, mas não quer dizer que isso não possa ser levado adiante no futuro.

O que podemos prever para as próximas semanas?

A maior previsão é não ter previsão. Na Operação Lava Jato surgem a cada dia novas denúncias e delações que afetam figuras-chave na cena política brasileira. Hoje no Brasil tudo está muito imprevisível, como nunca.